Interpol

Mixtape! | O melhor de setembro

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Não sei o que aconteceu com vocês, mas, para mim, setembro foi o mês dos pesadelos.

Muitos sonhos ruins, meus amigos. Quase um por noite, e de todos os tipos. Pesadelos realistas (como num filme de Christopher Nolan) e pesadelos loucos (como num filme de David Lynch); pesadelos sangrentos como os de A hora do pesadelo e pesadelos silenciosos, plácidos e, portanto, especialmente tensos.

A mixtape deste mês, como era de se prever, foi contaminada por essa aflição noturna. É a minha cara. Nem preciso escrever outros posts chorosos sobre o assunto: está tudo aqui. É a mais aflitiva entre todas as compilações que gravei. Algumas canções duram mais do que deveriam e nos carregam por trilhas sem iluminação. Outras sofrem de carência e solidão, se rasgam pela metade e caem em pedacinhos. E há as que explodem em ruído e fúria, saem correndo e não voltam para casa, etc.

Não é uma mixtape dócil.

Mas aí vocês vão me perguntar: “Tiago, por que eu gastaria meu tempo baixando e ouvindo um CD sobre pesadelos e aflições? Um CD que vai me deprimir, que vai me fazer sentir um sujeito miserável, que vai perturbar o meu sossego e mostrar sentimentos que eu não quero ver?”

Três motivos:

O primeiro: esta coletânea abre com a música que, por enquanto, é a minha favorita deste ano.

O segundo: a segunda faixa me acompanhou no decorrer deste mês complicado e, de alguma forma, explica tudo o que você leu neste blog durante o período.

O terceiro: esta é, de longe, a coletânea de que mais me orgulho. É toda desarranjada, um pouco estranha e arredia, onírica toda vida, com o rosto amarrotado de quem acabou de acordar; é desesperada, sente enjoos e perdeu os limites.

Lá dentro, você vai encontrar canções do Deerhunter (que gravou o meu disco preferido do mês, e por isso está na foto acima), do Blonde Redhead, do Grinderman, do Black Mountain, do Sufjan Stevens, do Maximum Balloon, do Chromeo, do Abe Vigoda, do Interpol e, finalmente, do Belle and Sebastian.

Spoiler: o desfecho, atendendo a pedidos, é otimista.

Espero que, mesmo estranhando a ausência das canções que despertam apreço imediato, vocês repitam a experiência pelo menos três vezes. São músicas que, na maior parte dos casos, não podem ser domesticadas – mas prometo que elas vão se revelar mais adoráveis do que você imagina.

A lista de faixas está, como de hábito, na caixa de comentários. Será bacana se vocês comentarem sobre o que ouviram. Isso me ajuda a ter ideias para outras coletâneas, entende? É importante. Vocês sabem o quanto é importante, não sabem?

Então taí. Engula a pílula e bons sonhos.

Faça o download da mixtape de setembro aqui ou aqui.

Interpol | Interpol

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Para mim, escrever sobre o novo do Interpol neste momento é uma espécie de tortura. Não que o álbum dê náusea ou enxaqueca. É que a discografia da banda pontuou todo o meu namoro. E essa história, vocês sabem, acabou de acabar.

Deveríamos pular este post, eu sei. Mas é só um texto de blog, não é? Então vamos.

Turn on the bright lights, de 2002, foi a trilha do período que antecedeu o namoro. O início antes do começo. Ouvimos esse disco no carro na noite em que nos beijamos pela primeira vez. Lembro que chovia e as pistas estavam escorregadias. Lembro também que a sonoridade do álbum — misteriosa aos nossos ouvidos — ecoava as descobertas daqueles dias. Tudo parecia novo e excitante, mas também um tanto cifrado, como no primeiro parágrafo de um bom livro.

Antics, de 2004, embalou a nossa primeira temporada juntos e (talvez um pouco por conta disso) é o meu preferido. Um álbum mais enérgico, um pouco mais generoso do que o anterior; uma banda mais apaixonada pelo som que consegue produzir. E um disco (desculpe o palavreado) teso.

Em Our love to admire, de 2007, algo saía dos eixos. O disco indicava cansaço. Comodismo. Desinteresse. Isso e todos os outros venenos que vão corroendo um relacionamento longo. Ainda assim, nos apegamos ao que ele (e o namoro) preservava dos bons tempos: espasmos de vigor (The Heinrich maneuver, Mammoth), de vez em quando paixão.

