James Gray

Adeus, 2009 | Os melhores filmes do ano (parte 2)

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Antes que eu esqueça (e seria ótimo se eu tivesse esquecido, mas infelizmente não consigo), os 10 insuportáveis do ano:

1. Os Normais 2 – A noite mais maluca de todas – José Alvarenga Jr.
2. Encontro de casais – Peter Billingsley
3. Se eu fosse você 2 – Daniel Filho
4. Diário proibido – Christian Molina
5. Austrália – Baz Luhrmann
6. Noivas em guerra – Gary Winick
7. W. – Oliver Stone
8. Velozes e furiosos 4 – Justin Lin
9. The Spirit – O filme – Frank Miller
10. Lua nova – Chris Weitz 

E, para fim de conversa, vamos ao top 10 (lembro que A bela Junie, de Christophe Honoré, não entra nesta lista por ter aparecido prematuramente na do ano passado). Obrigado pela paciência e Feliz Natal pra vocês.

10. O lutador – Darren Aronofsky

Vamos encarar assim: este poderia ter sido mais um filme sobre o martírio de um velho atleta (e, aí, não difere muito de Rocky Balboa). Mas, num impressionante curto-circuito entre ficção e realidade, Aronofsky acabou descobrindo que Mickey Rourke era o próprio personagem. Com a fúria de um cinema físico, em carne viva, resolveu filmar o transe. Que machuca o ator – e não livra quem está na plateia.

9. Deixa ela entrar – Tomas Alfredson

Em tempo de Crepúsculo e True blood, nenhum filme de vampiros soou tão inesperado quanto este longa sueco. Sem vocação alguma para o humor camp, Alfredson desenterra toda uma tradição do cinema e da literatura de horror para tratar de um tema nada sobrenatural: os medos que acompanham o fim da infância. Mais que o banho de sangue, é o lirismo que soa espantoso. 

8. Ervas daninhas – Alain Resnais

Desde o primeiro longa-metragem, Resnais teima em nos transportar para ambientes em que sonho, realidade, arte e memória formam uma só matéria. Mas teríamos que voltar aos anos 1980 para encontrar outro filme do mestre que, como Ervas daninhas, derruba tão alegremente (quase debochadamente) as certezas do espectador. É (quase) tudo ilusão, menos os sentimentos caudalosos dos personagens – e a vida, sim, é um romance.     

7. Polícia, adjetivo – Corneliu Porumboiu

Precisão: taí a palavra que abre a gramática de Corneliu Porumboiu. O diretor romeno confirma a promessa de A leste de Bucareste num filme que, com artifícios reduzidos ao mínimo, investiga com tamanho rigor as atividades banais de um homem comum (profissão: policial) que, no marasmo do cotidiano, identifica dilemas que dizem respeito também a nós: o quanto nós somos definidos pelo trabalho? Onde terminam as nossas convicções e começa a obrigação de cumprir as leis sociais? Qual é mesmo o significado da vida que escolhemos levar? Talvez seja necessário abrir o dicionário… 

6. Inimigos públicos – Michael Mann

O perfil de Michael Mann para o bandido-superstar John Dillinger é uma rajada de estilo. Como em O último dos moicanos, o cineasta não se contenta em contar a história da América: ele a revive. Com uma lente moderna (no caso, ultramoderna: as câmeras são digitais), interpreta um personagem simbólico com a complexidade que falta à média das fitas policiais: Dillinger é oportunista e sedutor, cruel e melancólico. Numa interpretação silenciosa, Johnny Depp atua como quem acompanha uma longa marcha fúnebre. Talvez o filme seja isto: réquiem para uma era.    

5. Aquele querido mês de agosto – Miguel Gomes

Que poderia ser chamado de A aventura. Miguel Gomes nos convida para uma jornada sem destino definido. Primeiro como documentário sobre os hábitos musicais de uma cidadezinha portuguesa, depois como uma ficção encenada por atores (escalados durante o processo de filmagem!), Aquele querido mês de agosto devolve ao cinema o direito de brincar.

4. Gran Torino – Clint Eastwood

Um western-de-vizinhança que revê a trajetória de Clint Eastwood (e por isso tem algo de Um mundo perfeito, Os imperdoáveis, Sobre meninos e lobos…) e, ainda assim, depura de tal forma o estilo do cineasta que acaba parecendo algo inteiramente novo: compacto, direto, sem arestas à mostra e, mais importante que isso, com um olhar cristalino para as tensões da América de hoje. Um filme que toma partido, que não se esconde. Se é isso que chamam de maturidade, só posso esperar com muita ansiedade pelos próximos. Go ahead, Clint.  

