Kanye West

Mixtape! | Agosto, die young

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A mixtape de agosto, que agora vocês têm em mãos, me tomou de surpresa. Primeiro porque ela soa mais coesa (e intrigante!) do que eu previa. E, em segundo lugar, por um motivo que só descobri depois de ter ouvido o CDzinho pela terceira vez: ele se tornou muito mais cinzento do que a coletânea que eu planejei.

Acidentes acontecem, pois bem. E esta mixtape, oh sim, aqui me parece um belo acidente.

Logo depois que gravei o CD, me decepcionei um pouco com o resultado: parecia disforme, desajeitado. Depois percebi que ele fazia todo sentido. E exclamei, aqui comigo: “Uau! Ficou incrível!”. Hoje, neste último dia de agosto, estou certo de que é a melhor mixtape que apresentei neste nobre espaço on-line.

Mas essa é apenas a minha opinião, ok? Vocês têm todo o direito de xingar muito na caixa de comentários, é claro.

Deixe-me explicar o processo: esta mixtape começou como uma coletânea de hip-hop/R&B, e foi se transformando em algo totalmente diferente. Noto que existe uma camada de tristeza, talvez mal estar, ao redor destas canções. Não é uma mixtape eufórica como a de julho, e não funciona muito bem em academias de ginástica.

Acho até que, se vocês prestarem atenção, o disquinho contará a historinha de um amor violento que deu terrivelmente errado. E tem outra coisa: durante o mês, me peguei conversando muito (com minha família, amigos) sobre o medo que as pessoas têm de envelhecer, e sobre como às vezes se tenta prolongar a juventude (sem sucesso, obviamente). Talvez o disco seja um pouco sobre isso (e, por coincidência, tem uma música chamada Die young).

Sem mais divagações, então: este CD contém faixas de Richmond Fontaine, The Weeknd, Girls, Stephen Malkmus & Jicks, Kanye West & Jay-Z, Cities Aviv, Ford and Lopatin, EMA e Gillian Welch (para o Guilherme Semionato, que às vezes visita este blog). O melhor está no fim: a foto acima, portanto, é do Moonface.

A lista de músicas está na caixa de comentários.

Há duas formas de ouvir o CD: aqui no blog e fazendo o download. Eu sugiro a primeira opção (com músicas editadas e lustradinhas), mas a segunda é sempre muito válida (eu mesmo prefiro ouvir essas mixtapes enquanto caminho por aí). Espero que vocês gostem, e, se possível, deixem comentários.

Faça o download da mixtape de agosto

Ou ouça aqui:

Vídeos do VodPod não estão mais disponíveis.

Superoito express (42)

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Watch the throne | Jay-Z & Kanye West | 72

Parece que há algo muito errado, até defeituoso, quando os dois rappers mais poderosos do mundo se encontram para gravar um disco de 46 minutos de duração. Sabemos que, no hip-hop americano, o excesso faz parte do jogo (e não será difícil encontrar mixtapes com mais ideias que um álbum quádruplo de rock). Mas taí a surpresa de Watch the throne: é conciso, e não tão desconjuntado quanto prometia ser.

E, mais chocante que tudo isso, nem tão ambicioso quanto alguns de nós prevíamos. É como se Kanye West (de My beautiful dark twisted fantasy, 68 minutos) e Jay-Z (de The blueprint 3, 60 minutos) aproveitassem a ocasião para nos mostrar que nem sempre são os chefões controladores e obsessivos que dão a entender. Às vezes eles se divertem. E Watch the throne soa mais como feriado (é leve, até rasteiro em alguns momentos, sem tantos desafios para a dupla) que como um dia pesado de trabalho.

Pode soar decepcionante, para quem esperava um “statement” sonoro (como o primeiro The blueprint) ou uma epopeia sentimental (à altura de My beautiful dark twisted fantasy). Watch the throne é menos, bem menos – e nem consigo notar momentos verdadeiramente delirantes ou surpreendentes (ainda uma ou outra faixa brilhe com força: New Day, que relê Nina Simone via autotune, e That’s my bitch, com um Bon Iver irreconhecível). Noto o contrário: Kanye e Jay-Z se divertindo dentro da zona de conforto que criaram para eles.

E, se eu deveria sim ter me animado mais com essa ideia (um bom disco de Kanye ou de Jay-Z supera quase tudo o que se ouve nas rádios), o resultado me parece uma “victory lap” esquecível. Eles podem, eles fazem, mas este disquinho deixa um pouco de saudade dos discões que eles às vezes nos entregam – sim, os de 60 minutos.

Channel pressure | Ford & Lopatin | 79

Se Channel pressure é mesmo um tributo à poplândia dos anos 80, então o que vejo é Tron meets War games: o game da paranoia, como se o Muro de Berlim ainda estivesse de pé (e como se ainda estivéssemos todos esperando pela explosão nuclear e/ou pelo desembarque dos ETs de Spielberg). Mas tem bug neste sistema: aos poucos, o disco desta dupla americana se revela não somente uma festa retrô para trintões, mas um daqueles álbuns irônicos de electropop, nos moldes de Discovery (do Daft Punk) e United (do Phoenix), que usam a sucata nostálgica como material para uma criação que diz respeito ao tempo presente. Poucos discos soam tão atuais: principalmente no jeito despreocupado como flutua de estação em estação, dos excessos grotescos ao acorde mais singelo, quase brega (e Emergency room, acima disso tudo, é uma das músicas mais viciantes do ano). Modular o passado com uma aparelhagem toda nova: eis o desafio deste belo joguinho.

Instrumental mixtape | Clams Casino | 78

Clams Casino é o produtor de Nova Jersey que, dizem, cria no porão da mamãe a sonzeira oh-tão-sexy de rappers como Lil B, Soulja Boy e Mobb Deep. Esta mixtape instrumental, que ele distribui na web, mostra que o palavreado dos colegas às vezes atrapalham a arte do sujeito. De tal forma que ninguém vai sentir falta de vocais em faixas que nos surpreendem de 30 em 30 segundos e, por isso, nos entretém (aliás, é uma marca do estilo de Clams: bolar associações improváveis entre ritmos e gêneros, do rock progressivo à soul music setentista). It’s a keeper. Mas acho que seria interessante descobrir como ele se viraria num disco concebido para não ser acompanhado por vocais: aí sim, provavelmente estaríamos falando de um dos grandes álbuns do ano.

Electronic dream | araabMusik | 78

Se a mixtape de Clams Casino às vezes soa sortida como uma jukebox, a estreia do produtor Abraham Orellana (ou araabMuzik) impressiona por uma atmosfera de quase claustrofobia: quando paro de ouvir o disco, ainda fico com a imagem de um quarto pequeno e negro, fuzilado de minuto a minuto por flashes de estrobo. Tal como nos discos do The-Dream, o que temos é um produtor tentando agressivamente impor um estilo: que, apesar de não ser tão marcante ou original quanto ele acredita que é, cria uma tela específica, com limites muito bem definidos, e um temperamento que se reconhece de imediato. Para um primeiro disco, é de uma coesão incrível. Ainda acho, no entanto, que araabMusik criou uma mise-en-scene poderosa, mas à procura de um bom elenco de canções — poucas, acima de tudo Streetz tonight, ficam na minha memória quando a festa termina.

Bon Iver | Bon Iver

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Mais do que melodia, estilo e poesia, música pop também é uma arte da fabulação. Uma canção quase nunca é apenas o que se ouve, não é simplesmente o acúmulo de acordes, harmonia e voz. Ela faz parte de uma narrativa complexa (e às vezes muito longa) sobre a criação de heróis, mitos.

Acontece assim desde o começo (e isso que digo é até bem óbvio). Desde Elvis Presley, de Lennon & McCartney, de Mick Jagger e Johnny Rotten, de David Bowie e Neil Young, de Ian Curtis e Madonna. Quando bate o ouvido numa música de Kurt Cobain, por exemplo, a tendência do fã é associar aquele “capítulo” a uma história maior, que parece seguir indefinidamente. Como se cada canção abrisse uma nova trilha de acesso à persona do ídolo.

Era assim quando eu ouvia os primeiros discos do Radiohead. Eu imaginava Thom Yorke como um sujeito arredio e de saúde frágil, extremamente inteligente porém incapaz de se adequar ao mundo. Um band leader que se adoentava a cada sopro de vento um pouco mais frio. Já Prince me parecia um vampiro moderno, sexy porém condenado a viver na solidão de uma mansão dourada. Não sei ainda, sinceramente, o que pensar de Frank Black: mas ele sempre aparentou ser um sujeito meio doentio, dado a surtos.