Depois assistimos a um show deles — e, como os discos, isso nos serviu de espelho. Vimos uma banda descendo a ladeira, lutando para manter uma química que parecia esgotada, inviável. Algo deprimente (mas seguimos em frente mesmo assim).

No início deste ano, o Interpol passou pela pior das crises: um dos integrantes, o baixista Carlos D, preferiu pedir a conta. Nós, inconscientemente, os acompanhamos. Nos distanciamos, nos perdemos. E, também por coincidência, o namoro terminou na semana em que o quarto disco do Interpol vazou na internet. Era o fim.

Comecei a ouvir o álbum nos dias seguintes à separação. Uma experiência difícil, é claro, mas também reveladora — que me explicou um pouco sobre as relações longas que, a todo custo, tentamos manter com as pessoas e com as bandas de rock que amamos.

O disco mostra três pessoas que talvez não deveriam estar ocupando o mesmo palco. Mas que ainda o divide — possivelmente a duras penas. Como em Our love to admire, as canções se arrastam, como se interpretá-las exigisse esforço. Mas, ao contrário daquele disco, não se nota um único estalo de entusiasmo. Trata-se de um longo telefonema de despedida — que demora 45 minutos e 53 segundos para terminar.

É também uma tentativa de acertar o passo, de remendar a relação, de simular um recomeço. O tipo de ato desesperado (mas legítimo) que não costuma dar certo. Não culpemos os apaixonados: depois de romper com a gravadora que lançou Our love to admire, o Interpol voltou ao antigo selo (a Matador Records) como quem reata com uma ex. É compreensível. Somos todos uns fracos.

Mas, nesse tipo de flashback, algo sempre se perde. No caso, falta ao Interpol a vivacidade dos primeiros discos, o desejo de tomar o mundo pela cintura, aquela sensação intensa de segurança que nos toma quando o nosso desejo é retribuído. O que sobra é uma banda mais adulta (inevitável), cheia de sequelas (também inevitável), mais melancólica e um tanto amedrontada com o mercado, com os fãs, com a música (o disco anterior foi rejeitado por parte dos críticos, e isso sempre deixa alguma marca).

Quando uma banda decide usar o próprio nome para apelidar um álbum, deixa a sugestão de que escreveu uma obra capaz de resumir toda uma trajetória. Para o Interpol, parece apenas um esforço de autoafirmação. Eles se olham no espelho e dizem: somos o Interpol, sobrevivemos e estamos de pé.

E certamente são. Há marcas neste disco que partencem a eles, apesar de todas as heranças. Muitas das canções, como Lights e Always malaise, vão se erguendo aos poucos para explodir em clímaxes que soam como os ensaios de uma banda cover do Pixies interpretando canções do Joy Division (Safe without, uma das melhores, é Frank Black sob efeito de propofol). E isso é Interpol.

Mas de pé? Não estão. Mesmo em canções tocantes como Memory serves e Success (que poderiam ter entrado em Antics), só consigo imaginar um Paul Banks de pijama, se arrastando no quarto depois do quinto analgésico, se recuperando de uma terrível dor de cotovelo. Talvez a fraqueza toda esteja na produção, da própria banda, que esvazia as canções e deixa todos os esqueletos à mostra. É um mar de ossos.

E são boas as canções, em grande parte mais elaboradas do que as do disco anterior. Memory serves é um exemplo de como a banda elegantemente apresenta as faixas: a cada minuto uma surpresa sutil, um desvio de rota, um elemento alienígena que engrandece os arranjos. Sedução lenta.

Mas como consertar o que está quebrado? Nenhuma bela canção esconde o quão corrompida está essa banda. Daí a tristeza que sinto ao ouvir este disco: ele é o retrato de um romance que perdeu o pulso; de um caso de amor que agoniza (a capa, aliás, explica tudo). O disco transpira a frustração de quem tenta resolver um impasse e não consegue. De quem quer voltar ao começo e não pode.

Uma tentativa ingênua, estúpida – mas que, no entanto, acaba soando tão genuína quanto as nossas.

Quarto disco do Interpol. 10 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Matador Records/Soft Limit. 6/10

Penny Sparkle | Blonde Redhead

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Pode soar como sabedoria de autoajuda, mas é real: há os discos que você escolhe amar e há aqueles que, por uma combinação de fatores incontroláveis, entram na sua vida sem que você permita.

Penny Sparkle, o novo do Blonde Redhead, é um desses que chutam a porta, que chegam sem horário marcado. Que vão se instalando.

