LCD Soundsystem
Os melhores discos de 2010 (20-11)
“Existe algo reconfortante nas listas, uma precisão que faz com que acreditemos ter o controle sobre as coisas. Seriam elas manifestos contra a amnésia e o caos?”
Arthur Krystal, no ensaio The joy of lists
Pois bem, meus amigos: com a pompa de sempre (e a imprecisão costumeira), começamos aqui o ranking habitual dos melhores discos do ano. Que rufem os tambores e libertem as cheerleaders.
São 20 álbuns. Por um momento, pensei em incluir mais 10 (para os nossos ouvidos, foi um ano até muito agradável). Mas, para acirrar a competição e evitar um infame oba-oba, optei por me agarrar à tradição e seguir o antigo padrão do blog. 20 e nada além de 20. A escalada começa hoje e termina amanhã à noite (ou, no mais tardar, um pouco depois, stay tuned). Para não dar curto-circuito de listas, esta semana não teremos a saga dos discos da minha vida.
Não vou perder muito tempo explicando que os discos deste top 20 escreveram a trilha sonora de um ano terrível e que, por isso, têm pra mim um valor sentimental intenso, quase infernal. Isso vocês já sabem. Até para não fugir ao tom ultrapessoal do blog, a ideia do ranking é elencar os discos que mais me perseguiram e me atazanaram durante o ano, por ordem de insistência. Certamente ela não faz tanto sentido para você quanto faz para mim.
No post seguinte, as menções honrosas e outras firulas. Por enquanto, os 10 discos extraordinários que quase chegaram ao meu top 10.
20 | Astro Coast | Surfer Blood
If I’d known all your ghosts… I never would have gone so far – ‘Twin Peaks’
The indie kids are all right. “Nada soa novo no Surfer Blood. Talvez o estilo ainda esteja numa fase muito inicial, mas o que alegra na banda é o entusiasmo como as referências são digeridas, adaptadas, transformadas em canções vibrantes. Neste início de ano, ouvi poucos discos que soam tão coesos e poderosos, uma onda que nunca quebra na areia.” (30 de janeiro, texto completo).
19 | False priest | Of Montreal
You look like a playground to me, playa – ‘Sex karma’
Kevin Barnes, nosso herói. “False priest é um mangá adolescente, proibido para menores de 14 anos. As faixas estão quase sob controle: têm verso e refrão, raramente grudam umas nas outras, têm DNA de rhythm & blues e deliram de olhos abertos. Mas são falsamente ingênuas. Falsamente infantis. Um cartoon pop escrito por um sujeito de 36 anos.” (17 de agosto, texto completo)
18 | MAYA | M.I.A.
You want me be somebody who I’m really not – ‘XXXO’
O tilt do milênio. “O álbum soa como um post de blog instintivo e irresponsável, que dura 42 minutos e comenta a fragmentação do mundo contemporâneo com a urgência que não encontramos com tanta frequência no pop. A sonoridade de M.I.A. está mais arredia, irritadiça, ‘difícil’ (de propósito). Já o discurso, menos polido, desinteressado em explicar didaticamente as próprias intenções. Terrorismo musical” (8 de julho, texto completo)
17 | High violet | The National
It’s a terrible love I’m walking with… It’s quiet company – ‘Terrible love’
Canções elegantes para homens em queda. “É um belo paradoxo: a banda se mostra cada vez mais segura do que faz e certa do som que procura (correndo o risco de esgotar um formato que depura desde o primeiro disco), mas o narrador dessas histórias parece cada vez mais fragilizado, desencantado, um homem condenado a viver dentro de melodias tristes e de manhãs quase sempre traiçoeiras.” (21 de abril, texto completo).