O fã mais imaginativo cria histórias que os aproximem do artista. Já o artista, num caminho paralelo, também vai construindo um personagem que se torna mais profundo e contraditório (mais crível, digamos) a cada música, a cada disco. Há os músicos mais instintivos, que vão definindo essa identidade como que naturalmente. E há os que maquinam cada transformação, cada performance, que confudem conscientemente a própria vida com a imagem divulgada na mídia, multiplicada nos palcos, ampliada e retorcida.

É engraçado, por isso, como a história do pop pode ser lida como um grande romance à moda de Tolstoi, com centenas de personagens metidos em tramas enormes, folhetinescas. O mocinho e o bandido, a donzela e a mulher independente, os sentimentais e os brutos. Personagens ricos, até imprevisíveis, que parecem cumprir arcos narrativos muito bem definidos. A história de Michael Jackson, para ficarmos no exemplo mais épico, renderia um filme extraordinário.

Se pensarmos o pop como um livro de mil páginas e os artistas como personagens permeáveis (criados por eles próprios, mas também por cada “leitor”), a história de Justin Vernon pode parecer um exemplo arredondado, perfeitinho, de como a música se beneficia de um contexto “ficcional”, de uma narrativa lúdica que paira em torno dos sons que aparecem nos discos. Porque a história de Vernon, queira ou não, é uma bela de uma fábula.

O disco que iniciou a saga, For Emma, forever ago (2008) pode ser encarado de uma forma relativamente simples: Vernon, que então assumiu o codinome Bon Iver, parecia cobrar um lugar entre os songwriters melancólicos, cabisbaixos, na tradição de Tim Buckley e Nick Drake. Mas, simultaneamente, trabalhava com camadas cíclicas e enevoadas de efeitos sonoros que pareciam remeter a bandas um tanto mais experimentais, como Animal Collective e Deerhunter.

Era possível gostar de Vernon apenas por esse estilo, que soava ao mesmo tempo convencional (visitava o fim dos anos 60, início dos 70; e não parecia nada novo) e up-to-date (já que testava um folk atmosférico, misterioso, que ainda se tornou muito querido no indie rock). Mas, quando se conhecia a história de For Emma, forever ago, era possível amar Vernon. E tratá-lo como um personagem, um ser da música pop.

O disco, dizem, foi gravado num período de isolamento do cantor, que abandonou uma banda não muito bem sucedida e se isolou num chalé abandonado, onde registrou canções absolutamente pessoais (e sofridas) sobre amor e dor. Soa como um CD talhado a machadadas. E talvez seja isso mesmo. Hoje se sabe que a maior parte das músicas estava escrita antes da viagem à casinha da montanha. E que a sensação de isolamento e angústia que as canções evocam talvez sejam apenas uma (excelente, diga-se) obra de ficção.

No entanto, quem se importa? Conhecer todos os detalhes sobre a gravação de um disco como esse (envolto numa história tão fascinante) seria como passar um tempo na companhia de Thom Yorke e, em seguida, ouvir Kid A. Aposto que o personagem do vocalista perderia um pouco do encanto que desperta em nós.

O desafio do disco novo de Bon Iver é, portanto, apresentar uma nova aventura para um herói que, desde o lançamento de For Emma, se transformou numa espécie de coadjuvante pau-pra-toda-obra. A voz de Vernon parecia tão especial (e as harmonias, tão memoráveis e curtas, por isso “sampleáveis”), que o cantor foi convidado para participar de uma série de projetos. Topou quase todos – entre eles, o mais recente de Kanye West.

Fico me perguntando: o que se espera de um disco novo de Bon Iver? Descobri que, particularmente, eu não esperava nada. Na verdade, não queria nem mesmo um disco. Porque, na minha cabeça, a história daquele personagem já estava contada. For Emma me parece um álbum completo, com início, meio e fim. É claro que, no capítulo final, bate uma curiosidade sobre o que teria acontecido ao homem das cavernas: mas talvez não seria tão atraente ouvir um disco inteiro sobre um tipo outsider que consegue fama, reconhecimento, fãs e sai para jantar com rappers e roqueiros. Parece um tanto banal (ainda que, no caso de Vernon, a realidade possivelmente seja bem essa).

Esqueçamos a realidade, portanto. O disco novo de Bon Iver segue o personagem de For Emma numa lenta trajetória de reconhecimento do mundo: como se aquele tipo ferido, introspectivo, resolvesse seguir lentamente para fora. É, antes de qualquer coisa, mais um belo exercício de ficção: Vernon dá conta de empurrar os limites de um universo (criado a partir de impressões pessoais, é claro, já que estamos no ar rural/doméstico de Wisconsin, cidade natal do músico) sem trair o perfil psicológico do personagem. “Não estou mais vivendo na escuridão”, ele conclui, na última faixa do disco.

É uma espécie de happy end. O interessante é como Vernon não transforma um disco de libertação e celebração (afinal, profissionalmente o músico nunca esteve mais feliz) numa corrida-da-vitória, num oba-oba sem propósito. Pelo contrário: apesar de estar acompanhado de músicos muito talentosos (entre eles, o guitarrista Greg Leisz, que trabalhou com Lucinda Williams, e os saxofones de Colin Stetson, do Árcade Fire), o compositor segura as rédeas de uma mise-en-scene até muito concisa, apesar de todas as mudanças sutis de climas e tons que aparecem entre uma música e outra.

Se For Emma era um drama sobre alienação e lembranças, Bon Iver soa como uma aventura mais serena, em que as memórias (ainda muito fragmentadas; é quase impossível decifrar as letras) se deixam contaminar pelas paisagens de cidades, por espaços abertos, fluem num leito muito largo. O movimento para frente se torna enfim possível, mas o terreno parece tão amplo que o personagem dá passos curtos. Vai seguindo pouco a pouco.

Cada canção olha para uma paragem diferente, das guitarras repetitivas e densas de Perth aos ar quase kitsch dos sintetizadores de Beth/Rest. Um momento especialmente deslumbrante é Hinnom, TX, quando Vernon parece cantar num bosque de maravilhas: a voz ecoando alta, grave, em meio a estalos ora estranhos, ora muito agradáveis e gentis. Ouvir o disco mais de três, quatro vezes pode mostrar que ele se aventura mais do que imaginávamos nas primeiras audições.

O que me agrada, acima de tudo, é como Vernon banca a missão de criar um disco que dá continuidade ao anterior, que vai modelando uma persona, uma identidade, uma narrativa própria. É a juventude de um personagem. É possível dizer que, como o herói deste disco, Bon Iver escolhe mapear com cautela, mas sem preguiça ou covardia, o chão onde pisa. Criou um capítulo talvez mais controlado e sóbrio do que esperávamos, mas tão gracioso quanto selvagem – e seguro de si. Quando termina, nos deixa com vontade de ouvir mais.

Segundo disco de Bon Iver. 10 faixas, com produção de Justin Vernon. Lançamento Jagjaguwar Records. 8/10

Os melhores discos de 2010 (10-1)

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Vamos ao top 10?

Não necessariamente os 10 Melhores Discos de 2010 (admito que o título do post ficou um pouco blasé: é pra chamar atenção no Google), mas aqueles que provocaram reações felizes neste blog e, simplificando de vez a metodologia, fizeram de 2010 um ano um pouco menos frustrante para o blogueiro que escreve estes posts confusos. Um sujeito que acha que entende sobre alguma coisa e que, de janeiro pra cá, sofreu um bocado.

Antes, as menções honrosas, para ouvir antes de morrer (em ordem alfabética): American slang, The Gaslight Anthem; Before today, Ariel Pink’s Haunted Graffiti; Broken dreams club, Girls; Cosmogramma, Flying Lotus; The fool, Warpaint; Forgiveness rock record, Broken Social Scene; Gorilla manor, Local Natives; Grinderman 2, Grinderman; Hidden, These New Puritans; IRM, Charlotte Gainsbourg;  Pilot talk, Curren$y; Public strain, Women; Treats, Sleigh Bells.

E, coming soon, a lista dos 20 melhores filmes de 2010 e, se tudo der certo e eu cumprir o meu cronograma apertado, os 10 discos brasileiros do ano. Mas não prometo nada, ok?