Ouvi este disco na hora errada. Ou na hora certa. Ainda não sei. Mas suspeito que, no futuro, ele será lembrado (por mim, obviamente) como a trilha sonora dos quatro dias terríveis que abriram o meu mês de setembro, em 2010.

Aliás: que ano!

Talvez, em alguns meses, eu nem consiga ouvir esse disco novamente, já que ele soltará uma torrente de memórias doloridas. E será uma pena — é um bom disco.

Não um grande disco. Mas que (e o acaso é o responsável por isso) eu já colocaria, de pronto, na lista dos 500 que marcaram a minha vida. Na verdade, ainda está marcando.

Há bandas de rock que definem as próprias expressões faciais (os traços, as rugas, tudo isso) logo no primeiro disco. E há outras que não se definem nunca, que preservam identidades borradas, derivativas. É o caso do Blonde Redhead. Ouço a banda e penso em Fever Ray (lite), em Beach House, em My Bloody Valentine, até em Mazzy Star e The Delgados. Penso em toda essa gente; só não penso em Blonde Redhead. Quem é Blonde Redhead?

E eles estão no oitavo disco!

Não consigo nem ao menos entender as diferenças entre Penny Sparkle e o anterior, 23 (de 2007). Talvez elas não existam. São dois discos às vezes sedutores, muito cuidadosos, mas vaporosos.

Voltemos, no entanto, à minha experiência. Ela deu um sentido muito mais forte (um sentido até mais profundo) a este disco meio raso.

Nos quatro primeiros dias de setembro, foi tudo o que ouvi. Minto. Tentei provar o álbum do Interpol (desisti após duas audições, mas voltaremos a ele) e o do No Age (que me parece excessivamente longo, mas voltaremos a ele), mas acabei retornando inúmeras vezes ao Blonde Redhead. O danado se impôs.

E tudo por conta de uma música chamada My plants are dead, que aparentemente foi enviada de Marte para me maltratar. E ela não tem nada de sobrenatural: é Kazu Makino flutuando sobre uma neblina de sintetizadores, murmurando algumas frases depressivas sobre plantas mortas e sobre o fim do amor. Coisa triste. Hardcore. E, para mim, a canção mais comovente de 2010.

É claro que, se eu tivesse ouvido essa música antes ou depois daqueles quatro dias de setembro, ela não teria me devastado dessa forma. Mas é o tipo de canção que agrava qualquer fim de namoro: é como se Kazu dançasse nas ruas de uma cidade recém-destruída por uma bomba atômica.

Era isso o que eu sentia (e ainda sinto, espero que com um pouco menos de intensidade). O horror. Destruição. O vazio. Um campo desolado. E chuva fria, ácida (de sintetizadores metálicos).

Por mais que eu tenha vivido essa situação outras vezes, por mais que eu tenha alguma experiência no ramo das separações e das crises amorosas, fui tomado pela sensação física de que algo estava morrendo. Deve ser uma impressão universal.

Tantos posts foram escritos sobre separações (eu mesmo assinei alguns muito constrangedores) que prefiro não me esticar no assunto. Ainda não consegui refletir sobre o caso. Como eu disse, estou um tanto paralisado. Separações são sempre cruéis. A minha aconteceu porque não havia outra saída.

O complicado, para mim (novamente), é olhar para a minha vida e me perguntar: o que eu faço com isso? Por onde começo? Dá para consertar? Posso tentar de novo?

Tudo ainda sem resposta.

Os discos (novamente) me ajudam nesse processo. Esses primeiros dias foram de catarse, de desabafo, de tentar encontrar algum sentido em coisas que não necessariamente têm lógica ou guardam algum senso de justiça. Meus amigos me ajudaram. Estão me ajudando. Mas daí a importância de Penny Sparkle, que cumpriu o papel de um colchão duro onde me deitei e onde me senti um pouco desconfortável.

O disco foi gravado entre Nova York (a cidade onde o trio mora) e Estocolmo (o lar dos produtores Van Rivers and The Subliminal Kid, que trabalhou com Fever Ray). No site da banda, o guitarrista Kazu Mazino diz que o disco foi gravado num ambiente “onírico e muito chuvoso”. Soa assim. Não muito especial, mas soa assim. As quatro primeiras faixas, creio eu, renderiam o EP chuvoso mais bonito do ano.

Há quem acredite que álbuns melancólicos não sirvam para nada. Eles amplificam nossos dramas. Eles nos puxam para baixo. Eles nos infernizam. Eles se humilham. Para mim, discos como Penny Sparkle contêm um desejo enorme de libertação: encaram o monstro para se livrar dele.

