Lars von Trier
2 ou 3 parágrafos | Melancolia
Há os filmes muito ambiciosos, cheios de ideias e intenções: os superfilmes. Mas penso que às vezes nós, os espectadores mais esperançosos, nos esforçamos demais para encontrar num longa-metragem as reflexões urgentes e panorâmicas sobre grandes coisas – quando não sobre todas as coisas. Queremos que a fita de ação norte-americana nos diga algo importante sobre o governo Bush (e ela diz, se prestarmos atenção), enquanto que o drama sérvio pode ser que aponte para a crise de identidades no capitalismo globalizado. E, nessa ânsia de querer sempre muito assunto, talvez percamos de vista os filmes em si. Nos jornais, leio que Melancolia fala sobre o “mal-estar do mundo”. Talvez fale mesmo (Lars von Trier não é um cineasta de gestos pequenos). Só que prefiro encará-lo como um filme, me perdoem, menor. Não sei se pode. Pode?
Menor no sentido de que, na minha interpretação, ele não quer abarcar todas as crises do planeta (ou do século 21) dentro de suas 2h20 de duração. Não o vejo como um filme sobre o “mal-estar do mundo”, mas sobre um mal-estar específico, possivelmente sobre um estado de espírito: a depressão, o vírus da melancolia, o desencanto sem fundo (chame como preferir). A personagem principal é uma noiva deprimida (Kirsten Dunst, que ganhou Cannes), que vai congelando lentamente. O contraponto a essa mulher-estátua é a irmã da noiva (Charlotte Gainsbourg, que rouba a cena), sempre muito ativa, preocupada com todos os problemas. Trier opõe as personagens da forma distanciada e simétrica como costuma fazer, e nisso o filme lembra um pouco a estrutura de Dogville: tudo nos devidos lugares, quase didaticamente (as cenas iniciais, aliás, resumem a trama num slow-motion rococó).
Não é um filme para ser amado, acho (a primeira metade, que reprisa a ironia cruel e blasé de Festa de família, chega a ser tediosa). No entanto, ele cumpre um objetivo até “pequeno” de uma forma muito rigorosa: contamina a narrativa com a desilusão da protagonista, com essa desconfortável insensibilidade, e usa a premissa bombástica (à la disaster movie, na linha de Impacto profundo) como uma espécie de metáfora/hipérbole para a lente cinzenta que afeta o olhar de quem é atingido por esse apocalipse íntimo. Trier escreveu Anticristo enquanto estava abatido por uma depressão. O longa novo soa como o “day-after” dessa crise pessoal: imagens que remetem, agora “de longe”, a uma condição psicológica. Nesse sentido aí, me parece um filmezinho extraordinário. Mas que, pra mim, não quer explicar grande coisa alguma.
IRM | Charlotte Gainsbourg
Na segunda semana de fevereiro, a Liga dos Blogues Cinematográficos escolheu os melhores do ano. Uma votação acirradíssima, vocês sabem. E não é que, com o aval de 12 blogueiros (num total de 44), o prêmio de melhor atriz ficou com Charlotte Gainsbourg, por Anticristo? Eu discordo. De verdade. Há atuações mais interessantes. Tenho certeza de que existe uma intérprete extraordinária escondida numa pequena produção norueguesa que ninguém viu. Mas admito: votei nela.
Ela venceu Cannes e, se criassem um troféu para a melhor cantora indie francesa de 2010, provavelmente a filhinha do papai Serge e da mamãe Jane Birkin embolsaria o souvenir. Eu também discordaria. Charlotte nunca se destacou pelo virtuosismo do canto, por exemplo. E, nos discos que gravou até agora, não chegou a definir um estilo: sempre permitiu que produtores e amigos compositores a transformassem naquilo que bem entendessem. Mas confesso: se ela a pegasse cantarolando a Marselhesa numa estação de metrô de Paris, eu pararia para olhar. E ficaria olhando.
Charlotte não atua, não canta e parece eternamente perdida (e às vezes entediada) na floresta do rock. É isso. E, se é isso, o que ela tem? Por que os prêmios? Por que tantos amigos famosos? Por que ela provoca uma espécie de atração magnética sobre sujeitos como eu, que racionalmente não vêem nada de extraordinário nela?
