Jay Reatard

King of the beach | Wavves

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Até aqui, os discos do Wavves eram a mais perfeita tradução de “bedroom rock”: gravados na casa dos pais, com parcos recursos, no esquema faço-por-minha-conta, quase toscos (mas adoráveis), às vezes autoirônicos, sem o menor desejo de abraçar o mundo pop com as pernas.

O novo, King of the beach, faz por merecer um rótulo diferente. “Backyard rock”, talvez. Rock de quintal.

Outro dia, escrevi que a geração 2000 do indie rock me parecia mais empenhada em gravar discos como Bleach (miniaturas poderosas, de nicho) do que em arriscar um Nevermind (a aventura pop, sem perder a bravura). Aí me chega Nathan Williams, o homem-Wavves, com esta: “O próximo disco será o meu Nevermind.”

Então tá.

Outro sinal dos tempos: o aviso de Nathan foi imediatamente tomado como uma espécie de gozação. E, de certa forma, é isso mesmo. Arcade Fire, The Shins, Interpol e tantas outras chegaram para provar que, hoje em dia, ninguém precisa fazer pacto com o “império do mal” para ser ouvido por muita gente.

Daí que a comparação só faz sentido esteticamente: talvez a intenção de Nathan tenha sido dizer que King of the beach é um álbum que, a exemplo de Nevermind, absorve alguns procedimentos típicos do pop, tanto em termos de produção (mais polida, direta) quanto de composição (mais imediata, ganchuda, melódica).

Um plano, aliás, muito parecido com os de New wave, do Against Me, e de Watch me fall, de Jay Reatard.

E não pode ser coincidência: dois músicos da banda de Jay Reatard (morto no início do ano) são os responsáveis por inflar (no bom sentido) o balão sonoro de Nathan. Stephen Pope e Billy Hayes não só arredondam o skate-punk do Wavves como escrevem três das melhores faixas do disco: Convertible baloon, Baby say goodbye (nuggets psicodélicos de Billy, e as minhas preferidas) e Linus spacehead (Stephen).

Enquanto isso, o produtor Dennis Herring, de Good news for people who love bad news (Modest Mouse), faz o resto do trabalho.

Sem o trio, King of the beach possivelmente não teria provocado tanta surpresa. Nathan, ainda que tenha passado por um período de complicadas provações (a turnê do disco anterior foi interrompida diversas vezes), continua o mesmo discípulo de Kurt Cobain: autodepreciativo, agoniado e demasiado humano, ele se define um idiota — e não apenas na canção que se chama Idiot.

O disco é um sucessor até vibrante de Watch me fall. Reatard ficaria orgulhoso. As canções são organizadas de forma a provocar impacto à primeira audição (o disco abre com um nocaute, e depois vai se arrastando gloriosamente) e, espertinho, mandar acenos para os fãs de Animal Collective (Mickey Mouse, por exemplo, é quase um remix de Panda Bear).

Metido nesse furacão, Nathan renasce como um rockstar improvável, talvez vulnerável e cínico demais para defender as delícias do pop litorâneo. Daí que King of the beach não se deixa tostar completamente ao sol — é um disco diurno escrito por uma criatura noturna. Um sujeito que vai à praia usando bermuda, empapado de protetor solar e acompanhado de um livro de 500 páginas, para “matar o tédio”.

O que me impressiona é que o Wavves convence nos trechos mais bombásticos: há canções no disco, como Super Soaker e Take on the world, que soam confiantes, musculosas, como se Nathan tivesse lançado cinco discos espinhosos de hardcore antes de se aventurar neste resort agradável.

Mas Nevermind? Não sei. Já teve gente comparando a Dookie, não? Me parece mais plausível. Ainda assim, soa engraçado.

Terceiro disco do Wavves. 12 faixas, com produção de Dennis Herring. Lançamento Fat Possum Records. 7/10

Jay Reatard, 1980-2010

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Não é minha intenção transformar este blog num Campo da Esperança, mas não posso deixar de lamentar a morte de Jay Reatard, aos 29 anos. Morreu dormindo, poucos meses depois de ter lançado o ótimo Watch me fall. Ironicamente, o disco surpreendia por mostrar a possibilidade de um futuro não menos que brilhante, e inesperadamente pop, para uma figura que cresceu em meio aos punks.

