Innerspeaker
Innerspeaker | Tame Impala
Sempre me senti cúmplice dos discos febris, complexados, aqueles que ardem de dor e não se aguentam em pé. Talvez em contrapartida, não consigo esconder certa inveja (às vezes ocultada em despeito) dos álbuns confiantes, esguios, que falam alto e miram a garota mais bonita da festa. Eu os admiro, mas quase nunca entendo como eles funcionam.
Essa minha relação patológica com a música pop explica por que não consigo me conectar com o Kings of Leon (conheço dois ou três chapas que me lembram os irmãos Followill, e nunca tenho assunto para conversar com eles) e por que subestimei este álbum perfeitinho do Tame Impala, Innerspeaker, que foi lançado em maio e só chega a este blog agora.
Vou tentar não ser tão passional desta vez, ok?
Preciso ser honesto, no entanto (e este é um blog terrivelmente honesto, no fim das contas): tento me aproximar deste disco há alguns meses e, durante esse tempo todo, não consegui superar a impressão de que havia algo frio na pompa psych-prog, no escopo largo e caleidoscópico dessas canções. Não há, mas os meus preconceitos em relação às Bandas que Agarram o Mundo pelo Pescoço quase me fizeram a acreditar que eu estava com a razão.
Em matéria de ambição, o Tame Impala me transporta ao mundo em degradê (e, para mim, tedioso, quase insuportável) de bandas como Kula Shaker e The Music: os australianos também tecem um edredom espesso de referências psicodélicas dos anos 60 e 70, com algo de Beatles-67 e muito das primeiras experiências do Pink Floyd. Cada uma das faixas parece ter levado cinco anos para ficar prontas – exprimem obsessão com detalhes, zelo com arranjos e produção. Entre as referências, o quarteto também fala em Josh Homme e Beck, dois sujeitos que se importam tanto por melodia quanto por criar as atmosferas que as mereçam.
Quanto mais se ouve o disco, no entanto, mais se nota que essa aparência rococó esconde canções diretas e pegajosas, com a doçura onírica do garage rock britânico do fim dos anos 1960 (como tantas bandas, entre elas o The Coral, o Tame Impala deve muito ao box Nuggets, que restaurou a produção mais obscura da época). Três singles – Solitude is bliss, Lucidity e Expectation – têm refrões tão arredondados e acessíveis que justificam o lançamento do disco por um selo indie da Austrália ligado à Universal Music.
Selo indie + Universal Music = Tame Impala, e a equação explica quase tudo o que deveríamos saber sobre a banda.
Voltemos ao Kings of Leon, então: o Tame Impala tem em comum com os irmãos Followill o gosto muito sincero, legítimo, por um formato de canção e de álbum que agradaria a executivos de grandes gravadoras nos anos 70. São discos que em alguns momentos se arriscam, mas sempre retornam a um ponto firme de diálogo com um público mais amplo (um modelo mais parecido com aquele que rendeu What’s the story morning glory, do Oasis, do que para o que gerou obras do Animal Collective ou Beach House).
O Tame Impala me parece uma banda enorme e lucrativa que, por enquanto, é consumida por um público pequeno (mas eu não duvidaria nada se eles dessem o salto de popularidade que o Kings of Leon deu com os últimos dois discos).
Innerspeaker, a “certidão de nascimento” deles, é um disco correto em tudo. Quase inatacável. Tão correto que pode parecer um truque: alguns versos são sentimentais e frágeis, quase adolescentes (ouça Why won’t you make up your mind?), mas o tom do álbum é de uma segurança de doutorando. E, até para um sujeito como eu, que desconfia dos primeiros da classe, é empolgante acompanhar uma banda nova que está tão certa de onde quer chegar. Que é tão confiante e esguia e saudável.
Imagine isto: você é o responsável por uma sessão de testes de elenco para uma peça de teatro. Você testa um, dois, três, vinte atores. Eis que o candidato de número 26 não apenas cumpre rigorosamente as suas expectativas como mostra que aquele espetáculo é pequeno para um performer tão determinado. Você fica admirado, ainda que talvez não muito comovido, com a demonstração de técnica, esforço e talento.
O Tame Impala é assim: um aspirante aplicado, que parece ter estudado centenas de referências de pop rock e que as organiza como um catálogo de sentimentos fortes, ops, universais (cortesia do vocalista Kevin Parker). Há momentos em que se torna impossível evitar o contágio: faixas como It is not meant to be e Alter ego são de beleza quase sufocante, o tipo de veneno irresistível para qualquer roqueiro indefeso que se pegou chorando com uma canção de Brian Wilson.
Mas a diferença entre Wilson (e os discípulos mais autênticos e sangrentos de Wilson) e o Tame Impala é que, por enquanto, os australianos demonstram mais habilidade com a técnica do rock psicodélico do que com o desejo de espontaneidade siderada, de invenção louca, de viajar ao “lado negro da lua”, que os ídolos da banda demonstravam.
É aí que Innerspeaker passa a me perturbar: soa como uma jornada que não nos oferece tantos perigos. Mas que, é claro, admiro: sem muita comoção e com uma ponta de inveja, talvez por não encontrar nele os defeitos que eu esperava encontrar. Ou talvez por ser o tipo de disco precocemente maduro que eu nunca conseguiria fazer.
Primeiro disco do Tame Impala. 12 faixas, com produção de Kevin Parker. Lançamento Modular Recordings. 7.5/10
Lucidity | Tame Impala
Uma das bandas injustiçadas por este blog (mas aguardem, 2010 ainda não terminou), o Tame Impala gravou um belo disco (Innerspeaker) e alguns dos melhores clipes do ano. Lucidity é o que mais me impressiona: parece muito simples e, ao mesmo tempo, complicadíssimo. O último minuto é uma odisseia no espaço. Dirigido por Robert Hales.