Isto não é um filme
top 10 | Os filmes de 2011
Depois dos rankings de Melhores Discos e de Piores Filmes do ano, chegamos às listas dos meus filmes preferidos de 2011. São duas. A primeira contém 10 filmes recentes que ainda não estrearam no Brasil. E a segunda, já tradicional, reúne os longas que foram lançados no nosso (lamentável) circuito de exibição.
Geralmente, em fins de ano, faço um top 20 dos meus filmes prediletos. Mas, em 2011, preferi me limitar a um top 10. Por isso, vocês não vão encontrar na lista alguns filmes de que gosto muito, como Melancolia, Cisne Negro, O Céu sobre os Ombros, Lola e Passe Livre. Digamos que eles tenham escapado por pouco.
Como sempre, a lista dos filmes que não estrearam é mais interessante do que a lista dos que estrearam. Vamos a elas.
Os 10 que não estrearam no Brasil
1 Oki’s Movie, da Hong Sang-soo
2 Mildred Pierce, de Todd Haynes
3 Drive, de Nicolas Winding Refn
4 The Day He Arrives, de Hong Sang-soo
5 Fausto, de Alexander Sokurov
6 Habemus Papam, de Nanni Moretti
7 Histórias da Insônia, de Jonas Mekas
8 George Harrison: Living in the Material World, de Martin Scorsese
9 Irmãs Jamais, de Marco Bellocchio
10 Era uma vez na Anatólia, de Nuri Bilge Ceylan
E os 10 que estrearam
10 Missão Madrinha de Casamento | Bridesmaids | Paul Feig
A melhor comédia do ano é a que tem os melhores personagens: hoje, quando lembro no filme, não me apego a cenas específicas (ainda que ele tenha pelo menos três gags hilariantes), mas numa protagonista que poderia existir, e me cativar, independentemente da trama. Se Hollywood deixasse, eu a acompanharia em mais duas, três sequências. Coproduzido por Judd Apatow.
9 A Pele que Habito | La Piel que Habito | Pedro Almodóvar
Talvez a provocação mais desagradável do repertório de Almodóvar, este monster movie nos atormenta com um punhado de cenas terríveis – todas elas, no entanto, ocorrem na imaginação do espectador. Às vezes é como se o cineasta criasse duas obras simultâneas: o melodrama polpudo de sempre e uma pensata bizarra sobre o poder de sugestão do cinema. O próprio filme é um espelho de dupla face.
8 Adeus, Primeiro Amor | Un Amour de Jeunesse | Mia Hansen-Love
Um conto trivial de adolescência (menina encontra menino, menino a abandona; e, anos depois, retorna), filmado com sensibilidade extraordinária. Hansen-Love não quer distância dos personagens. Como nos melhores romances romances literários, compõe tipos complexos e, ao mesmo tempo, muito comuns – que nos deixam com a boa ilusão de decidir, por eles próprios, os rumos da trama. Rohmer curtiria.
7 Bravura Indômita | True Grit | Joel e Ethan Coen
O western dos irmãos Coen está entre os melhores da dupla: mais um exemplo de adaptação literária que cria a impressão de dividir a autoria com os autores dos livros. Foi assim em Onde os Fracos não Têm Vez, muito atento aos espaços vazios da prosa de Cormac McCarthy. E é assim num longa que se movimenta como um conto de fadas lascado, cheio de poeira e afeto, à altura de Charles Portis.
6 O Garoto da Bicicleta | Le Gamin au Vélo | Luc e Jean-Pierre Dardenne
O cinema dos Dardenne costuma ser analisado pelo viés da ação, do movimento. Mas ainda vejo O Garoto da Bicicleta como um filme em que as cores cumprem um papel fundamental, num jogo de vermelhos, amarelos e azuis que cria um contraste forte com a condição do personagem principal, abandonado pelos adultos. E aí não custa usarmos o velho adjetivo que cabe à dupla: precisão.
5 Singularidades de uma Rapariga Loura | Manoel de Oliveira
Um Manoel de Oliveira que, como em Sempre Bela (o meu preferido entre os exibidos no Brasil em 2010) só parece pequeno: o que impressiona, novamente, é como um plano fixo tem o poder de abrir um mundo de significados. O que seria apenas uma adaptação suave de um conto de Eça de Queirós se mostra muito mais que isso: a moça na janela, reparem, não é só uma moça na janela.