Taí: o álbum virou testamento (e, ouvindo agora, até que soa como um testamento muito digno). Nem que por curiosidade mórbida, sugiro que vocês dêem uma chance a Watch me fall e descubram o que perderam.

Adeus, 2009 | Os melhores álbuns do ano (parte 1)

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Note a beleza da história: num dos anos mais acidentados da minha vida (quando tudo de errado, estranho e complicado acabou acontecendo), devo admitir que fui salvo pela música. Aleluia.

As canções foram meu refúgio, minha saída de emergência. Fonte de permanente inspiração. Sem elas, eu não estaria assim, saudável. Talvez essa relação de dependência (quase química) explique por que, nesses quase 365 dias, eu tenha engolido muito mais de uma centena de discos (como quem mastiga obsessivamente comprimidos de homeopatia). Uma dieta rigorosa.

Daí que escolher os melhores álbuns do ano, nessas condições, é uma tortura. Não sei por onde começar e, com tempo e ânimo, eu faria uma lista de 50. Tenho absoluta certeza que estou em dívida com cada um deles. Só me sinto meio desapontado com o fato de que os melhores álbuns deste singelo top 20 (e há discos geniais) me lembrarão para sempre de um período que eu preferiria esquecer logo. Talvez seja esse o preço que pagamos pelos efeitos terapêuticos de um bom refrão pop.

Aviso que esta lista é resultado da exposição prolongada aos discos que mais ouvi durante o ano. É o momento de reavaliar álbuns que superestimei ou subestimei. Não venham me cobrar fidelidade a critérios que são e sempre foram/serão abstratos. 

Pois bem.

Antes de irmos ao assunto (e este é um blog que nasceu prolixo e vai morrer prolixo; então, paciência), preciso fazer algumas menções honrosas desorganizadas. São elas:

Menções honrosas 17.5 is the loneliest number (ou: os discos que quase chegaram lá): Ambivalence Avenue (Bibio), Beware (Bonnie ‘Prince’ Billy), Dark days/Light years (Super Furry Animals), Farm (Dinosaur Jr), Jason Isbell and the 400 Unit (Jason Isbell and the 400 Unit), Jewellery (Micachu and the Shapes), Journal for plague lovers (Manic Street Preachers),  La Roux (La Roux), Living thing (Peter, Bjorn and John), Logos (Atlas Sound), Only built for cuban linx, part 2 (Raekwon), Phrazes for the young (Julian Casablancas), Wavvves (Wavves).

Menções honrosas 2 – Pratas da casa (ou: os brasileiros): só dois: Móveis Coloniais de Acaju (C_mpl_te) e Caetano Veloso (Zii e zie) , não necessariamente nessa ordem.

Menções honrosas 3Adorei o conceito (ou: valeu a tentativa): The crying light (Antony and the Johnsons), Discovery LP (Discovery), Embryonic (The Flaming Lips), Humbug (Arctic Monkeys), Popular songs (Yo La Tengo), Tentacles (Crystal Antlers) e Unmap (Volcano Choir). 

E antes que eu esqueça…Obrigado, não (ou: discos que não desceram): It’s blitz! (Yeah Yeah Yeahs), It’s not me, it’s you (Lily Allen) e Primary colours (The Horrors).

Sem mais preliminares, vamos à calçada da fama.

20. Actor – St. Vincent

Desconfie da aparência angelical de Annie Clark: este é um disco de superfície suave e sentimentos ásperos – um explosivo em tom pastel. Não me surpreendi com a descoberta de que delicadas punhaladas como The strangers e Actors foram inspiradas por Walt Disney… e Woody Allen.

19. The ecstatic – Mos Def 

É raro ouvir um disco de hip-hop como este, que desbrava o mundo com entusiasmo e curiosidade (uma das faixas, repare, é apelidada Life in marvelous times). Os versos se aventuram, mas é musicalmente que Mos Def dá o salto largo: do Oriente Médio ao Brasil, taí uma viagem que não passa no Discovery Channel.

18. Watch me fall – Jay Reatard   

Jay, o esquisito da vizinhança, cometeu com Watch me fall o pecado número 1 da indielândia: assumiu o amor pelo pop. Vítima do desprezo (previsível) de quem esperava mais agressividade que doçura, o disco arrisca ambições que vão além da cartilha punk. Ótimo saber que Jay tem a coragem (e o talento) para negar o óbvio.