Depois de muito ouvir o disco mais recente dessa musa misteriosa (há outra forma de descrever?), IRM, acho que cheguei a uma conclusão sobre o fenômeno: tanto nas cenas mais grotescas de Anticristo quanto num single-chiclete como Heaven can wait, o que me interessa é a forma como Charlotte expõe uma persona que paira acima de qualquer filme, disco e clipe. Diante dela, fica a impressão de que a mulher real, de carne e sangue, divide o estúdio (ou a tela) com a personagem.
E, na música pop e no cinema, existe algo muito fascinante no ato de coragem daqueles que aceitam confundir vida e arte. No rock, acredito até que a separação total entre as duas coisas me provoca um tanto de tédio. Outro dia me peguei ouvindo uma música do Skank e perguntando: quem é Samuel Rosa? O que ele pensa? O que ele sente? Ele está triste ou feliz? Passei minha vida inteira ouvindo Skank e ainda não sei nada disso. Daí uma questão mais importante: por que cobro esse tipo de cumplicidade e franqueza de artistas pop?
No caso de Charlotte, nem é preciso exigir nada. Ela está entregue. Está na nossa mão. IRM (um título inspirado no som dos aparelhos médicos de ressonância) soa como o equivalente musical para Anticristo: o momento em que, depois de uma tragédia pessoal, tenta-se entender a dimensão do trauma. Para Lars Von Trier, o monstro veio na pele de uma crise depressiva. Já Charlotte sofreu uma cirurgia no cérebro como conseqüência de um acidente de ski. A aproximação com a morte é o tema predominante de IRM.
De alguma forma, a urgência de gravar essas canções (como quem escreve telegramas para amigos preocupados) beneficiou a estrutura do disco, mais conciso do que o anterior. Produzido por Nigel Godrich, o álbum 5:55, de 2006, mostrava Charlotte no papel de uma Dona Flor pós-moderna, dividida entre Jarvis Cocker (Pulp) e o Air. O novo é monogâmico: escrito e produzido quase completamente por Beck Hansen (à exceção da fantasmagórica Le chat du café des artistes, de Jean-Pierre Ferland), é um diálogo entre um homem e uma mulher – em tempos sombrios.
Apesar da aparente simplicidade, este me parece o álbum mais diverso e aventureiro que Beck compôs desde Sea change (2002). É uma colaboração, no mínimo, frutífera: Charlotte talvez tenha procurado em Beck uma forma de compreender a influência do pai, Serge, no rock contemporâneo (e aí vale lembrar que o próprio Sea change é, em grande parte, inspirado pelo provocateur francês). Enquanto isso, Beck encontra em Charlotte uma atriz para uma narrativa feminina, com melodias folk e arranjos psicodélicos.
Mesmo cinza e grave (já que o momento de Charlotte não é lá um arco-íris), IRM também soa como o retrato de um encontro feliz entre musa e “cineasta”. Beck escolhe as atmosferas das canções como quem vai desenhando as cenas de um fita surrealista, um sonho dolorido e louco. Charlotte, forte que é, sobrevive a todos os filtros e figurinos – interpreta o script com absoluta convicção. Ela está viva e quente em Vanities, uma balada em tom menor que vai agradar ao público da Feist, mas também em Voyage, que soa como os momentos mais etéreos, românticos e inclassificáveis do Daft Punk. Ele está sempre lá, no comando da câmera. Mas Charlotte é o objeto do close. E nos faz acreditar que sim, ela viveu o drama que narra.
Preciso explicar por que meu voto é (e continua sendo) dela?
Terceiro disco de Charlotte Gainsbourg. 14 faixas, com produção de Beck Hansen. Lançamento Because Music. 8/10
Diário de SP | Superoito na Mostra
Diário da viagem de Tiago Superoito a São Paulo. Em cerca de 20 dias, ele pretende acompanhar a Mostra de SP e, entre uma sessão e outra, ouvir alguns discos.
Os filmes vão em azul. Os discos e shows em vermelho.

5/11
Os famosos e os duendes da morte | Esmir Filho | 6 | Sei que estou em minoria, mas gostei da estreia de Esmir Filho. A ambição de fazer uma espécie de Paranoid Park para fãs de Mallu Magalhães quase nunca se resolve maravilhosamente bem, mas o diretor banca o risco de retratar (com naturalidade e lirismo) uma geração maltratada e/ou desdenhada pelo cinema brasileiro.
Ninguém sabe dos gatos persas | Bahman Ghobadi | 7 | Apesar de não ter me convencido tanto assim nas tentativas de ficção, trata-se de um ótimo, vibrante doc sobre a música underground de Teerã (acredite: no Irã, bandas de indie rock são caso de polícia) .
