Libertines

What did you expect from the Vaccines? | Vaccines

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Bom dia, muito prazer, meu nome é Tiago e levo uma vidinha comum.

Acordo às seis e meia, quando o sol ainda é um borrão alaranjado encoberto por nuvens. Quase me engasgo com as colheradas de cereal (estou com sono), faço a mochila, depois enfrento os religiosos 40 minutos de esteira ergométrica. Mais tarde vocês me encontram no trabalho e, ainda mais tarde, estou de volta ao meu apartamento pequeno. Faço uma coisa ou outra, aí durmo.

Na prática, é o que acontece.

Não há eventos extraordinários, heroicos, na minha rotina. Mesmo quando — entre a esteira ergométrica e as noites no meu apartamento pequeno — calho de entrevistar alguém importante ou apurar uma reportagem que me enche de orgulho, sei que não existe nada especial nisso. É o meu trabalho. É o que eu faço. No fim do dia, sou apenas um sujeito tão perdido e inseguro quanto você e seus amigos.

Outro dia, já há muito tempo, eu estava na fila do cinema conversando com um amigo meu quando uma mulher ouviu meu nome e perguntou: “Você é o Tiago? O Tiago que escreve no jornal?”

Eu, sempre muito tímido, respondi que sim, mas fiz um sorriso desconfortável, de menino quando é pego fazendo besteira. Ela foi muito espontânea: não escondeu, nem por um segundo, a decepção que sentiu com aquele encontro. “Eu jurava que você era mais alto, mais velho, óculos e barba, mais…”

E ficamos em silêncio.

Se eu não fosse um bicho-do-mato, teria achado graça naquele descompasso inevitável entre as expectativas da leitora e a realidade. Fiquei, na verdade, um pouco constrangido com a situação. Mas outras situações parecidas ocorreram em outros momentos. Não adianta, nunca adianta: sempre insistimos em criar expectativas que nunca serão correspondidas.

Lembrei do caso assim que bati o olho no título desta estreia do Vaccines. O disco poderia ser horrível, equivocado do início ao fim; mas o título continuaria soando, para mim, brilhante. “O que você esperava dos Vaccines?”, eis a questão.

É a pergunta que todos os discos (e livros, e filmes, e as pessoas) fazem silenciosamente quando os encontramos pela primeira vez: o que você esperava de mim?

Sem querer alargar demais a discussão, fico na música pop. Diante de um disco novo, antes de conhecê-lo, criamos expectativas às vezes muito altas, às vezes baixas. Às vezes ficamos indiferentes: pagamos para ver. Quando finalmente o ouvimos, o que se dá é um confronto entre as nossas expectativas e a matéria (as canções e a tessitura que as une).

Avaliamos os discos de acordo, em grande parte, com a forma como eles respondem às nossas expectativas. O quarto disco dos Strokes será avaliado com mais rigor do que, digamos, o primeiro disco do Yuck. Esperamos muito, talvez exageradamente, dos Strokes. Não esperamos nada do Yuck. (E isso tudo é muito óbvio, eu sei, mas precisa ser dito)

O Vaccines é um caso intermediário. Uma banda muito nova (formada em junho do ano passado) que foi adotada pela imprensa britânica como a salvação do rock. Alguém comparou aos Beatles. Alguém certamente comparou aos Strokes.

Ninguém precisa comprar esse tipo de invencionice da mídia (e o rock não precisa ser salvo, mas ameaçado; é do risco que nasce o conflito, o desconforto que nos interessa). Mas o Vaccines entende que esse marketing faz parte do jogo e responde com um disco que pergunta: o que você esperava da “maior banda da temporada”?

O título lembra outro, que acaba se enquadrando na mesma situação: Whatever people say I am, that’s what I’m not, do Arctic Monkeys. São dois títulos que resumem os desafios de duas bandas inglesas iniciantes — conscientes do fato de que, no hiperbólico pop inglês, as expectativas são sempre incompatíveis com a realidade.

Então, lá vamos nós: eu, particularmente, não esperava nada dos Vaccines. Da mesma forma como não esperava nada do Arctic Monkeys. Li um ou outro elogio exagerado ao quarteto, mas fiz que não era comigo. Desde a guerra encenada entre Oasis e Blur, lá nos anos 90, não dou muita trela ao oba-oba da imprensa inglesa. Quando se vende publicações semanais de música, é preciso assunto para preencher as páginas. Ouvi o disco, portanto, com expectativas quase nulas.