17. I’m going away – The Fiery Furnaces

Em 2009, Matthew Friedberger se fez notar mais pelas alfinetadas contra o Radiohead que por I’m going away, um dos álbuns mais acessíveis do Fiery Furnaces. Mas a polêmica, acredite, serve como uma boa introdução para um disco que vê Nova York pela lente do otimismo e da simplicidade. Encare com o oposto de The eraser.  

16. Manners  – Passion Pit

Uma banda para nosso tempo: sem conhecer as fronteiras que separam o rock, o pop e a eletrônica, o quinteto brinca com sonoridades à prova de dogmas. E, melhor ainda, sabe se divertir. The reeling e Sleepyhead são alguns belos momentos de uma estreia mais segura (e densa) do que qualquer tinha o direito de esperar.

15. Middle cyclone – Neko Case 

Na capa de Middle cyclone, Neko Case está pronta para o ataque. Não é mera ilustração: no disco mais sortido da carreira, a musa pós-tudo cria canções que Sheryl Crow compraria com a alma – atrevidas e delicadas, convencionais mas imprevisíveis. Tudo muito simples (o disco foi gravado num celeiro!) e particular. Em síntese: um furacão.

14. Wolfgang Amadeus Phoenix – Phoenix  

Convenhamos: o Phoenix gravou pelo menos dois discos melhores que este aqui. Mas o pop também é uma questão de timing. E, em 2009, finalmente o mundo parece ter entendido a ironia quase britânica da mais americana entre as bandas francesas. Saiu com atraso, mas taí a trilha sonora definitiva para Maria Antonieta, de Sofia Coppola. 

13. Tarot sport – Fuck Buttons

Sem a megalomania dos filmes-catástrofe, o Fuck Buttons criou as mais sublimes cenas de explosão do ano. Cinematográfico, Tarot sport altera o estilo do duo (via eletrônica) sem abandonar o essencial: eles ainda nos atropelam com ruídos agressivos e nos fazem flutuar com melodias inesperadamente familiares. Do caos ao céu.

12. Post-nothing – Japandroids 

Vancouver pode ser uma terra desencantada: vazia e chuvosa, inspira pensamentos mórbidos. “Antes nós sonhávamos, agora nos preocupamos com a morte”, admite o Japandrois. Além de resumir à perfeição o desânimo de quem vive em cidadezinha assombradas, eles escrevem crônicas doloridas para jovens adultos. Ruidosas, claro.

11. Bromst – Dan Deacon

O segundo disco de Dan Deacon, um dos mais peculiares do ano, tem o design de uma montanha-russa especialmente perversa: provoca angústia, nos perturba com barulhos incômodos e obriga que sintamos o impacto de quedas bruscas e curvas fechadas. Não é fácil. Mas, ao fim do passeio, não há como negar: foi uma experiência sem igual.

Superoito express (12)

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jay

Devo admitir que ando ouvindo menos discos do que eu gostaria. Não sei o que acontece: se o problema é dos álbuns ou meu, mas o desinteresse existe, me consome e é quase total. Mantenho uma distância segura do meu iPod e, nos momentos em que não sou obrigado, ouço música numa única ocasião: quando estou dirigindo. Até a casa da minha namorada, levo uns 20 minutos. Para ver minha mãe, uns 35. Ao trabalho, 15. Gravei um CD-R com uns oito disquinhos e ele roda incessantemente, há algumas semanas, no CD player do meu carro.

Minto: ouço música também quando estou no apê e o silêncio pesa novecentas toneladas. Mas aí são os meus standards, os-da-ilha-deserta, selecionados rigorosamente (ou, explicando melhor, os 15 CDs que cabem na única estante da sala). Neste exato momento, ouço XO, do Elliott Smith, e depois dele virá Oh inverted world, do Shins. Ontem foi Sea change, do Beck – e tai um disquinho duro, que sempre, sempre me emociona da primeira à última faixa.

Bem. Mas, como o jogo aqui é comentar discos relativamente novos, vamos aos que rodam no meu carrinho arranhado, encardido e fedorento.