10 | The age of adz e All delighted people EP | Sufjan Stevens

I should not be so lost… But I’ve got nothing left to love – ‘I walked’

Sufjan no furacão (ou: a crise dos 30). “Quanto mais ouvimos o disco, mais fica claro que a provocação não é gratuita – ele foi criado como uma afirmação de princípios. É como se as faixas refletissem um compositor de pulsos abertos, afetado por decepções amorosas, desejo de espiritualidade, medo da passagem do tempo e outras crises que se enfrenta aos 35. A reação de Sufjan a esse cataclisma define a música que ele produz hoje, mais tensa e caótica do que de costume.” (14 de outubro, texto completo)

9 | The Monitor | Titus Andronicus

The enemy is everywhere – ‘Titus Andronicus forever’

Um épico americano, em lo-fi. “Um disco imenso e valente, que cria uma atmosfera de filme de época (sobre a Guerra Civil) para se aventurar na América de hoje. Nunca sem paixão, o Titus Andronicus entende os desafios de uma banda de rock independente: aproveitar as liberdades do mercado para brincar com as convenções, experimentar, criar monumentos de areia — nem que apenas para procurar um tipo diferente de diversão” (12 de fevereiro, texto completo)

8 | The ArchAndroid (Suites II and III) | Janelle Monáe

It’s a cold war… You better know what you’re fighting for – ‘Cold war’

Janelle, nossa heroína. “Sem querer forçar comparações absurdas (mas já forçando), a estreia de Janelle Monáe soa como se tivesse sido criado por uma menininha que, sem contato com os produtos mais mecânicos do pop, ouviu um disco dos Beatles (ou do Frank Zappa, ou do Love, ou uma ópera-rock do The Who) e decidiu escrever algumas canções. Nos 68 minutos de duração, a palavra que quica é liberdade.” (27 de maio, texto completo)

7 | Body talk | Robyn

Get a heart made of steel ‘cause you know that love kills – ‘Love kills’

Agonia e êxtase. “Robyn entende o que há de mais poderoso na música pop: cumplicidade e catarse. Com arranjos introspectivos, este seria um dos discos mais melancólicos da temporada (reparem nos versos sobre amores perdidos, crises de identidade, depressão e solidão). Mas o clima é festivo de doer. Os minidiscos são de provocar dependência química, mas este aqui é grande disco pop do ano.” (9 de dezembro, texto completo)

6 | Halcyon digest | Deerhunter

Walking free… Come with me… Far away… Every day – ‘Desire lines’

Um álbum de memórias, sobre juventude, mas Bradford Cox ainda vive cada disco como se não houvesse amanhã. “O vocalista se exibe em quase todas as canções. Ora melancólico (quase suicida), ora eufórico, otimista. Em todos os casos, leva às gravações um discurso franco, sem corretivos, que nos toma pelos braços. Somos cúmplices. Pode ser encenação – mas, nesse caso, a técnica só valoriza um álbum que soa como os posts desesperados (e ansiosos, e por vezes apressados) de um blogueiro que ouviu demais.” (20 de setembro, texto completo)

5 | The Suburbs | Arcade Fire

Sometimes I can’t believe it, I’m moving past the feeling – ‘The Suburbs’

Um grande disco de rock dos anos 70 para as tardes silenciosas da minha juventude. “O discurso do Arcade Fire se infiltra em nossas vidas, em nossas lembranças, em nossas aflições. Não existe conclusão em The suburbs porque nossas vidas também são imprecisas. E, se o disco parece se movimentar em círculos (com trechos de melodias e de versos que se repetem), é que estamos sempre retornando às nossas casas, aos nossos antigos problemas, aos nossos sonhos mortos, às nossas frustrações e à nossa adolescência.” (27 de julho, texto completo)

4 | Teen dream | Beach House

It is happening again – ‘Silver soul’

Jornada delicada sonho adentro. “Este é um daqueles álbuns em que uma pequena banda adapta um estilo sólido a certas convenções do pop rock. Soa como um problema? Não quando essa pequena banda está disposta a usar um ou outro truque para facilitar nosso acesso a um mundo ainda sutil, ainda misterioso. Que me perdoem os mais radicais: à luz rósea do pop, a história do Beach House fica ainda mais bonita.” (26 de dezembro de 2009, texto completo)

3 | Have one on me | Joanna Newsom

Hey, hey, hey, the end is near. On a good day you can see the end from here – ‘On a good day’

Visões de Joanna (num disco onde, se aceitarmos o convite, podemos morar por um bom tempo). “A sensação de liberdade, de não dever satisfações ou se obrigar a algum tipo de obrigação, contamina de tal forma este álbum triplo que, lá pelos 60 minutos de viagem, tudo o que eu consigo ouvir nele é beleza bruta, beleza estranha, beleza sutil, beleza que emociona, beleza nos detalhes mínimos, beleza que não se sabe de onde vem, beleza inclassificável, beleza difícil, beleza insuportável. Outra beleza.” (2 de março, texto completo)

2 | Expo 86 | Wolf Parade

A little vision come, come shake me up – ‘Ghost pressure’

Quatro velhos amigos numa sala (enquanto o mundo pega fogo). “Quando fazemos algum esforço, conseguimos visualizar, entre uma faixa e outra, uma banda correndo dentro do estúdio, excitadíssima com as próprias canções, com pressa para gravar, mixar, concluir o trabalho e mostrar-nos o resultado. É, apesar dos versos ainda muito agoniados, um disco que sorri para si mesmo e para o público. Nada como o som de uma banda de rock no auge, feliz com a imagem refletida no espelho” (16 de maio, texto completo)

1 | My beautiful dark twisted fantasy | Kanye West

We’re going all the way this time – ‘All of the lights’

No mundo parelelo de Kanye West, discos pop ainda nos deslumbram e espantam, ainda nos levam a lugares onde nunca estivemos. “A angústia de West, para nossa surpresa, acaba por energizar o disco, já que ele compõe e grava como se estivesse à beira do precipício. Como se houvesse apenas mais uma chance (não é o caso, mas o sujeito é uma pilha de nervos). Em sua discografia, não existe um outro disco que aposte tantas fichas, que mire tão alto e que tome caminhos tão arriscados. As faixas são grandiosas por birra, não por necessidade. Muitas delas caberiam em três minutos de duração. Mas West as alonga para explicitar o que têm de desconfortável. Uma obra-prima.” (16 de novembro, texto completo)

Mixtape! | O melhor de novembro

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A mixtape de novembro foi criada na base do improviso, do fluxo de consciência. Sabe como? Não defini conceito nem bolei ideias malucas nem saí em busca de uma atmosfera específica para envolver as canções escolhidas para este humilde cdzinho. Ele é o que ele é.  Ele é assim e pronto.

Não sei se ele espelha meu temperamento – talvez sim, mas com a mesma intensidade dos anteriores?

Ouvi duas vezes (enquanto lavava as minhas cuecas) e notei algumas características que me surpreenderam. 1) é um cd quase sempre em tom menor, ainda que a primeira parte possa provocar a sensação de que eu estava procurando um foco para a mixtape como quem surfa em estações de rádio até achar um pouso (no caso, o pouso é dolorido, como indica a segunda metade). e 2) existe unidade nessa coletânea, mesmo que você não a perceba de imediato.

É, como de praxe, a melhor mixtape amadora de todos os tempos. Mas, por ter sido gravada de um jeito impulsivo, ela revela algo sobre a minha pessoa que nem eu sei explicar. Tenho quase certeza de que, na faixa de abertura, sou eu falando.

A intenção, no entanto, não era que soasse complexo demais, nem sombrio demais, nem ambicioso demais. É um cd para ser ouvido nos fins de tarde, no último dia de férias, depois de despedidas que apertam o coração ou quando se sente saudade de amigos que estão muito longe. Tem isso: é um disquinho que machuca nos momentos mais dóceis. Cuidado, portanto.

Aos amigos, então: dedico ao Michel e à Alê. Espero que, lá de longe, eles ouçam e gostem (pelo menos um pouco).

Quem está na foto lá de cima é o habitué Kanye West, que gravou o meu disco favorito do mês: My beautiful dark twisted fantasy. Ele aparece na mixtape junto com o comparsa Kid Cudi e uma gangue da responsa: Girls, Jim Noir, Daft Punk, Atlas Sound, Warpaint, Beachwood Sparks (interpretando Sade), Neil Young e Beck com Nigel Godrich (numa faixa do filme Scott Pilgrim contra o mundo).