A ilha de Bergman | Marie Nyreröd | 6 | Documentário televisivo (com jeitão de Biography Channel), mas Bergman é Bergman.
Brilho de uma paixão | Bright star | Jane Campion | 5.5 | Este conto romântico talvez seja o filme mais solene de Campion. Muito bem realizado (e com um elenco excelente), mas engessado por um formato de filme de época preciosista que não me impressiona (ou comove) em nada.
Lebanon | Samuel Moaz | 7 | Um action movie de guerra que me lembrou em alguns momentos The hurt locker (talvez por retratar experiências muito específicas num combate). Mas não dá para esperar complexidade deste aqui: Moaz não apenas confina os personagens dentro de uma máquina como parece simular, na narrativa, o movimento agressivo, violento de um tanque de guerra. Sem sutilezas, portanto, mas muito preciso naquilo que quer mostrar.
Meu top 5 da Mostra:
1. Polícia, adjetivo 2. Vício frenético 3. A família Wolberg 4. Ervas daninhas 5. 35 doses de rum4/11
Samson & Delilah | Warwick Thornton | 5 | Os aborígines também amam (e se estrepam). Eu não me surpreenderia se recebesse uma indicação ao Oscar de filme estrangeiro. Miserê soft.
Maradona | Emir Kusturica | 5 | Um filme sobre o personagem Maradona, que Diego interpreta razoavelmente bem. Kusturica, de quatro, não consegue mais que se deslumbrar com ele. Daria um curta. A Igreja Maradoniana, no entanto, é um achado.
Todos os outros | Alle anderen | Maren Ade | 7 | Todo filme sobre as oscilações de um caso amoroso tem que soar pelo menos um pouco enervante, e este não é diferente. Sentimentos contraditórios, rompantes de ódio, momentos de felicidade e êxtase… As atores levam a ideia a ferro e fogo e resultado é um drama intenso, que exige cumplicidade do público. Demorei a digerir.
Shirin | Abbas Kiarostami | qualquer nota | Mentira, é 6. Uma experiência inclassificável, mas fiquei com a impressão de ter visto um filme tão enigmático quanto matemático (e por isso frio). O conceito é ótimo: Kiarostami filma rostos de atrizes enquanto elas assistem a um filme inspirado numa fábula persa. Essa ideia, por si só, rende inúmeras discussões sobre cinema, representação, o papel do espectador… Todas elas, aposto, mais envolventes que o filme em si.
3/11
O amor segundo B. Schianberg | Beto Brant | 4.5 | Um filme coerente com o projeto que Brant desenvolve desde Crime delicado: a narrativa se abre ao acaso, às experiências de vida dos atores, a referências de outras obras (a peça Navalha na carne e o filme A concepção) e à sensação de improviso. Mas, ao contrário dos longas anteriores dele, esse aposta tudo numa estrutura muito frágil, que dependeria de atores extraordinários (e, mais que isso, interessantes) para se justificar. Não é o caso.
Soul kitchen | Fatih Akin | 7 | Esta comédia não tem nada de nouvelle cousine, e melhor assim: um Akin bem-humorado vale por dezenas de diretores europeus socialmente engajados. Personagens muito vivos, gags de primeira e um herói adorável: taí a receita de um crowd-pleaser improvável.
Making plans for Lena | Non ma Fille, tu n’iras pas Danser | Christophe Honoré | 5.5 | Nada é estável (ou verdadeiramente confortável) na família de Honoré. O francês tem bom olho para a crise doméstica, mas este drama choroso está mais para Lelouch que para Truffaut. Ajudaria se Lena não fosse uma chata de galochas – e aí não há Antony and the Johnsons que nos convença das fragilidades da protagonista.
2/11
Ontem este blog completou dois anos de vida (curiosamente, num dia de Finados). Parabéns pra ele.
Viajo porque preciso, volto porque te amo | Marcelo Gomes e Karim Aïnouz | 6 | O documentário atropela a ficção, mas também patina em lugares-comuns (a trilha sonora brega, as cenas com prostitutas). Ainda assim, um diário de viagem com trechos muito bonitos.
London River | Rachid Bouchareb | 5 | De novo, o blablabla sobre intolerância, diferenças culturais e solidariedade numa Europa pós-11 de setembro. Brenda Blethyn imitando um jumento é um dos momentos-vergonha-alheia da Mostra.