4 Um Lugar Qualquer | Somewhere | Sofia Coppola
Se alguém resolvesse reunir os primeiros três filmes de Sofia Coppola numa antologia precoce, Somewhere seria um epílogo muito apropriado: ele depura (e explica, não sem algumas redundâncias) o olhar da cineasta; se livrando, por isso, de todos os acessórios (daí a impressão de que nada acontece na trama). Nesse processo, Sofia se desnuda como nunca antes. O meu preferido da diretora.
3 Isto não é um Filme | In Film Nist | Jafar Panahi e Mojtaba Mirtahmasb
Aparentemente, é o único filme que Jafar Panahi poderia ter feito nas condições a que estava submetido (em prisão domiciliar, condenado por se opor ao governo iraniano). Seria ingênuo, no entanto, tratar o longa como um manifesto ingênuo: com o amigo Motjaba Mirtahmasb, Jafar cria um filme livre, com narrativas sobrepostas e autoria compartilhada. O mais contundente dos protestos, portanto.
2 Cópia Fiel | Copie Conforme | Abbas Kiarostami
Um filme com tantas conotações que, mesmo depois de ter lido muito sobre ele, ainda não sei se sou capaz de entender tudo o que Kiarostami quer dizer. Admirável, acima de tudo, é como esse enigma tem uma aparência agradável: uma love story em belos cenários que vai sutilmente se contorcendo, se sabotando, aos olhos do espectador. Por fim, temos um ator e uma atriz, em movimento.
1 Tio Boonmee, que Pode Recordar suas Vidas Passadas | Apichatpong Weerasethakul
Já escrevi tanto sobre este filme – e ele aparecia no topo da lista dos meus favoritos entre os que não estrearam em 2010 – que corro o risco de ficar me repetindo. Mas, resumindo tudo, o que mais admiro em Tio Boonmee é o poder que ele tem de me deixar maravilhado (e aflito, mesmo numa segunda revisão) diante de personagens comuns e de situações cotidianas. Uma câmera em permanente estado de êxtase – e com a fé infantil de quem acredta em fantasmas.
mostraSP | dias 1, 2 e 3
Era uma vez na Mostra de São Paulo…
Pois bem, folks: aqui começa o meu já tradicional (e tradicionalmente desajeitado) diário da Mostra Internacional de Cinema de SP, que começou sexta-feira e termina em 10 dias.
Este ano, o desafio é o mesmo de sempre: assistir a uma quantidade quase torturante de filmes sem cair no pecado de abandonar a programação para me dedicar a, digamos, jardinagem – ou a uma maratona de stand-up comedies. Os filmes ruins drenam a minha vontade de viver. Já os bons, vocês sabem…
Estamos no quarto dia de Mostra. Infelizmente, este é o primeiro post sobre o assunto. Não deu tempo para começar antes. Sou um sujeito ocupado, mesmo quando de férias.
A seguir, vocês encontram resumos apressados sobre os filmes que vi até aqui. Alguns parágrafos são maiores (e mais generosos, e mais sensatos) que outros. Para facilitar o acesso a meu gosto tão peculiar, aplico aos comentários uma cotação que vai da letra D (de, digamos, doente) a A+ (de, digamos, absurdamente bom).
Para reviews instantâneas, escritas logo após as sessões, recomendo uma visita ao meu Twitter. Mas perdoe a bagunça, ok?
The day he arrives | Bukchon banghyang | Hong Sang-soo | A | Talvez num aceno para o Rohmer de Minha noite com ela (ou ao Woody Allen de Manhattan), Sang-soo usa desta vez uma fotografia em branco e preto que transforma cada cena numa espécie de postcard sentimental, de uma beleza quase falsa (veja foto acima). Uma atmosfera muito apropriada, portanto, para narrar o encontro de um homem com as memórias (boas e ruins) que associa à cidade onde viveu no passado. É melancólico e gentil como uma velha canção de Sinatra, mas também tem algumas das conversas-de-bar mais engraçadas que o diretor já filmou. Não está entre os meus preferidos dele, mas é perfeito para os iniciantes na filmografia de um cineasta que faz sempre o mesmo grande filme.