Mas entendo a decepção de quem buscou na banda um novo Strokes, um novo Libertines ou um novo Arctic Monkeys ou (deve ser o caso mais comum) uns novos heróis do Reino Unido. O Vaccines é um pouco disso tudo, mas não é nada disso. É, se descontarmos toda a aura que se criou para eles, uma banda iniciante, que gravou bons singles e agora os reúne num disco. O que você esperava deles?

As comparações com o Strokes procedem sim, é claro: a banda de Nova York está entre os ídolos do Vaccines (e a influência está óbvia em faixas como Post break-up sex) e este primeiro disco remete à estrutura de Is this it. São coleções compactas de singles. Até aí, no entanto, não vejo nada anormal. Que banda iniciante não exibe amor exagerado aos ídolos? Quantas bandas iniciantes não estreiam também na pressa, reunindo os singles para não perder o bonde do marketing?

Outra semelhança com Is this it é que este disco do Vaccines também apresenta uma banda muito jovem, imatura, ansiosa, apressadíssima (tudo no bom sentido, ok?), que soa como se estivesse atrasada para pegar o trem que vai partir em cinco minutos. Essa aflição transparece nas faixas, que soam muitíssimo mais vívidas, entusiasmadas, alegres que as novas do Strokes.

O disco flagra o nascimento de uma banda. Coisa boa de se ouvir. De imediato, dá para notar o gosto por versos mundanos porém nada triviais (rimar F. Scott Fitzgerald com Morning Herald, e dentro de uma faixa que soa como homenagem ao Ramones, é o tipo de bobagem inteligente que deixaria o Vampire Weekend feliz) e um interesse mais por simplicidade que por rebuscamento. É um disco que sabe muito claramente aquilo que quer para si — apesar dos objetivos limitados, da falta de ousadia, de um certo comodismo nas referências.

É um álbum, no entanto, que cumpre a intenção de descer como um “disco de verão”: os singles fortíssimos (Post break-up sex, Blow it up e If you wanna) são arejados por acenos ao pop sessentista (Wetsuit), guitarradas primárias, toscas, e a sensação de que estamos soltos numa colônia de férias patrocinada por tios punks. Na faixa de encerramento, o inverno chega; tudo o que resta é encostar a cabeça no ombro, à la Brian Wilson.

Os personagens das canções, aliás, não fazem grandes coisas. São tipos quase  anônimos às voltas com as aventuras mais típicas. Anti-popstars. “O que você esperava de sexo pós-separação?”, eles ironizam, numa das faixas. Nada de glamour, portanto.

Não vai alterar o eixo do planeta, certo? Mas diga aí: o que você esperava deles? A resposta à pergunta vai definir a forma como você encara este disco. Que, para mim, soa como o diário de quatro sujeitos comuns, talvez nada especiais, se divertindo com o que tem para hoje.

Primeiro disco do Vaccines. 11 faixas, com produção de Dan Grech. Lançamento Columbia Records. 7/10

50 discos para uma década (parte 2)

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Continuando a saga…

montreal

40. Hissing fauna, are you the destroyer? – Of Montreal (2007)

O oitavo álbum do Of Montreal soa como uma anomalia — para a banda, no underground desde 1996, e para o indie rock americano da geração 2000, que encontrou um ídolo ambíguo onde menos esperava. Mas, acima de tudo, o disco conta uma história extraordinária: depois de uma década inteira de psicodelia, Kevin Barnes chegou ao topo exatamente num dos momentos mais trágicos da vida. Transformar os dramas pessoais num cabaré multicolorido e afetado é, sim, um tipo de arte.

yeahyeah

39. Fever to tell – Yeah Yeah Yeahs (2003)

A estreia do Yeah Yeah Yeahs pode ter decepcionado quem esperava a crueza do primeiro EP — ainda, na onda pós-punk do início da década, poucos outros discos soaram tão ásperos —, mas já deixava clara a inclinação pop do trio, que (ironicamente) acabou fazendo sucesso com a faixa mais delicada do álbum (Maps). Apesar das mutações que viriam a seguir, ainda soa como a síntese das ambições da banda: o diabo na carne de Karen O.

