Ironia

2 ou 3 parágrafos | Kick-Ass – Quebrando tudo

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Vou abrir uma exceção e elogiar um filme de um cineasta que me parece nada talentoso. Matthew Vaughn produziu Guy Ritchie, fez Nem tudo é o que parece (um sub-Ritchie) e o tedioso Stardust. O novo dele, muito superior àqueles dois, é uma adaptação de quadrinhos que me ganhou como poucas outras. Então taí: vocês não devem esperar muito do próximo longa de Vaughn, mas recomendo feliz da vida este Kick-Ass (3.5/5).

Quem lê este blog sabe que sou um sujeito muito difícil para adaptações de quadrinhos. Acho quase tudo igual e me entedio. Por que meu voto vai para Kick-Ass, então? Talvez por não seguir as normas de segurança do gênero (não é um filme “família”, não é calculado para entreter a vovó, a netinha e o cunhado fã de AC/DC). Ou por não transformar as cenas de ação em demonstrações grotescas de efeitos visuais, explosões geladas de pixels. E aí acredito que Vaughn, apesar de não me convencer como cineasta (ele picota referências unânimes, de Stanley Kubrick a Quentin Tarantino, e fica nisso), tem o mérito de conduzir o filme com muita fluência – o oposto de um típico Guy Ritchie, portanto.

O filme é todo metido a contemporâneo (exagera no falatório sobre cultura pop, mas acerta, por exemplo, quando engendra a ação via YouTube, SMS, câmeras de celulares), mas o que me agrada nele são os traços mais convencionais – o traquejo como Vaughn nos apresenta os personagens e narra a trama. E isso, no cinema de entretenimento, deveria ser algo simples, corriqueiro, mas vá lá ver Príncipe da Pérsia e depois conversamos. Até as cenas de ação mais mirabolantes são narradas com clareza. Nada de montagem histérica e câmera tremida, mas outras ideias: jogo de luzes, plano-sequência, balé sangrento (Kill Bill é sampleado explicitamente). Nada exatamente novo, mas nunca confuso. Até o tom esquizo da narrativa (é sátira ou homenagem?) soa premeditado – é o delírio um velho fã de fitas de super-herói, que vê o antigo objeto de culto com um tanto de carinho, um tanto de vergonha. Não é complicado de entender.

Realism | The Magnetic Fields

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Desde o excelente 69 love songs, de 1999, o Magnetic Fields faz discos que, além de exercitar o estilo (inconfundível) de Stephin Merritt, podem ser interpretados como comentários sobre música pop. Distortion, de 2008, poderia muito bem ter recebido o apelido de Estudando o noise. E este novo, Realism, de Estudando o folk.

O rigor com que Merritt desenvolve esses projetos é digno de tese acadêmica: Distortion cita Psychocandy, do Jesus & Mary Chain; Realism faz referência ao trabalho do produtor Joshua Rifkin, de discos da Judy Collins. Mas o tom irônico das canções, e o minimalismo dos arranjos, nos faz cogitar se seriam brincadeiras com a nossa cara.

O que não deixa de ser fascinante. O disco lançado após 69 love songs (aos que não conhecem, um álbum triplo só de supostas canções de amor), i, era uma viagem em torno do pronome I (eu) — nem por isso, no entanto, um projeto confessional. Merritt joga com a ideia do “álbum conceitual” como quem cria pequenas instalações de arte contemporânea.

A sorte dele (e a nossa) é que esse jogo foi levado a sério. A partir de 69 love songs, o estilo telegráfico (e quase blasé, mas também doce, às vezes melancólico) de Merritt calhou de combinar com os gostos de uma nova geração nova-iorquina. Há sinais de Magnetic Fields no terceiro disco do Strokes e no segundo do Vampire Weekend. De alguma forma, as duas bandas colorem as ilustrações pontilhadas de Merritt.

Concebido como o “outro lado” de Distortion (num primeiro momento, os discos seriam chamados de True e False), Realism foi gravado com instrumentos acústicos e arranjos ora de canções folclóricas, ora com climas etéreos tão típicos do folk britânico do fim dos anos 1960. Às vezes soam como hinos de torcida, trilhas de filme de pirata, cantigas natalinas. Variações do tema.

As letras seguem misturando veneno com adoçante. You must be out of your mind poderia ter entrado em 69 love songs — e, sim, as situações narradas são de um realismo cruel. “Você acha que pode deixar o passado para trás? Você deve estar fora de si. Você acha que pode simplesmente apertar o rewind? Você deve estar fora de si, filho”, aconselha Merritt, com um sorrisinho no canto da boca.