Alga doce | Tatarak | Andrzej Wajda | 7 | Um drama clássico dentro de um filme moderno. Wajda deixa que a realidade rasgue a ficção de uma forma tão violenta que a tristeza das últimas cenas fica quase insuportável.
I love you Phillip Morris | Glenn Ficarra e John Requa | 5 | Tá na cara: os diretores se impressionaram tanto com a história real do trapaceiro gay que esqueceram de fazer cinema. Tosco, ainda que mais sacana que a média (em 2009 já é permitido fazer piada com AIDS?).
1/11
off-Mostra
500 dias com ela | 500 days of summer | Marc Webb | 5.5 | Tem momentos simpáticos (e é bacana notar que a “moral da história” tem mais a ver com os poderes da autoestima que com a ladainha do amor eterno), mas a love story indie soa como decalque ralo de Nick Hornby.
This is it | Kenny Ortega | 5 | Celebração além-túmulo – um tanto mórbida, portanto. Mas, além de valer como registro, o trabalho de edição é primoroso: Ortega quase me fez acreditar que, pouquíssimo tempo antes de morrer, Michael Jackson se portava como um touro no palco. Poderes do cinema.
31/10
Dente canino | Kynodontas/Dogtooth | Yorgos Lanthimos | 4.5 | A ideia é interessante, mas o modo impassível como Lanthimos trata os personagens (são cobaias de uma encenação) vai fazer você repensar Anticristo.
30/10
O filho do caçador de águias | The eagle hunter’s son | René Bo Hansen | 4.5 | Exotismo pueril. Poderia estar na grade do Discovery Kids.
>> A família Wolberg | La famille Wolberg | Axelle Ropert | 8 | Provoca as emoções de um velho disco arranhado de soul music. Melancolia aveludada. Um dos melhores da Mostra (e, assim que chegam os créditos finais, já dá vontade de rever).
Quase Elvis | Almost Elvis/Karaokekungen | Petra Revenue | 4 | Humor desafinado, premissa bocó.
O fantástico Sr. Raposo | Fantastic Mr. Fox | Wes Anderson | 7 | Anderson pode até não ter encontrado uma forma de se livrar da camisa de força criativa onde está metido (o longa anterior dele já soava redundante), mas é um dos filmes mais fluentes que já dirigiu. Uma animação para crianças de muito bom gosto, digamos assim. E qualquer filme que abre com Heroes and villains merece minha consideração.
29/10
Seguindo em frente | Still walking | Hirokazu Kore-eda | 6 | Com meia hora a menos e sem algumas das frases-de-biscoito-chinês (tipo “os amigos que morrem nunca nos abandonam verdadeiramente”), acho até que o Kore-eda conseguiria ter feito mais que uma delicada crônica familiar. 35 doses de rum é uma homenagem menos óbvia a Ozu.
O solista | The soloist | Joe Wright | 5.5 | Wright tenta dar alguma dignidade ao bromance piegas. Jamie Foxx interpreta um carro alegórico (e muito provavelmente será recompensado pela proeza com uma indicação ao Oscar).
Insolação | Felipe Hirsch e Daniela Thomas | 5 | Hirsch é um dos poucos que me tiram de casa para ir ao teatro, daí o tamanho da decepção. Um cinepoema desapaixonado sobre o amor. Era essa a intenção? Mas ok: sem a tentativa de ficção (que pelamordedeus…), daria um documentário até bem razoável sobre a arquitetura de Brasília. O próximo filme dele será melhor que este.
28/10
Como ser Mr. Kotschie | Mensch Kotschie | Norbert Baumgarten | 5 | O cidadão-alemão-modelo, certinho, polido e bem casado, chega aos 50 anos de idade e esbarra numa crise existencial que… certeza de que não tem o dedo do Alexander Payne nisso aí? Alan Ball?
Singularidades de uma rapariga loura | Manoel de Oliveira | 7 | Um país solto no tempo, a cegueira do amor, uma bela homenagem a Eça de Queiroz. O começo é perfeito, só que… Raramente reclamo disso, mas taí um filme que me incomodou por ser curto demais.
O que resta do tempo | The time that remains | Elia Suleiman | 7.5 | Num tom ainda mais particular que o de Intervenção divina (sem a mesma verve, mas com gags tão ácidas e bizarras quanto), Suleiman olha com perplexidade para a própria história. Encontra uma vida cercada de horror por todos os lados.