3. Beijo na boca, não – Alain Resnais

Injustamente desprezado pelo público brasileiro, este musical resume todo o poder de encantamento do cinema de Resnais. Não me pergunte como, mas o filme consegue conjugar um jogo metalinguístico sofisticado (e a questão parece ser esta: qual seria o efeito provocado por uma adaptação cinematográfica quase literal de uma opereta criada nos anos 1920) com os prazeres provocados por um bom musical hollywoodiano dos anos 1950. Talvez o tema tenha afastado o público, mas seria mais prudente dar a ele uma segunda chance: é um dos momentos mais luminosos do cineasta.   

2. Bastardos inglórios – Quentin Tarantino

Tarantino vai à Segunda Guerra Mundial, mas não abandona o balcão da videolocadora: num golpe aparentemente insano (mas que, visto de longe, parece até uma evolução natural do que ele desenvolvia até aqui), o diretor usa um dos Temas Sagrados da humanidade para mover a engrenagem de um cinema que nunca respeitou ninguém. A heresia pode não ter rendido a obra-prima que o diretor procurava, mas ele chegou perto: em Tarantinoland, os judeus têm direito a vingança – e o cinema salva o mundo. Quando sai o próximo ônibus pra esse parque de diversão?

1. Amantes – James Gray

Filmes como Os donos da noite e Caminho sem volta garantiram a James Gray um certo status de salvador do cinema policial americano. Em Amantes, que parece ter sido criado como uma resposta a esse fardo, o cineasta deixa o gênero de lado e sublinha o interesse por encenar apenas as relações humanas – amorosas, mas principalmente familiares. Daí nasceu um daqueles filmes profundamente simples e verdadeiros que raramente chegam às nossas telas. O cinema de Gray produz pequenos milagres (a cena em que os amantes conversam no topo do prédio, por exemplo), mas me emociona pela franqueza como encara as coisas da vida: a necessidade de amar, a carência afetiva, a dificuldade de crescer, o conforto familiar, o medo da solidão, as ilusões a que nos apegamos. Dá licença, serei brega: este é um filme para ser amado e vivido.

Logos | Atlas Sound

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atlasQuem acompanha obsessivamente a programação dos cinemas sabe o quão importante é topar num novo Tarantino. Ou num James Gray. Ou até numa animação da Pixar. São filmes que, de uma forma ou de outra, nos mostram que estamos certos: apesar dos inúmeros indícios de que estamos jogando boa parte da nossa existência no depósito de lixo das comédias românticas, as exceções nos garantem que sim, nós escolhemos a obsessão correta.

(E aposto: pescar, praticar tiro ao alvo e caçar alces são hobbies que podem se revelar tão frustrantes quanto)

Acontece algo parecido com quem ouve música compulsivamente, e estou aqui como testemunha de que, nesse caso, também é necessário perseverança. A estrada é sinuosa, meu irmão. Não são poucas as decepções que assombram o caminho de quem persegue a batida perfeita. Apesar da alta média de acidentes, a experiência deixa claro que, depois do centésimo lançamento do ano, fica fácil separar os Tarantinos dos Guy Ritchies.

Na música pop (e incluo aí o indie rock), os clichês também nos soterram, tiram nosso fôlego, arruínam nossos dias, nos condenam ao tédio abissal e quase nos convencem de que seria melhor virar o disco das nossas vidas e optar pela pesca, pelo tiro ao alvo ou por caçar alces (nem que por vingança).

Claro, há as exceções. E, como no cinema, elas nos revigoram. Tudo isso parece muito óbvio, mas é uma introdução necessária para explicar por que este disco irregular do Atlas Sound soa tão especial. É que a voz e as ideias de Bradford Cox soam genuínas. Funcionam, por isso, como um tipo de conforto. Depois de duas ou três audições, estamos prontos para enfrentar a Lady Gaga.

Afirmo sem medo de cometer um exagero: Cox é um dos maiores nomes do novo rock americano – um dos poucos que transitam por diferentes nichos sem deixar que essas mutações corrompam sua identidade. No Deerhunter, ele vai do shoegazing ao pós-punk com a naturalidade de quem não conhece as linhas que separariam uma denominação da outra (e, no fim das contas, as fronteiras não existem). Daí que, inevitavelmente (e felizmente), o Atlas Sound soa como uma filial do Deerhunter – por enquanto, Bradford Cox não consegue ser alguém diferente dele mesmo.

Mas tenta. O Atlas Sound foi criado para abrigar toda e qualquer produção de Cox que não coubesse no formato de uma típica “banda de rock”. O primeiro álbum, o ótimo Let the blind lead those who can see but cannot feel (2008), criava climas de pesadelo com elementos de ambient rock e de eletrônica minimalista. Era um álbum que soava coeso, quase claustrofóbico, com versos que pareciam desenrolados num fluxo contínuo de consciência e evocavam imagens de uma infância perdida. Trilha de filme de horror. O novo disco conta uma história diferente.