Isto não é um filme | In film nist | Mojtaba Mirtahmasb e Jafar Panahi | A | A existência deste filme já parece algo milagroso: confinado dentro de casa, em prisão domiciliar, Panahi mostra quase tudo o que precisamos saber sobre a vida no Irã. É o longa mais agressivamente político do cineasta, e, ainda assim, pode ser lido como um romance minimalista de Kafka. Também é, no entanto, um tanto enganoso: a encenação que, num primeiro momento, dá a ideia de um registro espontâneo (“é o que tem pra hoje!”), aos poucos se mostra mais autoconsciente do que imaginávamos. Daí descobrimos que estamos metidos num dia de fúria, que começa numa mesa de café da manhã e termina em chamas. Não só um filme, mas um filmaço.
Era uma vez na Anatólia | Bir zamanlar Anadolu’da | Nuri Bilge Ceylan | B+ | É um pequeno conto policial ampliado às paisagens vastas de um western e à dimensão de um livro de 600 páginas. O projeto de Ceylan é muito preciso (e nada muito singular): dilatar a trama para ressaltar a banalidade do cotidiano. O que não me convence é a forma como o diretor usa os personagens para extravasar um certo sentimento de mal estar em relação à violência, como se eles não estivessem acostumados a todos os procedimentos técnicos de uma investigação. Me parece forçado, em alguns momentos. O preciosismo dos enquadramentos (everything in its right place) já não me irritou tanto: é como se os jogos cruéis que as pessoas jogam, para Ceylan, não alterasse o curso sublime da natureza.
Pater | Alain Cavalier | B | Imagino o espanto que deve ter tomado conta dos espectadores da sessão de gala de Cannes quando este filme bateu na tela. Cavalier novamente se expõe às câmeras com a coragem de quem se candidata a um reality show, mas cria tantas camadas de encenação que a brincadeira se torna, por vezes, enervante. Uma equação talvez resuma o longa: um filme político + o ensaio para um filme político + o jantarzinho da equipe do filme político + um documentário sobre o gato de Cavalier + o blog do diretor.
O futuro | The future | Miranda July | C | Se você procura uma definição audiovisual para o termo hipster, ela está neste filme indie sobre personagens que sofrem porque são: 1. hipersensíveis, 2. especiais, 3. inteligentes, porém ineptos ao convívio social, 4. criativos, mas de um jeito louquinho, 5. conscientes em relação às questões ambientais do planeta, mas incapazes de fazer algo decisivo sobre o assunto, 6. outsiders, mas adoráveis, 7. fofos, mas também amargos (porque a vida é tristinha), 8. conectados ao mundo tecnológico, mas não muito confortáveis com o grande esquema corporativo das coisas, 9. fãs de indie rock e de música de brechó (na trilha: Beach House e Jon Brion), 10. cheios de amor pra dar, mas sempre prestes a sofrer decepções amorosas porque a vida, você sabe, é tão decepcionante.
A ilusão cômica | L’Illusion comique | Mathieu Amalric | C | Uma ideia interessante, ainda que nada singular (pergunte ao Baz Luhrmann): adaptar uma peça consagrada a um ambiente contemporâneo, preservando o texto original. Os ruídos entre diálogos/imagens são inevitáveis. Mas, no caso, também irritantes: Amalric filma como quem dá risadinhas para os entendidos; e, no desfecho, mostra que, para se aproximar de um Brian de Palma e dizer algo particular sobre as ilusões do cinema, terá que comer muitos croissants.
Um pouco mais perto | A little closer | Matthew Petock | C | Uma versão live-action para South Park, só que sem humor. Larry Clark, saudades de você.
Angèle e Tony | Alix Delaporte | C | Personagens opacos, aprisionados no formato padrão de um drama francês para sessões das 14h do Festival Varilux. Com as bordas arredondadas, daria um remake hollywoodiano com, por exemplo, Julia Roberts e Philip Seymour Hoffman.
Ways of the sea | Halaw | Sheron Dayoc | C | Denúncia social didática, com fotografia “bonita” que chama excessiva atenção para si. Nas Filipinas, também não tá fácil pra ninguém.
Artigas | Cesar Charlone | D | Telefilme aborrecido sobre herói uruguaio. Sérias restrições orçamentárias? As restrições criativas, no entanto, são mais preocupantes.
Apenas uma noite | Last night | Massy Tadjedin | D | Um editorial de moda (bonita cozinha, Keira!) habitado por gente rica/bonita – que sofre sempre de um jeito higiênico e perfumado.