Estou aqui ouvindo o disco pela terceira vez e pensando: deus, ficou MUITO BOM!

Faça o download aqui (link atualizado).

E, depois de ouvir a mixtape, mande um alô e faça um comentário simpático. Estamos no mesmo barco, não estamos?

Superoito express (33)

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Man on the moon II: The legend of Mr. Ranger | Kid Cudi | 7

Um álbum de hip-hop dividido em cinco atos (um deles atende por You live and you learn), com uma faixa chamada Scott Mescudi vs. the world e um título que parece ter sido concebido pelo George Lucas. Tem como não gostar? Infelizmente tem, se o seu iTunes emperrar na faixa 8, Erase me, um rockzinho ordinário que nem Kanye West salva. Antes que você comece a refletir sobre o quão terrível é o fato de que os mais promissores pupilos do rap geralmente não sabem diferenciar Kings of Leon de Queens of the Stone Age, sugiro um rolê no segundo ato do disco, A stronger trip, usa psicodelia e dub para fins medicinais (a dobradinha Marijuana e Mojo so dope é, perdoe a falta de inspiração, viciante).

E, quando o sujeito resolve brincar com um sampler soturno de St. Vincent (“Paint the black hole blacker”, em Maniac), a pergunta volta a fazer sentido: tem como não gostar? Tem, principalmente para quem ainda se encontra perdido nos vãos de My beautiful dark twisted fantasy, de Mr. West. Dois álbuns talvez igualmente ambiciosos, mas note as diferenças: enquanto West bagunça o interior das canções (que são longas e sinuosas), Cudi tenta nos impressionar com o acúmulo de faixas que disparam ideias coloridas, mas por vezes superficiais. É daqueles discos que nos agradam mais pelo temperamento frenético do repertório do que pelas canções em si. Não é tudo o que pensa que é – mas tem como não gostar?   

Le noise | Neil Young | 7

Em tese, é o disco em que Young decanta a própria identidade até que restem apenas os elementos essenciais: a guitarra (alta, ruidosa, massacrada por toneladas de efeitos) e a voz. Mas nada na trajetória do homem é simples como parece, e basta lembrar que o disco anterior a este é o desgovernado (mas muito franco) Fork in the road, praticamente um álbum conceitual acerca de um carro ecológico. O que o produtor Daniel Lanois faz em Le noise é um ‘extreme makeover’ parecido com o método que aplicou em Time out of mind, de Dylan: criar uma atmosfera crepuscular, cinematográfica, mas com lacunas para que o compositor vença os maneirismos de estúdio. Mas esse conceito rigoroso por vezes parece uma estratégia para empacotar canções não exatamente inesquecíveis. Elas condensam tudo o que esperamos de um disco de Young – os lamentos de guerra e os hinos pacifistas e os retratos de homens solitários e a fúria juvenil – sem muitas surpresas ou desafios. De qualquer forma, é sempre uma alegria ver o sujeito verdadeiramente se esforçando e criando maravilhas como Peaceful Valley Boulevard. E, sejamos justos, é o mais coeso dele desde Silver and gold, de 2000. 

Marnie Stern | Marnie Stern | 7

O terceiro disco da nova-iorquina pode ser interpretado de uma forma pessimista (soa como uma reprise dos anteriores, um beco sem saída, um exercício seguro etc) e de uma forma muito otimista (soa como uma celebração do estilo que Marnie talhou nos dois outros discos). Minha tendência, no caso, é o pensamento positivo: este é o primeiro disco dela que não me parece um projeto frio de faculdade de Arte, com todas aquelas camadas calculadas de distorção supostamente agressiva. Acredito que, desta vez, Marnie conseguiu vencer se livrar desse véu chamativo e se encontrou nas canções. A última faixa, The things you notice (que incluí na mixtape de outubro) poderia muito bem servir de ponto de partida para o próximo disco: tem o molde atormentado, paranoico, pontiagudo, do restante da discografia que ela lançou – mas é como se a autora das canções finalmente se expusesse de corpo inteiro. É bonito, é delicado (de uma forma inusitada) e, melhor ainda, soa intenso.

 Swanlights | Antony and the Johnsons | 6

Um dos discos mais valentes do ano, já que Antony renega quase todos as referências pop para encontrar uma sonoridade tão serena e introspectiva quanto é (aparentemente) o momento em que ele vive. E encontra: mas pena que é um som tão etéreo que às vezes se dissolve nos headphones. Ouvi o disco pelo menos cinco vezes e só consigo me lembrar das faixas que destoam desse climão solene: I’m in love, que soa como uma daquelas divinas criaturas de Van Dyke Parks, e Thank you for your love, que abre um caminho soul no coração desta floresta gelada. Não é um álbum que consigo ouvir com frequência (e não recomendo a ninguém que acabou de romper um namoro; a dose de melancolia pode ser brutal). Mas, no momento certo, pode ser o antídoto aos excessos que imperam no indie rock.

My beautiful dark twisted fantasy | Kanye West

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Minha história com os instrumentos musicais (em cinco capítulos):

1, violão: tentei quando eu tinha 12 anos, me aborreci com a repetição dos acordes e, depois de memorizar todas as manhas de Michelle e Wave, puxei o meu banquinho. Antes disso, meu professor, um velhinho raquítico que viveu três ou quatro vidas, morreu.

2, piano: chegou muito antes, seis/sete anos, lembro da professora octogenária, a da ladainha medonha — ‘endireite os dedos, Tiago, os dedos, Tiago, os dedos’ — e eu nunca descobri se ela queria que eu mantivesse os malditos num ângulo reto ou levemente oblíquo. Aprendi uma versão débil para a nona sinfonia de Beethoven, fiquei superfeliz, concluí: escalei o Everest, quero descer.

3, pandeiro: foi numa roda de pagode que meus primos improvisaram na casa da minha avó ou da minha tia ou da vizinha, não recordo. Naquela época, ou você curtia pagode ou você era um pulha como eu. Tiago era menino, não sacava absolutamente nada de ritmo. Ritmo? Que ritmo? Os primos me aconselharam alguns truques, me envaideci com a performance, eu e o pandeiro, nascidos um para o outro, esqueci tudo no dia seguinte.

4, teclado: dava uma vergonha danada testemunhar as batalhas espartanas, sangrentas, gente sangrando e tal, que minha irmã travava contra o aparelho. Uma guerra sem vencedores e um mundo mais triste para todos. Eu gostava de ir aumentando a velocidade das batidas, daí a valsinha ficava punk rock. Era um brinquedo bobo, nunca levei a sério.

5, guitarra: muito, muito barulho; eu fazia muito barulho, mas, sinceramente, era um fiasco. Ai tentei tirar Palo Alto, aquele lado B do Radiohead que me fazia chorar, e o volume lá nas últimas, e o vizinho pendurou um Comandos em Ação num fio de barbante, que desceu até a janela do meu quarto. Grudado no soldadinho, um aviso breve: “morra, babaca”.

E é isso. The end, vamos para casa.

Ou, antes que eu esqueça: essa história toda, esses capítulos sobre minha relação conflituosa com os cinco instrumentos musicais (cinco namoros fracassados e de curta duração, mas que deixaram marcas e alguma saudade), diz algo sobre o meu gosto por discos desvairados e fantásticos e arriscados e intensamente criativos como este My beautiful dark twisted fantasy, do Kanye West. E, se vocês me permitirem, se vocês não tiverem algo mais interessante para fazer, vou tentar explicar a conexão que existe entre uma coisa e outra.

Não sou, como vocês devem ter percebido, o cara da técnica. Tentei aprender instrumentos e fracassei com todos eles. Hoje, arranho o violão, arranco uns efeitos cavernosos de guitarra e tiro Cai, cai, balão no teclado. Não sei muita coisa além disso. Mas, na minha adolescência, quando eu era um garoto enfezado e , esses instrumentos eram a minha maior diversão. Eram (serei dramático, spielberguiano, para que vocês entendam direitinho) meus amigos.

Agora tente adivinhar: como eles serviam a um zero à esquerda que não entendia nada, absolutamente nada de partituras, harmonias e acordes um pouquinho mais complexos?

Eles serviam a uma espécie de jogo, de laboratório inconsequente de barulhinhos irritantes e melodias imperfeitas. Eu costumava repetir acordes de violão, gravá-los em fitas cassete e, depois, combinar esses trechos com ruídos de teclados e, numa terceira fita, adicionar vocais quase sempre desafinados. Um horror. Mas lembro do prazer que eu sentia quando ouvia o resultado. Era mais ou menos como assistir a um número de mágica.