Vencer | Vincere | Marco Bellocchio | 6.5 | Um melodrama febril, mas quase soterrado pelo próprio peso (eu não recomendaria uma sessão dupla com A fita branca).
26/10 e 27/10
>> 35 doses de rum | 35 rhums | Claire Denis | 8 | Sensibilidade incomum (e uma trilha sonora de arrepiar).
À procura de Elly | Darbareye Elly | Asghar Farhadi | 5.5 | Melhora um pouco quando um personagem-surpresa entra em cena, mas este thriller iraniano (com um subtexto político, como de praxe) não escapa muito do trivial.
Abraços partidos | Los abrazos rotos | Pedro Almodóvar | 7 | Quase uma sequência de A má educação: acerto de contas com o cinema. Há cenas extraordinárias (como aquela em que o cineasta cego tenta sentir as imagens tocando o monitor da televisão) e momentos em que o diretor parece ter ativado o piloto automático (toda a sequência final, do filme-dentro-do-filme). Ainda assim, Almodóvar vai do melodrama à esculhambação com aquela naturalidade que conhecemos bem.
Tyson | James Toback | 6 | Autorretrato franco (mas dirigido sem a menor inspiração).
Tokyo! | Michel Gondry, Leos Carax e Bong Joon-ho | 5, 7, 6.5 | Carax destoa do tom preciosista, à Amélie Poulain, dos episódios de Gondry e Joon-ho. De qualquer forma, eu não me incomodaria se o filme do Joon-ho tivesse 135 minutos de duração.
Independencia | Raya Martin | 7 | Vida e morte numa floresta impressionista.
>> Vício frenético | Bad lieutenant: port of call New Orleans | Werner Herzog | 8 | Harvey Keitel ainda reina, mas Nicolas Cage sua a camisa (e está tão bem quanto em Despedida em Las Vegas e A outra face). Mas as comparações com o filme de Abel Ferrara são inadequadas: Herzog desloca a trama para New Orleans, lima as crises religiosas, reforça o humor negro (o que são aquelas iguanas psicodélicas?) e vê a América contemporânea pela lente do absurdo. Um outro tempo, um outro filme – e tão poderoso quanto o original.
24/10 e 25/10
Distante nós vamos | Away we go | Sam Mendes | 5 | Mendes tenta se livrar da pompa, mas tudo o que consegue é um road movie fofo e fake. A trilha sonora, que dilui Nick Drake de 1001 maneiras, soa apropriada.
>> Polícia, adjetivo | Politist, adjectiv | Corneliu Porumboiu | 8 | Porumboiu sai à procura das palavras e imagens exatas. O melhor romeno que vi.
Mother | Madeo | Bong Joon-ho | 7 | Outro que sabota elegantemente as regras do “filme policial”. Joon-ho é um talento e a cena final, belíssima. Uma ressalva, no entanto: sei que isto não vai incomodar quase ninguém, mas a estrategia que ele encontra para resolver o mistério central da trama me pareceu uma solução fácil demais.
Sedução | An education | Lone Scherfig | 4.5 | Cumpre rigorosamente as exigências do Oscar: ameno, inofensivo, agradável e, por fim, vazio.
Aconteceu em Woodstock | Taking Woodstock | Ang Lee | 5.5 | O tom sugere uma crônica, mas a aparência é de charge em tom pastel. Raso em absolutamente tudo (e não melhora o livro, que é uma bobagem).
23/10
Ricky | François Ozon | 7.5 | Fantasia (na real).
A mulher do anarquista | Marie Noëlle e Peter Sehr | 3.5 | Uma minissérie escrita por Maria Adelaide Amaral. E dirigida por Jayme Monjardim.
>> Ervas daninhas | Alain Resnais | 8 | É uma heresia escrever apressadamente sobre este filme, mas adianto que o novo Resnais revê o tom afetuoso e elegante de longas como Medos privados em lugares públicos e Amores parisienses, mas, simultanemente, quebra nossas expectativas com uma narrativa livre, enigmática e bem-humorada, que me lembrou alguns filmes dirigidos por ele nos anos 80 (A vida é um romance, Amor à morte). Talvez não seja um grande Resnais (pode ser uma obra de transição, e espero que seja), mas é o filme mais aventureiro dele desde Quero ir pra casa.