Watch me fall | Jay Reatard | 8 | Um sujeito que é conhecido há mais de uma década como uma espécie de Julian Casablancas podre, um garoto-problema do underground, não tem o direito de lançar um álbum assim (e pela Matador Records!): doce, transpirando uma loucura tenra, encantado por new wave e bubblegum. Como aconteceu com o mais recente do Against Me! (e, vejam que coincidência, com XO, do Elliott Smith), Watch me fall tenta negociar chamegos com um público mais amplo sem abandonar a integridade. E consegue. Os fãs mais antigos podem até se incomodar com uma certa polidez recém-adquirida, mas Reatard é daqueles que soam espontâneos (e anárquicos, ainda que por linhas tortas – e que acabam lembrando o Frank Black de Teenager of the year) mesmo quando interpretam uma espécie de canção de amor com aparência de hit de seriado de tevê. No caso, se chama I’m watching you, e é uma das melhores do disco. Reatard tem 29 anos e, cá entre nós, a carreira dele começa de verdade aqui.

Farm | Dinosaur Jr | 7.5 | É bem verdade que o Dinosaur Jr praticamente renasceu há dois anos graças às bênçãos da Pitchfork (e a um bom disco, Beyond, que dava um brilho na sonoridade garageira do início dos anos 90 com letras menos ingênuas), mas é com este Farm que essa nova fase começa a ficar interessante. Além de mais confiante que o anterior (repare a duração das canções, muitas delas pra lá dos cinco minutos), o disco mostra uma banda disposta a se surpreender, por isso jovem – mesmo quando repete aquela receita de bolo que conhecemos tão bem. Talvez sob influência do selo Jagjaguwar, que adora uma distorção sem rédeas (vide Sunset Rubdown), eles se soltam e saem com algumas das jams mais sólidas que já criaram. Isso sem contar que é o álbum mais melodioso deles – e há canções de franqueza verdadeiramente tocante, como Plans e Over it, perigosíssimas para quem tem por volta de 30, 35 anos.

Lungs | Florence and the Machine | 6.5 | No início soou criminosamente estridente, e juro que tive que tentar várias vezes antes de desistir e jogar meu carro contra o poste. Sobrevivi, estou de pé (firme e forte) e, por isso, tenho cacife para afirmar seguramente que este disco fica cada vez menos irritante – e que Florence Welch não vive apenas de tributos a Dolores O’Riordan (e, quando a terceira pessoa fez a comparação, jurei que colocaria neste blog – é uma sacanagem, ok, é uma sacanagem óbvia, tá, mas não deixa de fazer algum sentido). O bacana, no fim das contas, é notar como Florence consegue segurar um disco que tinha tudo para soar como uma colcha de retalhos de clichês de rock-fêmea, já que foi confeccionado por três superprodutores e lançado pela Island Records. De alguma forma, ela se sobressai e vence o furacão. Tem pulso, a moça.

Horehound | The Dead Weather | 6 | Jack White parece estar numa berlinda: depois de um disco do Raconteurs que soava como uma versão superproduzido do White Stripes, agora ele apresenta um projeto que parece uma fita demo do White Stripes interpretada por uma banda de bar depois das três da matina. Moral da história: por mais que tente, White não é nem nunca vai ser David Bowie. O Dead Weather tem integrantes do The Kills (Alison Mosshart), do Queens of the Stone Age (Dean Fertita) e do Raconteurs (Jack Lawrence), mas adivinha quem dá as cartas? O mais curioso é que as duas primeiras faixas, que não foram compostas por White, soam como hits perdidos do White Stripes (ou sobras inacabadas dos primeiros discos do Led Zeppelin, o que dá na mesma). O caneco de ouro vai para Hang you from the heavens, a única que decola.

Discovery LP | Discovery | 6 | É uma piada e deve ser encarada como tal: Rostam Batmanglij (Vampire Weekend) e Wes Miles (Ra Ra Riot) brincam de gravar hits de FM, com bitocas para Mariah Carey (So insane), os vocais frágeis (no bom sentido) do Postal Service (Orange shirt) e uma versão robótica e desmiolada, mas muito engraçada, para I want you back, do Jackson 5, que acaba ecoando o Daft Punk de… Discovery. E tem auto-tune. Os indies só querem se divertir.