Guardo muitas dessas fitas e admito que não tenho coragem de ouvir nenhuma delas. São toscas, melancólicas e me mostram que fui um rapazinho infeliz. Isso me entristece. Elas me ensinam, entretanto, de onde vem a alegria que sinto quando ouço discos que usam instrumentos não para atingir ideiais de perfeição técnica, mas para criar combinações sonoras que provocam sorrisos de espanto e excitação – que fazem do pop uma espécie de playground.

Aposto que Kanye West também se entedia com a estrutura mais convencional daquilo que se chama de pop perfeito. Os solos límpidos de guitarra. O refrão certo na hora certa. A ideia polida. O riff sem arestas. Os versos simétricos, as rimas exatas. A sensação de que o compositor é também um músico dedicado e que, raios, ele levou alguns bons anos para aprender a dedilhar este violão!

Nada contra os virtuoses, mas sempre preferi o mal estar dos artistas que não se conformam com os limites da arte, de qualquer arte. Os idolos deslocados, os esquisitos, os incompreendidos, os solitários, os renegados, they don’t belong here.

Kanye West é, não se engane, não se iluda, um desses. Quem espia o blog do rapper ou o acompanha via Twitter sabe que o globetrotter é um acidente prestes a acontecer: são incontáveis os posts rasos e os tuítes risíveis, as demonstrações constrangedoras de amor às futilidades do showbusiness, o gosto por tudo o que é instantâneo e fashion e, principalmente, a necessidade de provar – a cada saraivada de caracteres – que merece reconhecimento, atenção, prêmios, elogios, um lugar cada vez maior e mais confortável no mundo. “Nenhum homem deveria ter tanto poder”, ele aconselha  (a si mesmo), no primeiro single deste disco, Power. Sejam bem-vindos.

O ego faminto de West é prato feito para revistas de celebridades, e o ídolo cumpre esse papel de forma exemplar: odiamos o homem que se descontrola diante da plateia, mesmo quando a crise nos parece falsa. Detestamos o ricaço que perde as estribeiras e sucumbe, erra, perde. Preferimos o autocontrole, a segurança, às demonstrações de fragilidade. Estamos ali para testemunhar o momento em que fracasso chutará a porta, e estaremos lá para celebrar o funeral de mais um astro pop superestimado por nós mesmos.

So what’s a black Beatle anyway?

Imagino que West escreveu as novas canções entre sessões de terapia, entre uma e outra compra milionária, entre um e outro desfile de moda. Nos momentos de incerteza (que, creio eu, existem até para um milionário esbanjador; vide qualquer filme de Sofia Coppola). Depois que você faz alguns discos de sucesso, o que acontece? Depois que você grava tudo o que precisava ter gravado, para onde ir? Quais são as canções que se escreve quando a plateia começa a cair em tédio?

“Todo mundo sabe que sou um monstro”, West se martiriza, ao som de efeitos robóticos. E depois quase entrega os pontos: “Eu cruzei a linha. Eu deixo que Deus decida. Estou de volta para casa.” A música seguinte prolonga o martírio: “A vida às vezes, meu amigo, é ridícula”. E não é?

O novo de West dá sequência a dois álbuns que soavam um pouco mais confiantes: mesmo a fossa de 808s and heartbreak parece controlada, estancada num conceito muito bem definido, um ato de bravura do macho sensível. Graduation era um brinquedo tão reluzente quanto superficial, mas que será lembrado como o retrato de um astro no comando do próprio destino, flutuando nos top ten. My beautiful dark twisted fantasy, em comparação, soa desastroso: da primeira à última faixa, West expõe o medo de perder, de ficar para trás, de se tornar irrelevante, de se tornar (tragédia!) qualquer um. De ser esquecido, perder a identidade, perder followers, etc.

Os versos, até um tanto entediados e conformados com as puxadas de tapete da existência, são o que este disco tem de mais dark. “Vai ser uma morte muito bonita, um salto da janela”, avisa em Power, o réquiem para o super-rapper.

É essa angústia, surpreendentemente, que acaba por energizar o disco, já que West compõe e grava como se estivesse à beira do precipício. Como se houvesse apenas mais uma chance (não é o caso, mas o sujeito é uma pilha de nervos). Em sua discografia, não existe um outro disco que aposte tantas fichas, que mire tão alto (sob pena de tombar no ridículo) e que tome caminhos tão arriscados. Talvez inspirado por Sufjan Stevens e pelo Arcade Fire, West percebeu que a temporada é propícia para esse tipo de monumento extravagante. Quase todas as 13 faixas do disco cabem nessa definição.

São canções como Runaway, All of the lights, Power e Blame game que condensam o espírito do álbum: elas começam e se recusam a terminar, se sabotam, abrem singelas e fecham estranhíssimas. Em alguns casos, como Devil in a new dress, um sampler se repete à exaustão, até esgotar todas as possibilidades de encantamento e morrer na praia. Existe algo de rock progressivo na estrutura dessas faixas, mas não é a melhor forma de defini-las. Existe algo de glam rock e ópera-rock, mas nenhum desses rótulos veste perfeitamente o estilo de West.

É um voo talvez alto demais, talvez cego. As faixas são grandiosas por birra, não por necessidade. Muitas delas caberiam em três minutos de duração. Só que, impertinente, West as alonga para explicitar o que elas têm de desconfortável. São paranoicas (o sucesso pode acabar num segundo). São ambiciosas (o céu é o limite). “Estou perdido no mundo”, ele reconhece, na penúltima faixa do disco, ao som de um sampler fantasmagórico de Woods, de Bon Iver.  A última canção, quase uma vinheta, atende por Who will survive in America. Sobreviver é a questão.

Goodnight, cruel world, I see you in the morning.

Voltando à minha relação com os cinco instrumentos musicais, reparo que álbuns assim – álbuns que não se aguentam dentro do pop, que querem quebrar as paredes do quarto – se comunicam com o meu desejo adolescente de encontrar sons para sentimentos que eu não conseguia decodificar de outra forma. Nessa tentativa, fracassei de todas as formas. Fracassei e fracassei feio. Eu e meus garranchos, minhas fitas toscas e ruidosas. Kanye West, porém, é desses que triunfam quando menos se espera. Um homem estúpido, egocêntrico, frívolo, uma celebridade em crise – tudo isso talvez seja verdade. Mas, neste momento, invejo o monstro terrivelmente.

Quinto disco de Kanye West. 13 faixas, com produção de Kanye West e outros. Lançamento Roc-A-Fella, Def Jam Records. 9/10

Runaway | Kanye West

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E lá vem Kanye West com mais um sintoma claríssimo de transtorno pop obsessivo: ouvi só uma vez o novo My beautiful dark twisted fantasy (que faz por merecer o título pomposo/patético) e já desconfio que o disquinho vá bagunçar seriamente a minha lista de melhores do ano. Tenho, no entanto, que aplicar mais algumas doses do veneno até chegar a alguma conclusão sobre o assunto (prometo escrever um post bem bonito, dark e possivelmente muito twisted sobre a criatura). Como aperitivo, sugiro que vocês procurem no YouTube o curta-metragem de 35 minutos que o próprio West dirigiu para Runaway, uma das anomalias mais fofas do álbum. Mas, para facilitar a sua vida (ainda que eu não esteja aqui para isso), aí vai o resumo da ópera: uma versão resumida, mas muito digna, da aventura. É só o começo, acredite.

Mixtapes! | Duas vezes julho

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A mixtape de julho (e não encontro definição melhor) é uma mãe.

Sabe quando você vai num daqueles bares bacanas que oferecem dois drinks ao preço de um? Sabe quando você pede o hambúrguer e ganha um pacote de fritas? É mais ou menos isso.

Minto: é muito melhor do que isso. Você não paga absolutamente nada e ainda leva uma mixtape totalmente grátis. É uma transação incrível ou não é?

Daí vocês me perguntam: por que o surto de generosidade, ó bartender? Sinceramente: não foi intencional. Quando comecei a juntar as músicas da mixtape, acabei com um combo de 30 faixas. Tudo isso. Uma fartura. Daí me vi diante de duas opções: descartar a maior parte das faixas, pelo bem da coesão; ou montar duas mixtapes, uma ligeiramente diferente da outra.

