Ironia
2 ou 3 parágrafos | Kick-Ass – Quebrando tudo
Vou abrir uma exceção e elogiar um filme de um cineasta que me parece nada talentoso. Matthew Vaughn produziu Guy Ritchie, fez Nem tudo é o que parece (um sub-Ritchie) e o tedioso Stardust. O novo dele, muito superior àqueles dois, é uma adaptação de quadrinhos que me ganhou como poucas outras. Então taí: vocês não devem esperar muito do próximo longa de Vaughn, mas recomendo feliz da vida este Kick-Ass (3.5/5).
Quem lê este blog sabe que sou um sujeito muito difícil para adaptações de quadrinhos. Acho quase tudo igual e me entedio. Por que meu voto vai para Kick-Ass, então? Talvez por não seguir as normas de segurança do gênero (não é um filme “família”, não é calculado para entreter a vovó, a netinha e o cunhado fã de AC/DC). Ou por não transformar as cenas de ação em demonstrações grotescas de efeitos visuais, explosões geladas de pixels. E aí acredito que Vaughn, apesar de não me convencer como cineasta (ele picota referências unânimes, de Stanley Kubrick a Quentin Tarantino, e fica nisso), tem o mérito de conduzir o filme com muita fluência – o oposto de um típico Guy Ritchie, portanto.
O filme é todo metido a contemporâneo (exagera no falatório sobre cultura pop, mas acerta, por exemplo, quando engendra a ação via YouTube, SMS, câmeras de celulares), mas o que me agrada nele são os traços mais convencionais – o traquejo como Vaughn nos apresenta os personagens e narra a trama. E isso, no cinema de entretenimento, deveria ser algo simples, corriqueiro, mas vá lá ver Príncipe da Pérsia e depois conversamos. Até as cenas de ação mais mirabolantes são narradas com clareza. Nada de montagem histérica e câmera tremida, mas outras ideias: jogo de luzes, plano-sequência, balé sangrento (Kill Bill é sampleado explicitamente). Nada exatamente novo, mas nunca confuso. Até o tom esquizo da narrativa (é sátira ou homenagem?) soa premeditado – é o delírio um velho fã de fitas de super-herói, que vê o antigo objeto de culto com um tanto de carinho, um tanto de vergonha. Não é complicado de entender.
Superoito express (16)
Heartland | Owen Pallett | 7
E o prêmio de aluno mais dedicado da classe vai para… Depois de compor arranjos de cordas para discos como Funeral (Arcade Fire), The age of the understatement (The Last Shadow Puppets) e The flying club cup (Beirut), Owen Pallett aposenta o codinome Final Fantasy, assina com a Domino Records (talvez o selo mais bacana do mundo) e sai do armário (artisticamente, pelo menos) num álbum que, se dependesse da torcida vip e das expectativas que provoca, teria acesso garantido às listas de melhores de 2010.
Heartland é uma sinfonia pop com uma premissa insólita: um fazendeiro grosseirão de um planeta fictício olha para o céu e, siderado, trava uma série de monólogos com seu deus. Com uma piração dessas, o Flaming Lips escreveria uma ópera psicodélica. Pallett é mais contido, polido e blasé (e, às vezes, pálido): mais Van Dyke Parks, menos Pink Floyd. A primeira metade do disco, à beira do pop, resume tudo o que o violinista faz de melhor – trilhas perversas para desenhos da Disney. A segunda, espaçosa, vai diluindo a trama num cartoon para adultos. Voo alto, mas errático. Ainda assim, não vai desapontar os fãs de Andrew Bird e Sujfan Stevens.
Odd blood | Yeasayer | 6.5
Um alerta: este pode soar como um disco projetado para dar alguma ocupação aos fãs do MGMT e do Empire of the Sun – psicodelia-chiclete em modo hiperativo, com surpresas reluzentes e superficiais a cada curva. Mas o trio de Nova York (que estreou bem com All hour cymbals, de 2007) leva um pouco mais a fundo o projeto de experimentar com elementos do pop e do underground, sem compromisso com nenhum dos dois times. Daí esquisitices muito alegres e saborosas como O.N.E. (que parece até homenagem ao Erasure) e o single Ambling Alp. A estratégia de distribuição explica muito sobre o álbum, lançado nos Estados Unidos pelo selo independente Secretly Canadian e nos outros países pela EMI. Vai ser impossível, por isso, não ouvir falar sobre eles em 2010.
End times | Eels | 5.5
Até os fãs concordarão que o “álbum de divórcio” do Eels soaria um tantinho mais tocante se lançado antes de pelo menos outros três discos dele que lidam mais ou menos com a mesma angústia (e com a mesma receitinha sonora). Para Mark Oliver Everett, a depressão provocada por desilusões amorosas é um standard. Por mais que as circunstâncias nos levem a admirar End times como um esforço corajoso e extremamente franco (separado da mulher, mais desamparado que cão sem dono, Mark se isolou no porão de casa, onde vomitou o álbum inteiro num gravador fuleiro), o resultado da terapia ocupacional soa como o lamento de alguém que acabou de sofrer um baque desses: os amores acabam e o mundo é cruel. Multiplique o drama por 14 canções.
Of the blue colour of the sky | OK Go | 5
Produzido por Dave Fridmann (Flaming Lips, MGMT), o terceiro disco do OK Go é a projeção em 3D de um filme mediano. Os efeitos especiais entretêm, mas não tente procurar mais do que isso. Fridmann, ainda enfeitiçado pelo sucesso do MGMT, segue maltratando uma fórmula que ajudou a criar com os Lips (o pai de todos esses disquinhos pop meio aguados e muito apelativos, acredite, é The soft bulletin). A banda o anunciou como um “álbum honesto e dançante, inspirado em Prince”. Previsível assim. Três discos, participações em trilhas sonoras, fã-clube no YouTube, tapete vermelho estendido por uma grande gravadora… Nada disso ajuda o OK Go a forjar uma identidade. Como alertaria o Eels, mundo sarcástico o nosso.