Com o tempo, o Deerhunter mostrou um interesse cada vez maior por estruturas convencionais de canção pop – e essa guinada, além de ampliar o público do grupo, deu em Microcastle, o melhor disco da banda (e uma névoa de ruídos rosados na linha de Loveless, do My Bloody Valentine). Seria natural esperar do novo disco do Atlas Sound, por isso mesmo, uma pose mais experimental. No entanto, acontece o oposto disso: Logos é o momento mais acessível e sortido de Cox – ainda que seja um projeto assumidamente errático.

Ao contrário da estreia do Atlas Sound, este leva ao pé da letra o formato de um “livro de rascunhos” (e o próprio Cox definiu o projeto como um sketchbook), com um apanhado disforme de canções órfãs que, num ponto de vista otimista, acabam revelando que Cox é um consumidor fominha de lançamentos musicais – um tipo como eu e você.

Logos é um disco mais permeável e indeciso que o anterior – ainda que, curiosamente, acabe soando até mais saboroso. Dá prazer de ouvir (e, muito francamente, é um disco que ouço com mais gosto que o recente do Flaming Lips). Como eu dizia antes, um Bradford Cox em modo despretensioso é o suficiente para nos curar de dezenas de sub-Animal Collective.

O álbum começa como se abandonasse lentamente a estação do disco anterior. The light that failed é um mantra psicodélico com violões, efeitos de eco e vozes repetitivas. A segunda faixa, An orchid, acrescenta uma melodia mais crua e simples a esse formato. Até aí, nada de novo. É na terceira música que o barco é engolido pela primeira onda: Walkabout pode ser encarada como uma versão remix de uma canção do Animal Collective. As marcas da banda são replicadas de forma tão cristalina que notei o parentesco antes mesmo de ter percebido que Panda Bear colaborava na faixa. O disco começa a se deixar transfigurar.

A partir daí, é uma surpresa atrás da outra: Criminals tem um quê de folk rock (ainda que pela lente embaçada de Cox, que vive sempre no mundo da lua), Attic lights soa como um lamento à PJ Harvey e Sheila, a revelação mais chocante do pacote, é uma cantiga de roda quase pueril, ainda que com tema dark (é como se um menino de seis anos jurasse amor eterno a uma menininha. “Vamos ser enterrados juntos para não morrermos sozinhos”, ele diz).

A segunda parte abre com um outro dueto, desta vez com Laetitia Sadier. Com oito minutos, Quick canal convida a vocalista do Stereolab para um transe à krautrock que pouco combina com o resto do disco. Mas o efeito é hipnótico. Depois, Cox volta lânguido em My halo e vai preparando o terreno para o ápice da viagem: Kid klimax parece sintetizar todas as experiências do álbum, bem no meio do caminho entre o pop eletrônico e a fixação psicodélica de Cox. É uma pedra lapidada. Sublime de verdade – e eu ficaria muito feliz se o vocalista decidisse levar o Deerhunter nessa direção.

Depois do clímax, o disco vai esmaecendo até chegar à faixa-título, outra que surpreende pela crueza. Se o álbum anterior do Atlas Sound mostrava o quanto Bradford Cox valorizava uma certa tradição da música pop – os discos “conceituais” -, desta vez ele se desprende das amarras e abre o ateliê para que o fã dê uma espiada. Logos é o retrato de um processo criativo caótico. E que vale por um documentário franco sobre as filmagens de um longa do Tarantino.

Do que estou reclamando mesmo?

Segundo disco do Atlas Sound. 11 faixas, com produção de Bradford Cox. Lançamento Kranky/4AD. 7.5/10

Os donos da noite **

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As primeiras imagens nos levam ao final dos anos 80, quando a polícia de Nova York saía em uma cruzada contra o tráfico de drogas – e ostentava o lema “we own the night”. Nessa guerra, dois irmãos habitam fronts opostos: o bon vivant gerente de boate (Joaquin Phoenix) se envolve com traficantes russos. Já o tira honesto (Mark Wahlberg) se empenha para desbaratar essa quadrilha. O confronto será inevitável – e sabemos disso, sabemos até cedo demais.

Já vimos esse filme antes, e não necessariamente em Os infiltrados. Mas o interessante é como James Gray toma essa trama manjada e a interpreta pelo olhar de um personagem entorpecido por conflitos psicológicos e familiares – a atuação de Phoenix, aliás, é espantosa. As cenas mais impactantes são cercadas por névoa, parecem rastejar na tela, dispensam artifícios fáceis e são encenadas para materializar um estado de espírito. O clímax, por exemplo, é o oposto do que se espera de uma fita policial. Não há catarse – a bomba não explode nunca.

Gray filma essa tragédia anunciada com muita elegância – que às vezes esbarra em um registro frio, e não chega a compensar as muitas obviedades da trama. Seria um caso de conquista lenta? Talvez melhore em uma revisão.