Minha primeira decisão foi dar uma de Edward Mãos-de-Tesoura e cortar, cortar, cortar. Terminei com um disquinho de 12 faixas, esquizofrênico que só ele. Depois, já quase de madrugada, deitei (literalmente) a cabeça no travesseiro e decidi acolher todas as canções rejeitadas, deletadas, injustamente execradas. Terminei com duas mixtapes, 22 faixas, e assunto encerrado.

Eu sei, eu sei, eu sei que dá uma preguiiiiça danada fazer o download de duuuuas mixtaaaapes e depois ainda ter que escutaaaaar a baboseira toda (só de escrever essa frase, bateu um cansaaaaço). Nos poupe, Tiago! Mas (aí vai o aspecto gentil da história) você não precisa adquirir as duas mixtapes. Elas são bem grandinhas e sabem andar com as próprias pernas. Na verdade, elas têm muito pouco a ver uma com a outra. Não são irmãs nem nada. Talvez primas, mas nunca irmãs.

O esquema funciona assim:

A primeira parte da mixtape é (como dizer?) um filme da Sofia Coppola. Delicadeza com algo de malícia. Dream pop, power pop, odes a Brian Wilson, cantantes melancólicos, muita saudade e tristeza e doçura. É a mixtape mais tocante que você ouvirá na sua vida, eu garanto. Tem Department of Eagles, tem Foals, tem Avi Buffalo, tem Best Coast, tem Mystery Jets, tem Here We Go Magic (olha aí, Felipe!) e tem até Johnny Cash. Uma lindeza. 

Esta primeira parte é uma continuação da mixtape de abril, sentimental e siderada. E é dedicada a duas pessoas muito bacanas que costumam baixar as mixtapes e comentar com certa frequência aqui no blog: o Daniel, do Power Pop Station, e o Pedro Primo, do Ouvido Cego. Se vocês curtirem, ficarei bastante satisfeito.

A segunda parte da mixtape é (como dizer?) um filme do Robert Rodriguez. Com efeitos especiais toscos, dublês, mocinhas estridentes, passagens absurdas, muita emoção e sedução. É como que dividido em duas partes: na primeira, um balancê infernal. Na segunda, guitarras pegando fogo. Tem M.I.A., tem Gaslight Anthem, tem a nova do Kanye West, tem Big Boi, tem Wavves e fecha com Arcade Fire – que, apesar de ter entrado na mixtape do mês passado, assina o disco que mais gostei de ouvir neste mês: The suburbs. Por isso eles aparecem na foto lá em cima.

Esta primeira parte é uma continuação da mixtape de maio: tique nervoso e adrenalina. E é dedicada a todo mundo que usa headphones para matar o tédio provocado por exercícios físicos repetitivos.

Assim funciona. Faça o que bem entender, ok? Ouça apenas a primeira, ouça apenas a segunda, ouça as duas ou não ouça nenhuma. Não sou seu pai e não vou monitorar seu IP. Fique à vontade (e, como sempre, a lista das músicas está logo ali na caixa de comentários).

Só peço um favor: se aqueles que ouviram a(s) mixtape(s) fizerem um singelo comentário, vai ser joia. “Sua gentileza levar-lhe-a ao sucesso”, li agorinha mesmo numa mensagem que encontrei dentro de um biscoito chinês. Sigam o conselho e sejam felizes.

Faça o download da primeira parte da mixtape aqui ou aqui.

E (força, rapaz!) faça o download da segunda parte aqui ou aqui.

Thank me later | Drake

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Você conhece Drake? Então está na hora.

Até porque, nos próximos meses, será impossível não reconhecê-lo por aí. Nas rádios. Na MTV. Nas trilhas de cinema. O rapaz tem bons amigos (Lil Wayne, Jay-Z, Kanye West, Timbaland, The-Dream, T.I., Alicia Keys), vem no embalo do marketing da Universal Music e está prestes a lançar um disco de estreia que, se tudo der certo, o transformará num astro do R&B.

Está escrito.

O plano, aparentemente, é fazer de Drake um novo Usher, um novo The-Dream, um novo sexymothafucker (e é provável que isso aconteça). Mas, é claro, não é por isso que você precisa conhecê-lo.

Dou três motivos:

1. Na mixtape So far gone, lançada no ano passado, a terceira música é uma balada robótica, na linha do Kanye West de 808s and heartbreak, chamada Successful, que virou single e rodou até no VH1. A faixa seguinte é uma versão para Let’s call it off, de Peter, Bjorn and John. Isto é: o sujeito não ouve qualquer coisa.

2. O refrão de Successful (muito simplezinho, até: “tudo o que quero ser é bem-sucedido”) não vem embalado no tom fanfarrão típico dos novos-ricos da black music, mas, surpreendentemente, existe nele uma certa melancolia, como se o intérprete da canção soubesse que o sucesso é doce e amargo.

3. Drake é um ator de 23 anos, ex-astro teen de seriado de tevê. E canadense.

Se nenhum desses argumentos parece suficientemente forte para que você dê uma chance ao moço, então não há nada a ser feito. Provavelmente, o álbum não vai colar. Não é sua praia. Vá por mim. Não perca o seu tempo.

Para começo de conversa, o disco soa conservador: não rejeita um modelo muito típico de R&B, pelo contrário. É quase um disco-de-gênero, songs for the lovers com alguma marra hip-hop. Nada que Kanye West, The-Dream ou Jay-Z não tenham feito. E Thank me later pode até ser ouvido dessa forma: como um álbum pop muito eficiente, coleção de hits, tudo nos devidos lugares, arquive entre Justin Timberlake e Rihanna.

O instigante na história, no entanto, é como Drake pega esse formato industrial e, sutilmente, se apropria dele. Sutilmente. O tom desiludido como o vocalista – que se chama Aubrey Graham – interpretou Successful é a colcha sonora do disco. Um fantasma que está sempre lá.

Há artistas que só se decepcionam com o sucesso lá pelo quarto álbum de estúdio. Pois a primeira música de Thank me later, Fireworks, abre com versos como “o dinheiro mudou tudo” e “meus 15 minutos de fama começaram há uma hora”. Novamente, Drake soa dúbio, na contramão das estrofes: a letra celebra a boa fase, o “sonho”, mas não existe alegria alguma na interpretação. A melodia é mecânica, cheia de lacunas e ecos.

Estranho.

Felizmente, todos os produtores – e são muitos! – parecem entender esse perfil introspectivo do cantor, que vai flutuando sobre névoa de teclados e efeitos metálicos. Nas primeiras faixas (as melhores do disco), não há festa: Drake narra dramas familiares (a separação dos pais, aos cinco anos), decepções amorosas e transformações da idade adulta. O sucesso não cura nada disso, e ele sabe disso. “Do que tenho medo? Isso deveria ser meu sonho. Mas todas as pessoas olham para mim e dizem a mesma merda: ‘você prometeu que nunca mudaria'”, ele desabafa, em The resistance.

A soul music de pesadelo atinge a catarse logo na quarta música, que se chama (olha aí) Over. Nesse ponto, Drake beira a esquizofrenia. “Conheço muitas pessoas que eu não conhecia há um ano. O que aconteceu? Fizemos de tudo ontem à noite, mas não lembro de nada. O que estou fazendo? O que estou fazendo?”, ele pergunta. Em seguida, porém, muda o discurso: “Eu estou me divertindo, estou vivendo a vida, e vou continuar assim até o fim.”

O hit é narrado com uma atmosfera dramática, tensa, que os produtores Boi-1da e Al Khaliq pressionam ao limite. O videoclipe mostra Drake fuzilado por canhões de luz, sozinho em um quarto de hotel.

Já ali, na quarta faixa, dá para concluir que Drake tem o “algo mais” que falta a muitos aspirantes ao trono do R&B: o intérprete paira acima dos produtores, das canções, de tudo. O álbum soa coeso, quase uniforme, porque é um retrato do cantor (ou talvez do personagem que o ator criou para si).

Na segunda metade, esse clima asfixiante das primeiras músicas vai se dissipando, ora em faixas mais animadinhas como Find your love (produzida por Kanye West), ora quando o “padrinho” Lil Wayne entra em cena, em Miss me. Mas até aí o show é de Drake. Em Miss me, o que fica na memória não é o falatório nonsense de Wayne, mas o apelo infantil, carente do vocalista. “Você vai sentir minha falta quando eu for embora?”, ele pergunta.