16 | Contra | Vampire Weekend
Here comes a feeling you thought you’d forgotten – ‘Horchata’
Volta ao mundo sem sair do quarto. “Antes que acusem os rapazes de explorar superficialmente a onda do ‘pop global’, é fundamental entender que a banda não é nada ingênua. Nas canções, ela cria personagens, engendra relações entre esses personagens e compõe um ambiente onde essa gente se movimenta. Uma paisagem habitada por tipos bem-nascidos, esclarecidos, privilegiados – e a banda não se exclui em nenhum momento desse círculo.” (8 de janeiro, texto completo)
15 | Sir Lucious left foot: The son of Chico Dusty | Big Boi
We chose to lead not follow… It’s a hard pill to swallow – ‘Shine blockas’
Big Boi no comando. “Pode parecer uma tolice falar em concisão quando o assunto é um disco de 15 faixas e 55 minutos de duração, mas soa até econômico: cada faixa parece investigar uma única ótima ideia (um som, um sampler, um efeito). Para Patton, o desafio é alterar sutilmente os modelos que soam familiares, criar as rimas exatas e singulares, cumprir expectativas e dar um passo a frente. É uma invenção serena, quase secreta.” (6 de julho, texto completo).
14 | Crystal Castles | Crystal Castles
Follow me into nowhere – ‘Celestica’
Viagem insólita ao mundo de hoje. “Um bicho de sete cabeças: nas primeiras faixas, os contrastes são chocantes, gratuitos. Aos poucos, como quem vai deslizando nas estações de uma rádio, a banda encontra a sintonia e se transforma em uma outra criatura, esguia e autoconfiante. Algumas bandas e artistas têm o talento (ou a sorte) de capturar o sentimento de confusão de uma época. Com este disco caótico, o Crystal Castles se afirma como um deles.” (11 de maio, texto completo)
13 | Measure | Field Music
Get your keys and go to work… Cause them that do nothing makes no mistakes – ‘Them that to nothing’
O complicado que soa simples. “O Field Music continua a produzir discos que soam até conservadores, talvez um tanto nostálgicos, mas, acima de tudo, desprendidos do tempo em que foram criados. Um disco que será desprezado por parte da crítica, tratado como um lançamento ultrapassado e corretinho demais. Ok. Entendo. Mas nada explica de onde vem a força elementar dessas canções: algo que David e Peter têm e nós, compositores de fim de semana, nunca teremos.” (22 de janeiro, texto completo)
12 | This is happening | LCD Soundsystem
All I want is your pity… Oh, all I want are your bitter tears – ‘All I want’
James Murphy enfrenta o espelho (na velha coleção de discos). “Você já experimentou o exercício dolorido de desenterrar a pilha de LPs que jaz no armário da sala? Eu tentei e fui quase asfixiado por lembranças boas e ruins, sensações de alegria, pânico e profunda tristeza. Os discos do LCD Soundsystem despertam essa gama de sensações. Murphy vai organizando as próprias referências como quem compõe uma grande lista de favoritos, um guia musical, uma calçada da fama pavimentada com impressões pessoais” (14 de abril, texto completo)
11 | Swim | Caribou
Who knows what she’s gonna say? – ‘Odessa’
Pista de dança flutuante. “Dan Snaith usa as técnicas da eletrônica com a sensibilidade de um fã de rock psicodélico. O fundamental é simular a sensação de transe, alucinação, sem abandonar alguns valores caros ao rock. A ideia de um disco que soasse líquido, movediço, é praticada da primeira à última música. PhD em matemática, Dan aplica o conceito com absoluto rigor” (13 de março, texto completo).
Drunk girls | LCD Soundsystem
A arte do bullying, por James Murphy. Meninos e meninas, não tentem fazer isso em casa (a direção é do Spike Jonze, de volta ao habitat).
This is happening | LCD Soundsystem
This is happening, o terceiro disco do LCD Soundsystem, confirma a minha impressão de que, se tivermos sorte, James Murphy vai acabar escrevendo sobre música em alguma revista bacana, tipo New Yorker. Já tem um leitor fiel: eu. Admita: o sujeito é um ótimo cronista do pop que, meio encabulado com o ofício, anda por aí disfarçado de astro indie.