É o que tento fazer neste exato momento. Ainda que, admito, não seja fácil.

Oitavo disco do Blonde Redhead. 10 faixas, com produção da própria banda e de Van Rivers and The Subliminal Kid. Lançamento 4AD Records. 7/10

Lights | Interpol

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No novo clipe do Interpol, pessoas estranhas fazem coisas esquisitas com objetos cortantes. Parece um episódio da Saga Jogos Mortais dirigido por um publicitário fã de David Cronenberg. Bizarro (e meio duvidoso) assim. O diretor, Charlie White, indica ter frequentado a escola do Mark Romanek: bizarrices fashion. E a música é um climão sem fim (lembra muito o Interpol do comecinho de carreira). Mas um alerta: aos alérgicos a lactose (como eu), será um clipe especialmente arrepiante.

50 discos para uma década (parte 3)

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Meio caminho andado, vamos à longa, tortuosa lista dos meus favoritos da década. Lembrando que é uma lista que não tem o objetivo (pelo menos não totalmente) de mapear o que de mais relevante e interessante foi lançado no período – no fim das contas, é apenas a relação dos discos que amo e guardo comigo.

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30. Yellow house – Grizzly Bear (2006)

Depois da estranheza inicial, já podemos tratar o Grizzly Bear como uma banda de indie rock não tão alienígena. O terceiro disco deles, Veckatimest (2009), afirma uma marca que hoje começa a soar talvez excessivamente familiar (melodias sideradas à Brian Wilson, coros texturas de acordes que sugerem paisagens exóticas e, acima de tudo, um desejo tocante pela canção mais sublime). Mas ainda é impossível esquecer o impacto de Yellow house, um transe folk que de vez em quando até produz  uma ou outra obra-prima pop. E tem Knife, uma das melhores canções da década. 

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29. Poses – Rufus Wainwright (2001)

Depois de uma estreia com queda pelo pop barroco, o segundo disco de Rufus Wainwright chegou cercado de expectativas. E ainda soa assim: como um testamento, um ato ambicioso de autoafirmação. Sem esconder-se em nichos, Wainwright adapta as próprias manias a um contexto pop. Com versos que beiram o rococó (um disco com imagens de príncipes e anjos malvados, enfim) e empostação às vezes quase operística, o cantor busca um lugar no mundo (e encontra) enquanto narra os pesadelos de celebridades amaldiçoadas pela própria beleza. No projeto seguinte, o duplo Want, essas e outras obsessões seriam amplificadas em formato widescreen. Mas o nascimento de um autor já havia sido registrado – aqui, em Poses.

superfurry

28. Rings around the world – Super Furry Animais (2001)

O álbum mais polêmico dos galeses (à época do lançamento, muitos trataram como uma jogada comercial que não deu tão certo), a estreia da banda numa grande gravadora é um blockbuster multicolorido que pareceria simplesmente ridículo se não soasse bem humorado, irônico e absolutamente criativo. Eles gravaram discos tão tresloucados quanto (Guerrilla, por exemplo), mas nenhum tão seguro das próprias sandices. Depois dele, a banda entraria numa fase de maturidade quase serena (e previsível). Mas o “álbum pop” do Super Furry Animals é o tipo de megalomania que compensa. The Who e Queen aprovariam (e eu lembro de ter passado três ou quatro meses ouvindo sem parar).

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27. Boys and girls in America – The Hold Steady (2006)

A crônica dos meninos e meninas da América encontrou um narrador: no rock americano, é Craig Finn quem mais entende as oscilações da juventude – os dramas, do tédio, do inferno e do paraíso. Ainda assim, poucos esperavam por um disco tão perfeito quanto Boys and girls in America. Depois de ter criado a trilha para as vidinhas triviais de uma turma de personagens mais-ou-menos desajustados (e também adoráveis, estúpidos, inseguros), o Hold Steady escreve os hinos de uma geração perdida. Os versos valem por si só (e Stuck between stations é emocionante do início ao fim), mas a banda envolve as narrativas com melodias que poderiam estar num dos grandes discos de Bruce Springsteen.