Superprodução programada para cumprir expectativas de uma indústria, Thank me later equivale a uma fita de fantasia dirigida por Sam Raimi: sob os efeitos especiais, há um coração que bate.  

Primeiro disco de Drake. 14 faixas, com produção de Lil Wayne, Birdman, 40, Al Khaliq, Boi-1da, Crada, Francis and the Lights, Jeff Bhasker, Kanye West, No I.D., Omen, Swizz Beatz, Timbaland e Tone Mason. Lançamento Universal Music. 7.5/10

One life stand | Hot Chip

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Amigo: se você enfrenta as aflições de um namoro à distância, cuidado com One life stand. Pode ser brutal.

Este não soa como um daqueles álbuns de soul music que celebram um tipo romance que parece sexy ou róseo demais para ser verdade. Já na faixa-título, o Hot Chip avisa que é rapaz sério, direito, não quer saber de one-night stands e sabe que, à luz do cotidiano, histórias de amor nem sempre soam como uma balada da Beyoncé. Não. Nos namoros reais, é inevitável lidar com incertezas, desencontros e alguma melancolia.

Não é preciso ser cool para entender disso. Não é preciso ser adulto. Não é preciso ser muito inteligente. O Hot Chip, sabemos, é uma banda de electroindie formada por cinco nerds de Londres, Inglaterra. Eles sempre soaram juvenis, brincalhões, quase tolos (de uma forma saudável, que produziu hits marcantes como Over and over e Ready for the flood). E eles, veja, até eles entendem.

Depois de algumas paqueradas muito tímidas com a soul music (Made in the dark, de 2008, quase chegou aos finalmentes), o quinteto finalmente concretiza um projeto que estava quicando há um tempo: One life stand é a “love machine” do Hot Chip. Um álbum embriagado, mas não imbecilizado, de amor. James Brown e Sade podem até ter servido de (distante) inspiração. Mas o cotidiano do Hot Chip, mais realista, se aproxima da delicadeza eletrônica de projetos indie como o The Postal Service – ou da irresistível insegurança de um 808’s and heartbreak, do Kanye West.

Na prática, esse ingleses desajeitados são um pouco como nós, jovens adultos: depois de registrar em três discos um cotidiano dividido entre a fervura das pistas de dança e as madrugadas frias de quarta-feira, eles chegaram num ponto da vida em que os prazeres efêmeros pararam de provocar tanto efeito. Para um disco de amor, One life stand soa quase desencantado. Os vocais, chapados na frente da mixagem, não escondem a fragilidade de faixas que, mesmo quando deveriam soar positivas, deixam escapar um certo desespero. “Felicidade é o que todos queremos”, eles admitem, na canção de abertura. Mas nem eles parecem acreditar na vitória da utopia. No máximo, é sonho.

Em Made in the dark, a inspiração soul era traduzida sem muita convicção (os momentos mais fracos do disco são os supostamente mais sensuais). Com a coragem de encarar sua maior fragilidade, o Hot Chip deixa de lado até as brincadeiras rítmicas meio cerebrais que garantiam prestígio a eles. One life stand volta-se ao calor da disco music dos anos 1970 e à espontaneidade que existia nas primeiras gravações de house music. Procuram “alma” nas divas dance e no pop descomplicado (e descaradamente sentimental) de um Pet Shop Boys. De propósito, perdem a pose. Soam frágeis, com mais sangue e menos neurônios.

Em tese, é um esforço extraordinário de amadurecimento para uma banda que poderia muito bem ter se acomodado com o status conquistado entre os indies. Na prática, infelizmente, a catarse nem sempre cola: depois de uma abertura tocante (com quatro faixas que estão entre as mais vívidas que eles gravaram), eles acabam tombando em fragilidades de composição e arranjos que (se tivermos sorte) possivelmente serão resolvidas no próximo disco. Abrir o coração nem sempre justifica a falta de ideias musicais – e faixas como We have love e Keep quiet penam nesse processo.

A inconsistência do conjunto, no entanto, não ofusca o tom dolorosamente plausível da história de amor escrita pelo Hot Chip. Longe do formato típico de love songs, as canções da banda traduzem sensações de afeto, saudade, alegria e dor – às vezes, simultaneamente. Talvez eles estejam cansados de ilusões (musicais, até), tenham experimentado namoros à distância. Talvez tenham crescido (um pouco). Ou escreveram um disco inteiro como resposta a um álbum da Celine Dion. Aposto que até ela viveu algumas das emoções tão triviais – e fundamentais – narradas aqui.

Quarto álbum do Hot Chip. 10 faixas, com produção da própria banda. Lançamento EMI. 7/10

50 discos para uma década (parte 4)

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20. Dear science – TV on the Radio (2008)

No início da carreira, o TV on the Radio lançou um álbum-demo chamado Ok calculator. Mas é em Dear science que eles revelam um senso de aventura que lembram o terceiro disco do Radiohead. A combinação de glam, pós-punk e percussão-em-brasas já estava devidamente formatada no disco anterior, o excelente Return to Cookie Mountain (2006). Mas o esforço de imprimir uma atmosfera urbana (um raio de neon, digamos) nesse estilo ganha sentido em Dear science, um álbum que soa como uma fotografia granulada e fosforescente do estado de coisas no indie rock americano.

jayz

19. The blueprint – Jay-Z (2001)

O álbum definitivo de Jay-Z vale por um Scorsese safra 70: é um filme moderno de gânsgster narrado como um desabafo, um fluxo de consciência (e sempre que ouço o disco imagino o rapper recitando os versos num confessionário). As rimas são perfeitas, mas a surpresa é que, aqui, a música é tão cortante quanto as palavras — com samplers de Jackson 5, The Doors, David Bowie, Natalie Cole e Al Green, Jay-Z cria um clássico a partir de cacos de outros clássicos. E é preciso ser gênio para transformar esse tipo de picaretagem em grande arte.

ys

18. Ys – Joanna Newsom (2006)

Joanna Newsom é uma menina de traços angelicais que toca harpa e, por tudo isso, não deveria assustar ninguém. Mas, surpreendentemente, virou uma das figuras mais controversas da década, provocando discussões quase violentas entre defensores e detratores  (e ainda conheço gente que a considera uma grande farsa). Ys não é disco para quem tem pressa: com sete faixas e 55 minutos de duração, narra uma fábula folk que soa como um delírio barroco. Ou tudo ou nada. Os arranjos de cordas deslumbrantes de Van Dyke Parks e a produção crua de Steve Albini criam um universo. E não tente encontrar outro igual.

lcd

17. Sound of silver – LCD Soundsystem (2007)

Em termos objetivos, é muito fácil explicar a importância do disco: ele consolidou e popularizou o crossover de rock e eletrônica na cena de Nova York (com uma leve vantagem para o rock) e fez de James Murphy um ídolo de carne e osso (o disco de estreia, ainda que brilhante, não arriscava canções tão pessoais). Isso tudo é notável, mas o que me atrai no álbum é o modo franco como Murphy, quase quarentão, trata de um tema pouco comum tanto no rock quanto na eletrônica: a idade adulta. Os amigos não estão lá (All my friends), a morte assusta (Someone great), Nova York pode ser um lugar terrível (New York, I love you’re bringing me down) e a pista de dança não cura mais. Ainda assim, talvez ironicamente, um dos grandes discos de festa da década.

mia

16. Kala – M.I.A. (2007)

Toda essa história de pop global, na prática, soa terrível. Durante a década, muito se falou sobre encontros sonoros improváveis (facilitados pela web, blablabla), mas pouco se ouviu de verdadeiramente interessante. M.I.A. é uma exceção — talvez por conseguir transitar naturalmente entre diferentes culturas (e ela própria parece não pertencer a lugar algum). Arular era um grande disco, mas Kala é uma provocação ainda mais saborosa. De Bollywood (Jimmy) a Gwen Stefani (Boyz), é talvez o único disco da década que encarna verdadeiramente o transe mundial sem soar melancólico. M.I.A. é mais sofisticada que isso. E Paper planes nem precisava ter virado um hit planetário…

kanyewest

15. Late registration – Kanye West (2005)

Na maior parte das vezes, o ego de Kanye West é maior que sua música. Mas, em Late registration, ele nos deixou sem argumentos. O blockbuster, que vendeu 4 milhões de cópias nos Estados Unidos, é a maior demonstração que o hip hop roubou do rock o poder de redefinir o mainstream. Com ótimos convidados suspeitos (Maroon 5? Jamie Foxx?) e coração geek (ele é um fã de cultura pop, e isso ficou mais claro que nunca), West fez um legítimo candy shop, viciante e impecável. E que ninguém esqueça de Jon Brion, envenenando os doces.