“Criei a banda para explicar o que eu sinto sobre música. A banda é um argumento”, disse Murphy, numa entrevista à Rolling Stone. Já estava meio óbvio: os discos do LCD Soundsystem são os diários de um fã de rock que tirou a tarde para revirar a coleção de LPs.
Você já experimentou esse exercício dolorido que é desenterrar a pilha de LPs (ou, vá lá, de CDs) que jaz no armário da sala? Eu tentei e fui quase asfixiado por lembranças boas e ruins, sensações de alegria, pânico e profunda tristeza. Canções pop têm essa capacidade de compactar episódios do passado, que repousam na nossa coleção até o dia em que, destemidos, resolvemos apertar o play.
James Murphy nasceu em fevereiro de 1970. A maior parte das “memórias musicais” contidas nos álbuns do LCD Soundsystem vêm dos primeiros 10 anos de vida do compositor: o punk rock, o pós-punk do Joy Division, o glam rock de David Bowie, a protoeletrônica do Kraftwerk, a disco music. Isto é: elas não foram adquiridas no calor do momento (a menos que ele fosse um menino muito precoce), mas assimiladas com distanciamento. Em algum momento da vida, Murphy se pegou estudando o pop dos anos 1970.
É por isso que os discos do LCD Soundsystem têm um quê de ensaio, de pensata. Murphy vai organizando as próprias referências como quem compõe uma grande lista de favoritos, um guia musical, uma calçada da fama pavimentada com impressões pessoais. Mas, ao mesmo tempo (como bom fã de rock que é), ele foge do tom saudosista. Faz álbuns contemporâneos de dance-punk que deslocam os heróis do cantor para o tempo presente (talvez para mostrar que eles não envelheceram).
(E vale abrir mais parênteses: na trilha sonora do filme Greenberg, de Noah Baumbach, Murphy provou que sabe reproduzir direitinho uma sonoridade associada aos anos 70. Mas essa não é a onda do LCD)
Dito isso (e que longa introdução, hem?), This is happening me parece um disco muito coerente com o passado de Murphy. Se Sound of silver já soava como uma colagem musical e sentimental, o novo repete o formato e, ao mesmo tempo, amplia as ambições dos anteriores. É daquele tipo de sequência que se segura em pé e ainda engrandece o original.
Cada faixa costura pelo menos dois gêneros que não se dariam muito bem: e, ainda assim, não soam truncadas. You wanted a hit começa como um electropop adocicado, se transforma num dance-funk repetitivo e ganha um tom amargo quando Murphy começa a discursar sobre as cobranças da gravadora, dos fãs, dos críticos. No fim, um enxame de barulhinhos eletrônicos toma conta da mixagem. “Você quer um hit. Não fazemos hits”, diz.
Já All I want é uma sanduíche de Blur com Sonic Youth, tomado pela poeira de guitarras distorcidas. I can change é Kraftwerk remixado para um disco da Madonna. A faixa mais direta (e mais curta) é Drunk girls, uma espécie de hino hooligan inconsequente (e descartável). Modelar o caos é uma arte que Murphy domina bem.
Se This is happening é um objeto sonoro indefinido (mas também familiar, estranhamente coeso), as letras trazem de volta o James Murphy inseguro, irônico e autodepreciativo que conhecemos. “Você quer esperteza. Honestamente, eu não sou esperto”, admite, em You wanted a hit. Em All I want, um esboço de love song (e parente próximo de All my friends), ele faz a declaração de amor mais desastrada do planeta: “Tudo que eu quero é que você sinta pena de mim”, implora. “Eu posso mudar, se isso fizer com que você se apaixone por mim”, se arrasta, em I can change.
Se Sound of silver era um disco sobre a idade adulta, o peso do tempo (todos os amigos ficaram para trás, alguns morreram e até Nova York provoca tristeza), This is happening, sem um tema central, deixa a sensação de desconforto com o showbusiness e com a necessidade de cumprir expectativas, de fazer o trabalho.