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26. Illinois – Sufjan Stevens (2005)

O grande disco de Sufjan Stevens é um estado inteiro: excessivo, caótico, contraditório e muito mais ambicioso do que teria o direito de ser. O impressionante é como o compositor consegue se colocar à altura de tanta ambição (e quem não abandonou o disco de primeira sabe que não há uma única faixa sobrando) e cria um álbum tão cuidadoso quanto emotivo e pessoal – um mapa sentimental para uma Illinois de monumentos imponentes, serial killers melancólicos e de lembranças que definem a aparência das paisagens. Provavelmente Sufjan não vai conseguir fazer nada igual. Mas tudo bem: já fez, e ainda soa inacreditável. 

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25. Franz Ferdinand – Franz Ferdinand (2004)

Entra na lista como um dos discos britânicos fundamentais da década (um sucesso comercial que influenciou meio mundo), mas não só por isso. Se todo o revival do pós-punk teve um quê patético, Alex Kapranos soube perfeitamente como tratar a febre indie com um sorrisinho ácido – e, no som do Franz Ferdinand, há tanto de Talking Heads e Gang of Four quanto de Damon Albarn e Jarvis Cocker. A estreia da banda pode não ter provocado a surpresa de Strokes e White Stripes, mas acabou produzindo alguns dos hits mais duradouros da década: a começar por Take me out, que ainda toca nas festas como se tivesse sido lançado há um mês. Os dois álbuns seguintes repetem o truque.

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24. Sea change – Beck (2002)

O Blood on the tracks de Beck Hansen é uma obra-prima do amor perdido. A história é velha: depois de sofrer uma crise sentimental, compositor grava um álbum de baladas confessionais e tristes. Quem tratou Sea change como uma dor de cotovelo passageira perdeu a melhor parte do drama: acostumado a calcular os próprios projetos como quem desenha maquetes para uma obra, Beck se arriscou a expor os próprios fantasmas sem abandonar a obsessão por álbuns de pop art, conceituais. Com influências de folk britânico e pop francês, o disco convoca Nick Drake, Air e Dylan para uma viagem ao fundo da noite. Nigel Godrich produz como quem escreve uma carta de amor – gentilmente. Depois disso, Beck voltaria aos bons tempos e (santa ironia!) gravaria os discos mais confusos e desconjuntados da carreira.

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23. Oh, inverted world – The Shins (2001)

O fenômeno mais surpreendente da década atendeu por The Shins, uma banda de New Mexico que, sem guitarras ruidosas ou hits do tamanho do mundo, se transformou no maior sucesso da Sub Pop desde o Nirvana. Quem explica? Ainda que alguém tente, é melhor lembrar que a “bandinha” ensinou algumas lições aos candidatos a Axl Rose: com 30 minutos de melodias delicadas, é possível ganhar o mundo. A aparência de total despretensão, no entanto, é enganosa: com o tempo, o indie rock econômico da banda revela uma precisão quase microscópica (e qualquer um dos discos da banda acaba soando atemporal) e apaixonante, atualização generosa do pop psicodélico dos anos 1960. Não é por pouco que Natalie Portman não desgruda dos headphones…  

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22. Blueberry boat – The Fiery Furnaces (2004)

O Fiery Furnaces começou a década como uma banda incompreendida e termina exatamente do mesmo jeito. Taí o preço que se paga por querer fazer as coisas da forma mais complicada. No primeiro disco, Eleanor e Matthew Friedberger viraram alvo de uma imprensa musical à procura de um novo White Stripes. Azar o dela. Blueberry boat coloca os pingos nos is. Uma ópera-indie em três dimensões, soa como o oposto perfeito de qualquer projeto de Jack White – e cria uma ponte inusitada entre The Who e Captain Beefheart. É um dos discos mais originais da década – mas quem tem paciência para canções de oito minutos que se desdobram em vinte outras melodias que se multiplicam em cinco refrãos inesquecíveis e descambam em três faixas que não deram certo? Não me pergunte.

interpol

21. Antics – Interpol (2004)

Antes de assinar com uma gravadora grande e diluir os próprios métodos, o Interpol era uma banda que interpretava o rock sombrio dos anos 1980 com o olhar de quem cresceu assistindo a Kurt Cobain na MTV. Turn on the bright lights provocou susto, mas foi com Antics que a banda se sentiu confortável para abrir uma fresta e escrever alguns dos novos clássicos de uma onda que recebeu o apelido genérico, e enganoso, de “novo rock”: Evil, NARC, Slow hands e uma abertura (Next exit) que soaria como um anticlímax se não fosse interpretada com tanta convicção. E isso, apesar de tudo, Paul Banks tem de sobra: ele canta como se estivesse na beira do precipício, e a gente acredita.