queens

14. Rated R – Queens of the Stone Age (2000)

Por um momento, em 2000, o Queens of the Stone Age nos fez acreditar na possibilidade de um revival grunge. Durou pouco (e a própria banda resolveu seguir caminhos mais sombrios), mas o efeito entorpecente de Rated R continua zunindo no meu ouvido. Uma espécie de continuação sacana e perversa para Nevermind, do Nirvana, o álbum lustra o stoner rock do disco anterior em formato mais direto e melodioso. Há hits que nunca fizeram o merecido sucesso (Feel good hit of the summer e The lost art of keeping a secret) e as loucuras de Nick Oliveri ainda soam hilariantes.

apologies

13. Apologies to the queen Mary – Wolf Parade (2005)

Pode não ser o grande disco da década, mas soa como o melhor do mundo. A estreia do Wolf Parade vale por duas: é um disco de Spencer Krug (Sunset Rubdown) e de Dan Boeckner (Handsome Furs), dois compositores à flor da pele. Produzida por Isaac Brock (Modest Mouse), a estreia da banda é como um resumo prematuro de carreira. Tomado por fantasmas, oscila entre duas personalidades (Boeckner é quase gentil, já as faixas de Krug são pura agonia) e soa urgente, como se o mundo estivesse sempre prestes a explodir.

spoon

12. Kill the moonlight – Spoon (2002)

A mente matemática de Britt Daniel encontrou a equação da perfeição pop. Kill the moonlight apareceu do nada e ainda impressiona como um disco conciso, sem uma única nota em falso. Com um estilo rigorosamente econômico (um contraponto suingado para o Shins, a banda cria verdadeiros hinos que cabem em 2 minutos de duração, como The way we get by e Something to look forward to. Nos discos seguintes, a banda habitaria um casulo maior e mais confortável. Mas nunca soariam desse jeito: maravilhosamente pequena.

bob

11. “Love and theft” – Bob Dylan (2001)

Bob Dylan pode não ter se dado conta disso, mas os discos gravados desde Time out of mind casam perfeitamente com uma época em que o rock voltou-se ao passado para, na combinação de formas antigas, criar novos ambientes musicais. O Dylan de “Love and theft” não é simplesmente retrô — é como se o homem tivesse finalmente conseguido encontrar uma sonoridade que procurava desde os anos 1960. Tanto quanto as canções (que são excelentes), o que importa é a atmosfera das gravações — filmes em branco e preto. E não é isso que fazem Strokes e White Stripes?

***

A parte final da lista eu posto quinta-feira às 22h. Se vocês quiserem acompanhar, será bacana. Vou atualizar aos poucos pra aumentar o suspense, ok?

Paranoid | Kanye West

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Ainda não sei quem dirigiu, mas teria sido o Robert Rodriguez? O novo vídeo do Kanye West é trailer de filme B. Os créditos nos preparam para o pior: Insônia! Traição! Enxaqueca! De bônus, uma Rihanna lânguida, desnorteada.

Ok, descobri agora: o diretor é o Nabil Elderkin. Manda bem, o moço.

Quatro discos estrangeiros

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O que perdi durante o Festival de Brasília: The Killers lançou o melhor álbum da carreira (e nem é um grande álbum), Kanye West gravou uma ópera emo, Britney Spears virou gente e até o Guns n’ Roses aproveitou meus dias de isolamento no fantástico mundo do cinema brasileiro para finalmente concluir a obra mais ridicularizada de todos os tempos. Ainda não ouvi as últimas do Axl e da Britney, e sei que estou bastante atrasado nesta leva dos lançamentos, mas vamos com calma ao leite derramado (e as análises são toscas e apressadas, como de costume).

kanyepeq808s & heartbreak | Kanye West | « «

Eles também são humanos: mais cedo ou mais tarde, todo astro da música pop acaba se identificando terrivelmente com Blood on the tracks. Para os padrões de Kanye West, esta espiada na vitrine das caras desilusões sentimentais (quase todas as canções do álbum sangra sobre os cacos do fim de caso entre o rapper e a noiva Alexis Phifer) soa como suicídio comercial. Mas, comparando a esta terapia para pistas de dança, o que dizer de Sea change (Beck) e Hissing fauna, are you the destroyer (Of Montreal)? São disquinhos revolucionários.

Como acontece na carreira de West, o aparato de marketing ainda supera o produto final. Quem esperava ousadias em Graduation encontrou um bloco de rascunho com anotações sobre o pop eletrônico europeu. Quem mandou? Da mesma forma, 808s & heartbreak promete talvez demais: a catarse emocional nos é vendida em embalagem frágil, limitada – que pode ser resumida na opção de West por alterar grosseiramente a própria voz em todas as faixas (numa overdose de auto-tune que remete mais a Believe, de Cher, que a One more time, de Daft Punk).

As letras não somam tanto sentido à lamentação. Say you will e Love lockdown são lacônicas (o que abre brechas para efeitos ora percussivos, ora glaciais). Já as imaturas Heartless e Robocop provam que, depois de levar um pé na bunda, todo macho retorna aos 12 anos de idade (quer dizer: todos menos Dylan, vide Idiot wind). É um álbum arriscado e sensível (que não será aceito nas prateleiras de hip hop), mas ainda sinto a falta do West verdadeiramente ambicioso de Late registration.

thekillerspeqDay & age | The Killers | « «

Até aqui, o Killers aparentava ser uma banda que – apesar de apoiada num vocalista carismático e em hits acertados – procurava uma identidade. Em Day & age, eles chegam lá: sem macaquear Bruce Springsteen ou diluir acessórios do “novo rock”, se afirmam como discípulos do rock de arena de U2, com um quê de glam rock e raízes profundas no pop oitentista. Las Vegas, servia de tema e cenário para os discos anteriores, agora se converte em estado de espírito. Melhor assim.

Os fãs talvez sintam falta dos refrãos imediatos do primeiro disco, mas Day & age sai na frente como um surpreendente (pelo menos para mim, que não me interesso por nenhum outro disco deles) momento de coesão, uma demonstração de auto-conhecimento. Só uma banda muito segura inclui elementos eletrônicos à beira do kitsch em um single do porte de Human (que faz por merecer uma cover da Cher), ou tenta brincadeiras alegres com ritmos latinos (Joy ride).

A produção de Stuart Price dá ao Killers uma leveza que o grupo nunca tentou – e, apesar de ainda derivativa, a banda pelo menos aprendeu a se divertir com a própria insignificância.

kaiserchiefspeqOff with their heads | Kaiser Chiefs | « «

Depois de um álbum morno (Yours truly, angry mob), o Kaiser Chiefs parece ter levado a sério os comentários de quem vê neles uma encarnação do brit pop do início dos anos 1990. O novo disco defende tanto essa referência que fiquei à espera de uma cover de Parklife, do Blur.

Off with their heads é (calculadamente) é tão acessível quanto diversificado – um álbum de hits que atiram em diferentes direções. A produção de Mark Ronson dá polimento das canções de forma que nenhuma mudança brusca de via assuste o fã. Há os ecos de The Who e The Kinks (e as letras engraçadinhas de sempre), mas fica a impressão de que o Kaiser Chiefs quer dar um passo para frente e provar que pode evitar a cartilha monocromática do rock britânico alinhado ao Arctic Monkeys. Bom para eles.

Ainda assim, falta personalidade a esses refrãos todos. Acaba que nos lembramos do disco por um ótimo single (Never miss a beat) e pouco mais. 

eaglespeqHeart on | Eagles of Death Metal | « «  

 Por essa eu não esperava: enquanto o Queens of the Stone Age dá sinais de estagnação, o projeto paralelo de Josh Homme, Eagles of Death Metal, segue em frente na complicada tarefa de se afirmar como uma banda de verdade. Por enquanto, é divertido acompanhar essa história.

Talvez por se permitir um turbilhão de referências (Led Zeppelin, Rolling Stones e até James Brown), sempre com o bom humor de quem não tem nada a perder, o Eagles of Death Metal dá a Homme uma liberdade que ele não encontra mais no Queens. Pode parecer um contrasenso: Heart on é o mais próximo que ele chega de um álbum de rock convencional. 

E não estou reclamando. É o primeiro disco do grupo que consigo levar a sério.