A fita branca | Michael Haneke | 6 | Rigoroso e pedante (como esperávamos de Haneke), mas me parece um retrocesso em relação a Caché. O típico “filme de arte” que enche os olhos de jurados de festivais. É um deleite visual, e um drama mais bergmaniano que qualquer Bergman (imagine aí o sueco filmando o roteiro de Dogville). Mas a parábola sobre o nascimento do nazismo soa frágil (já que toda sustentada em relações de causa-efeito e didatismo sociológico) e Haneke insiste em carregar cada cena com um peso de auto-importância que entendo como excessivo. Não é muito a minha praia, mas vai ter gente defendendo com entusiasmo.
Sede de sangue | Park Chan-wook | 6.5 | No humor ou no horror, não tem estribeiras – o que, para um filme de vampiros, vejo como uma qualidade. Mas não sabe quando ou como acabar.
22/10
(…)
21/10
Novidades no amor | The rebound | Bart Freundlich | 4.5 | Nenhuma novidade (mas taí: nunca vi tanta criança vomitando dentro de uma comédia romântica).
Unmap | Volcano Choir | 6.5 | Soa menos como um novo projeto de Bon Iver e mais como uma participação dele num álbum do Collection of Colonies of Bees. Dito isso, o “convidado especial” faz com que prestemos atenção à arte sutil de uma boa banda de pós-rock, do tipo raro que cria atmosferas à serviço de melodias.
20/10
À procura de Eric | Looking for Eric | Ken Loach | 6.5 | Um Loach mais fluente que o de Ventos da liberdade (e menos efêmero que o de Apenas um beijo). Pode ser visto como uma comédia leve, um feelgood movie (e, com uma boa campanha, poderia entrar facilmente na lista dos indicados ao Oscar), mas também como um conto urbano muito coerente com antigas preocupações do cineasta, ainda um working class hero. Faz algumas jogadas ensaiadas (o roteiro de Paul Laverty é golpe baixo), mas não perde a doçura. A interpretação de Steve Evets, o carteiro que “conversa” com o ídolo de futebol, é das melhores do ano.
Quanto dura o amor? | Roberto Moreira | 4 | O filme felizmente dura 83 minutos (na maior parte da sessão, não consegui tirar da cabeça aquela canção do Blur que vai mais ou menos assim: They’re stereotypes/There must be more to life).
O caçador | Chaser/Chugyeogja | Na Hong-jin | 6 | A trama é literatura pulp tratada a ferro e fogo (talvez isso explique as comparações, nem sempre justas, com Park Chan-wook e Bong Joon-ho). Mas o cineasta não tem pulso, pilota no automático – daí a flacidez da narrativa.
19/10
Anticristo | Lars von Trier | 7 | O pesadelo de Trier talvez seja mesmo controlado demais (qualquer delírio de David Lynch soa mais caloroso), mas não consigo desprezar um filme tão obcecado por imagens de culpa, dor e luto. Tenho que ser franco: tirando um ou outro momento mais desajeitado (o diretor trata o gênero horror com tanto estranhamento que o efeito fica até interessante), Trier conseguiu me perturbar com este pesseio na floresta. Um detalhe curioso: quase todas as resenhas que li reclamam do prólogo (slow-motion em p&b aparentemente virou crime), por isso só posso supor que quase ninguém tenha visto O espelho, do Tarkóvski. Vejam. É um dos meus favoritos. E, ainda que não do modo mais óbvio, tem muito a ver com este Anticristo.
Bonfires on the heath | The Clientele | 7.5 | O Clientele é daquelas bandas que não fazem estardalhaço e que, por isso, sempre correm o risco de serem subestimadas. O novo disco deles é quase tão bom quanto Strange geometry (e quem conhece aquele álbum entendeu o peso do meu elogio) e prova que o grupo não vai descansar enquanto não encontrar a canção irretocável, uma criação capaz de cristalizar toda a tradição do pop barroco britânico (repare nos sopros à mariachi, discretos e precisos). A jornada do Clientele é às vezes enervante (e a polidez ainda incomoda), mas quase sempre rende melodias elegantes – e, nos melhores momentos, também emocionantes, como a faixa-título e I know I will see your face.
New moon – Original motion picture soundtrack | Vários | 6 | Daria um ótimo EP, com Thom Yorke (e Hearing damage não é lá extraordinária), Grizzly Bear (Slow life), Bon Iver & St. Vincent (Rosyln) e Death Cab for Cutie (Meet me on the Equinox). Nada muito diferente de um dos CDs do The O.C. (os indies vão aos teens), mas poderia ter sido pior.