Ilha deserta

Coquet Coquette | Of Montreal

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Crueldade! Canibalismo! Sangue! Pintura facial bizarra! Um faminto Of Montreal invade a nossa praia com um clipezinho que mostra o que aconteceria se um episódio de Lost fosse sabotado por piratas do mal. Um horror. Uma guerra. Um filme trash. Ainda não entendi direito o que essa canção aí tem a ver com a carnificina, mas não estou reclamando. A direção é de Jason Miller – que pega, mata e come.

Swim | Caribou

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Dan Snaith é PhD em matemática e vive numa família de acadêmicos. Mas, talvez como uma forma de vingança pessoal, grava discos que soam como o avesso de uma equação de física. A soma das melodias dá em resultados imprevistos, que não se repetem e, por isso, rejeitam a definição de um padrão. São o pesadelo de qualquer cientista.

Cada álbum de Snaith — que atendia por Manitoba, depois por Caribou — é uma biosfera instável, uma capítulo muito diferente do anterior. Daí que, para quem espera um novo Andorra, esta nova fase soará frustrante. Aviso logo: a nova aventura deixa para trás toda a atmosfera afável, de psicodelia sessentista (à Zombies, Beach Boys), que transformou aquele belo álbum de 2008 num pequeno rubi que todo mundo queria ter na estante da sala.

Os elogios ao disco foram unânimes. Para os mais pessimistas, o apogeu parecia representar o início de uma temporada mais tranquila para o músico. Ufa, aconteceu o contrário: o (relativo) sucesso inspirou Snaith a fazer as malas, pagar o bilhete e trocar o itinerário. Swim é um álbum de dance music.

Um gênero que, remodelado por um compositor que adora triturar clichês, é assimilado com absoluta liberdade. A transformação começou no planejamento do disco. Em vez de escrever as canções de forma linear (como aconteceu em Andorra), ele preferiu gravar pedacinhos de ruídos e melodias para, mais tarde, montar o quebra-cabeças. Durante o processo, descobriu que gostava das faixas mais dançantes.

Ainda assim, nada em Swim pode ser classificado de acordo com fórmulas de nichos dance. “As canções têm elementos que a dance music não costuma mostrar, ou não pode aceitar. Sempre sigo meus instintos, não me preocupo com gêneros”, disse Snaith. As canções são feitas de instrumentos que não soam como instrumentos, sons do ambiente, variações irregulares de volume, timbres exóticos e vocais que poderiam ter sido gravados de improviso. Não há como rotular essa sonoridade. É o que é.

Mas é, sem dúvidas, uma sonoridade com limites muito bem traçados. A ideia de um disco que soasse líquido, movediço (um conceito que acaba lembrando o formato de Person pitch, do Panda Bear), é praticada da primeira à última música. As faixas se movimentam em ondas baixas, às vezes atingindo ápices que quebram com força na areia (é o caso de Kaili, o clímax prematuro do disco).

Tal como Panda Bear, Snaith usa as técnicas da eletrônica com a sensibilidade de um fã de rock psicodélico. O fundamental, nos dois casos, é simular a sensação de transe, alucinação, sem abandonar alguns valores caros ao rock: os vocais emotivos, a melodia assobiável, a combinação de acordes que provoca amor à primeira audição (ou o efeito revigorante de uma barra de chocolate, caso de Odessa, lindona).

Depois da décima audição, não sei dizer se é um disco melhor ou pior do que o anterior. Snaith criou um ambiente tão trancado em si mesmo — no bom sentido — que as comparações perdem o sentido. Noto, apesar disso, que o compositor vai crescendo a cada disco, ganhando traquejo para criar faixas que duram o tempo necessário para obrigar que voltemos a elas.

E, se ainda não encontrei nenhuma canção tão tocante quanto Irene (a minha favorita de Andorra e uma das preferidas da década), os prazeres aqui são outros: o de flutuar no mar esverdeado de uma ilha virgem, selvagem, bonita de doer (mas impenetrável em certos trechos — nem todos os enigmas são moleza).

Não é uma onda perfeita. Mas duvido muito que Snaith procurava algo redondinho, previsível. Ele quer mais é cair na aventura. E quem quiser que vá seguindo.

Quinto disco de Dan Snaith/Caribou. Nove faixas, com produção de Dan Snaith. Lançamento Merge Records/City Slang. 8/10