Como em Distortion, os fãs da banda vão encontrar três ou quatro canções que estão à altura de tudo o que Merrit fazia há 10 anos — e isso, isso, garantirá ao disco alguma bajulação. Concordo que a existência de um compositor como Merrit é motivo de celebração. Mas até eu, que considero 69 love songs um dos 10 melhores discos dos anos 1990, desconfio que a banda está usando um ou outro gancho formal para desviar a nossa atenção do fato de que as novas composições são apenas ok.

Talvez no formato de um álbum duplo, o jogo de opostos criado por Merritt em Distortion/Realism soaria mais provocativo. Do jeito como se apresenta, fica flutuando entre o metapop esperto e a brincadeira inofensiva. Decepciona um pouco. Mas, até nisso, o sujeito é coerente: difícil escolher qual desses dois discos é o menos frustrante.

Nono álbum do Magnetic Fields. 13 faixas, com produção de Stephin Merritt. Lançamento Nonesuch Records. 6/10

Superoito express (16)

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Heartland | Owen Pallett | 7

E o prêmio de aluno mais dedicado da classe vai para… Depois de compor arranjos de cordas para discos como Funeral (Arcade Fire), The age of the understatement (The Last Shadow Puppets) e The flying club cup (Beirut), Owen Pallett aposenta o codinome Final Fantasy, assina com a Domino Records (talvez o selo mais bacana do mundo) e sai do armário (artisticamente, pelo menos) num álbum que, se dependesse da torcida vip e das expectativas que provoca, teria acesso garantido às listas de melhores de 2010.

Heartland é uma sinfonia pop com uma premissa insólita: um fazendeiro grosseirão de um planeta fictício olha para o céu e, siderado, trava uma série de monólogos com seu deus. Com uma piração dessas, o Flaming Lips escreveria uma ópera psicodélica. Pallett é mais contido, polido e blasé (e, às vezes, pálido): mais Van Dyke Parks, menos Pink Floyd. A primeira metade do disco, à beira do pop, resume tudo o que o violinista faz de melhor – trilhas perversas para desenhos da Disney. A segunda, espaçosa, vai diluindo a trama num cartoon para adultos. Voo alto, mas errático. Ainda assim, não vai desapontar os fãs de Andrew Bird e Sujfan Stevens.

Odd blood | Yeasayer | 6.5

Um alerta: este pode soar como um disco projetado para dar alguma ocupação aos fãs do MGMT e do Empire of the Sun – psicodelia-chiclete em modo hiperativo, com surpresas reluzentes e superficiais a cada curva. Mas o trio de Nova York (que estreou bem com All hour cymbals, de 2007) leva um pouco mais a fundo o projeto de experimentar com elementos do pop e do underground, sem compromisso com nenhum dos dois times. Daí esquisitices muito alegres e saborosas como O.N.E. (que parece até homenagem ao Erasure) e o single Ambling Alp. A estratégia de distribuição explica muito sobre o álbum, lançado nos Estados Unidos pelo selo independente Secretly Canadian e nos outros países pela EMI. Vai ser impossível, por isso, não ouvir falar sobre eles em 2010.

End times | Eels | 5.5

Até os fãs concordarão que o “álbum de divórcio” do Eels soaria um tantinho mais tocante se lançado antes de pelo menos outros três discos dele que lidam mais ou menos com a mesma angústia (e com a mesma receitinha sonora). Para Mark Oliver Everett, a depressão provocada por desilusões amorosas é um standard. Por mais que as circunstâncias nos levem a admirar End times como um esforço corajoso e extremamente franco (separado da mulher, mais desamparado que cão sem dono, Mark se isolou no porão de casa, onde vomitou o álbum inteiro num gravador fuleiro), o resultado da terapia ocupacional soa como o lamento de alguém que acabou de sofrer um baque desses: os amores acabam e o mundo é cruel. Multiplique o drama por 14 canções.  

Of the blue colour of the sky | OK Go | 5

Produzido por Dave Fridmann (Flaming Lips, MGMT), o terceiro disco do OK Go é a projeção em 3D de um filme mediano. Os efeitos especiais entretêm, mas não tente procurar mais do que isso. Fridmann, ainda enfeitiçado pelo sucesso do MGMT, segue maltratando uma fórmula que ajudou a criar com os Lips (o pai de todos esses disquinhos pop meio aguados e muito apelativos, acredite, é The soft bulletin). A banda o anunciou como um “álbum honesto e dançante, inspirado em Prince”. Previsível assim. Três discos, participações em trilhas sonoras, fã-clube no YouTube, tapete vermelho estendido por uma grande gravadora… Nada disso ajuda o OK Go a forjar uma identidade. Como alertaria o Eels, mundo sarcástico o nosso.