pornographers

38. Twin cinema – The New Pornographers (2005)

Culpem o Canadá: o “novo rock” viu uma interessantíssima queda de braço entre Nova York e Vancouver, sem vencedores. A liga dos super-heróis canadense atendeu por New Pornographers, uma superbanda de power pop liderada por Carl Newman e fortalecida pelos golpes de Neko Case e Dan Bejar. Qualquer disco vale a pena, mas em Twin cinema a coletividade fala mais alto. E são tantas as pérolas que fica difícil escolher uma (The bleeding heart show?).

eminem

37. The Marshall Mathers LP – Eminem (2000)

Por alguns minutos, esqueça o Eminem entediado e oportunista que você conhece desde meados de 2005. No início da década, o rapper soava como um Andy Kaufman do hip hop (ou um Sacha Baron Cohen pré-Brüno). Depois de criar um curto-circuito entre a própria biografia e a ficção mais doentia (nessa brincadeira, acbaou processado pela própria mãe). O tempo maltratou Eminem, mas The Marshall Mathers LP fica: é um slasher movie narrado em primeira pessoa, hilariante e perturbador.

sleater

36. The woods – Sleater-Kinney (2005)

Um dos discos subestimados da década merece ser redescoberto o quanto antes: o canto de cisne do Sleater-Kinney é um cataclisma — e, de bônus, contém um dos grandes trabalhos de Dave Fridmann na produção (antes de diluir os próprios truques no disquinho superestimado do MGMT). O trio trata as influências de rock clássico com a falta de cerimônias com que encarava o punk rock. O resultado é tão furioso quanto enxuto: nenhum ruído é usado em vão — e haja ruído.

yolatengo

35. And then nothing turned itself inside-out – Yo La Tengo (2000)

Os discos mais acessíveis do Yo La Tengo são os mais diversificados, que soam como coletâneas de rock psicodélico do final dos anos 60. Não é o caso desta pequena e silenciosa obra-prima. que parece ter sido gravada à meia-luz numa noite de inverno. Uma coleção de baladas sobre amor e casamento, trata-se de um dos álbuns mais maduros e delicados gravados por uma banda de indie rock. Provavelmente soou como uma surpresa até para o próprio trio, que não fez nada igual depois.

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34. Nixon – Lambchop (2000)

Quem tratava o Lambchop como uma banda de country alternativo foi obrigado a rever os conceitos depois de ouvir este Nixon, um álbum de soul music made in Nashville. Com arranjos cuidadosos de cordas e melodias etéreas que remetem a Van Dyke Parks, a banda cria sinfonias que revelam novos detalhes a cada audição. O clímax vem precocemente, com o coro gospel de Up with people — mas a maior revelação do disco é a voz de Kurt Wagner — o homem em queda.

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33. Give up – The Postal Service (2003)

O único álbum do Postal Service é um acidente brilhante: Ben Gibbard (Death Cab for Cutie) e Jimmy Tamborello (Dntel) trocaram pedaços de canções pelo correio (daí o nome do projeto) e, quase sem querer, criaram um modelo para toda uma nova geração do lo-fi americano. Em tese, parece bobagem (sussurros confessionais sob eletrônica sutil), mas a simplicidade dos arranjos e o clima de intimidade sugerido pelas canções o transformam num disco singular (e um que eu levaria para uma ilha deserta).

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32. Up the bracket – The Libertines (2002)

Preto no branco: este é o álbum britânico mais influente da década. A estreia do Libertines inspirou dezenas de bandas de garage rock, foi usada pela imprensa inglesa como uma espécie de termômetro para novidades e (apesar das semelhanças com os primeiros singles do Strokes, muito notadas à época do lançamento) vale como lembrança de que a banda de Londres já soou verdadeiramente como um quarteto. Dos grandes.

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31. Silent shout – The Knife (2006)

Há arrepios no terceiro álbum do Portishead, mas o trem-fantasma mais eficiente da década é este “disco de horror” da dupla sueca The Knife. Com vocais distorcidos que se aproximam do grotesco, Karin Drejer Andersson (Fever Ray) e Olof Dreijer fizeram um disco que explora ambiente sombrios e surrealistas como uma versão dark para Alice no país das maravilhas. Ame-o ou deixe-o, mas é complicado negar a sensação de estranheza que ele provoca.