Murphy já anunciou que este será o último disco do LCD Soundsystem. Soa mesmo como uma despedida. O argumento está completo, fechado. Entendemos o recado. Em três discos, ele escreveu um roteiro para a música que ama: emotiva e cerebral, dançante, inventiva, surpreendente. Está tudo aqui. This is happening não soa tão preciso ou forte quanto Sound of silver (e não me vejo ouvindo Pow Pow muitas vezes). Mas não faltam ao álbum a franqueza (quase constrangedora) e a paixão (à flor da pele) de um fã que, por acaso, virou ídolo.
Parece até um disco que sintetiza nossos desejos musicais. E que poderia ter sido escrito por você, por mim, por gente comum e banal que se emociona com a coleção empoeirada de discos. É claro que não poderia. Mas a graça está nessa ilusão.
Terceiro disco do LCD Soundsystem. Nove faixas, com produção de The DFA. Lançamento DFA Records. Ouça o disco na íntegra aqui. 8/10
Mixtape! | O melhor de março
Como diria B.B. King, a mixtape de março é for the ladies. Uma jukebox muito fina, ocasionalmente delicada (e fofa, em alguns trechos). Sei que esta afirmação pode parecer muito arrogante, mas não sou de guardar segredos: é a melhor coletânea amadora de todos os tempos.
Vocês não acreditam em mim, não é? Então aguardem.
O meu disco favorito de março é, aliás, de uma dama muito fina e valentona: o triplo (triplo? Triplo!) Have one on me, de Joanna Newsom. Mas, como a moça já apareceu na coletânea do mês passado, ela cede lugar ao sujeito estranho da foto acima: Dan Snaith, Mr. Caribou, é o autor do segundo grande disco de março: o flutuante Swim, que (lá vai outro segredo!) já entrou na minha lista dos 10 de 2010. Não sou o único fã: os bróderes doFranz Ferdinand rodou quatro faixas do disco antes do show que fizeram aqui em Brasília. E neles vocês confiam, não é? Pois é.
Mas vamos logo à melhor mixtape amadora de todos os tempos, ok? Reconheço que essas águas de março são até calorosas. Eu estava ouvindo as coletâneas dos meses anteriores e notei que são todas um tanto deprês, coisinhas tristes (mas muito bonitas, é claro). Resolvi juntar algumas músicas que não estragassem o nosso dia – e que, nos momentos mais elétricos, servissem para adeptos de bicicletas ergométricas e outros aparelhos de ginástica.
Foi com esse espírito saúde-é-o-que-interessa que comecei a definir as faixas. Mas aí percebi que, nas minhas mixtapes, tristeza é acorde maior. Essa minha tão típica indecisão resultou num CD em três movimentos: ele começa bem sacolejante, se embrenha numas guitarradas ruidosas e termina feito sussurro. Importante: soa escancaradamente agradável do início ao fim. Tem o lamento (muito tocante) de Rufus Wainwright, os adoráveis bebuns do LCD Soundsystem e do Drive-By Truckers, além de MGMT, Gorillaz, Lightspeed Champion, jj (com uma homenagem arrepiante ao Lil Wayne e ao The Game), She & Him…
Para manter uma certa discrição, a lista de músicas está ali na caixa de comentários (espero que os arquivos durem um pouco mais do que os anteriores). Sugiro que vocês ouçam o CD na ordem que eu defini. Garanto que desse jeito (e apenas desse jeito) ele fazer sentido.
Faça o download da mixtape de março aqui (ou, se preferir, aqui).
The afterlife | YACHT
Neste clipe molhadinho, o YACHT mostra que o ramo dos batizados é um mundo à parte: estou começando a gostar dessa ideia de usar uma pequena piscina de plástico para receber a graça divina. Ok. Ha-ha. Mas, olha só: mesmo se você não achar graça na piada do diretor Judah Sqitzer, vale ouvir a música mais bacana que esta dupla de Portland (apadrinhada pelo LCD Soundsystem) já gravou. Amém.