Iggy Pop
Os discos da minha vida (21)
Esta saga musical abre 2011 com uma leve sensação de déjà vu. Foi mal. Sorry. Por aqui, tudo ainda muito parecido com 2010, o ano em que começamos a fazer contato com os discos que marcaram a minha vida.
Capítulo 21, hem. Quem diria. Mas notem que ainda nem chegamos à metade do trajeto. Foi um longo caminho até aqui, e ainda tem chão pela frente. Falta um bocado. A boa nova é que estamos no aproximando lentamente do extraordinário, do sensacional, do emocionante… top 50.
Aos caronistas que chegaram agora, lembro as regras da jornada: este é um ranking muito pessoal que não pretende, sob hipótese alguma, elencar os discos mais importantes, mais influentes ou mais respeitados da música pop. Não. O que está em jogo é o grau de afeto entre os álbuns e o sujeito mediano que escreve este o blog. Apenas isso. Uma lista monumental, mas totalmente desimportante – eis a ironia da coisa.
Compreenderam? Nada de cobrar lógica, coerência, sisudez ou vir reclamar que aquele disco joia do Teenage Fanclub ficou muito atrás daquele disco joia (mas SUBESTIMADO) do Pinback. Não vale. Se vocês me perturbarem com esse tipo de ladainha, entenderei o seguinte: vocês trabalham muito, estão sempre apressados e a falta de tempo impediu que vocês lessem as regras do jogo. Mas vou perdoá-los, meus chapas. Que este blog é uma mãe.
060 | Carnaval na obra | Mundo Livre S/A | 1998 | download
Samba esquema noise (1994), um dos aplicativos essenciais do mangue bit, é um disco mais relevante. Mas Carnaval na obra soa como um degrau mais alto: um álbum destemido, mas também descontente e desencantado, que espana os cacoetes do movimento que a própria banda ajudou a criar. Tem samba, mas é um carnaval cinzento. Cinema marginal. Descobri o disco numa época em que eu estava desiludido com a música brasileira. Me identifiquei completamente com o cavaquinho amargo de Fred 04, ele próprio um solitário, eternamente desconfortável dentro do nosso pop bronzeado. Um pouco mais tarde, em 2001, o Los Hermanos avisaria que Todo carnaval tem seu fim. Para mim, soava como notícia antiga. Top 3: A expressão exata, Ultrapassado, Édipo – O homem que virou veículo.
059 | The Stooges | The Stooges | 1969 | download
Um dos discos que despertaram em mim o desejo de tocar guitarra numa banda. Ouvi e concluí: é possível! Aprendi guitarra, mas o entusiasmo durou mais ou menos três dias. Depois descobri que ele é, junto com Velvet Underground and Nico e Doolittle, daqueles álbuns especializados em produzir grupos de rock. Entendo bem: a euforia rascante do disco nos parece elementar, ainda que não o seja. Voltei a ouvir há alguns dias e ele soa cada vez mais sofisticado: a produção de John Cale cria uma atmosfera de sujeira e aflição que nos transporta a um território perigoso, prestes a desabar. Tudo pensadinho para soar como um campo minado; rock malpassado, sangrando. Top 3: I wanna be your dog, No fun, We will fall.
Shadows | Teenage Fanclub
Tony Naylor, repórter do Guardian, defende neste artigo que as bandas de música pop deveriam gravar no máximo três bons discos e, para o bem da humanidade, saltar do barco.
Concordo com ele quando lembro de Oasis, Smashing Pumpkins e Hole. Mas aí discordo: há Beatles, Rolling Stones, David Bowie. E Animal Collective, que tem oito álbuns e continua nos surpreendendo.
Esses são exceções, vocês diriam. Pode até ser verdade (para cada Animal Collective, são 10 The Vines). Mas, quando evitamos as extremidades de provocações desse tipo, as coisas se tornam muito mais complicadas. Por exemplo: como fica o Teenage Fanclub, que, já longe do ápice (de álbuns belíssimos como Bandwagonesque, de 1991, e Grand Prix, de 1995), segue gravando discos muito dignos como este Shadows, o nono da carreira?
Resumindo: não confie em artigos que tratam a música pop como um conjunto de regrinhas esotéricas.
Mas voltando ao Teenage Fanclub. Numa primeira audição, Shadows pode parecer o disco autoindulgente que se espera de uma banda anciã. Os riffs ruidosos do início dos anos 1990 são aplacados por arranjos agradáveis e delicados, quase discretos, com amenas distorções de guitarras, decorados com pianos, violões, cordas e efeitos discretos de sintetizador. Tudo muito adulto e “sofisticado”.
Para quem conheceu a banda no início dos anos 1990 e depois a abandonou, será um choque. Nada de noise pop. Nada de rispidez lo-fi. Nada de power pop (alegremente) adolescente. Mas, antes que esse fã se decepcione terrivelmente e vá revirar o catálogo da Sub Pop, sugiro paciência. Ouça o disco novamente.
E admita: os escoceses têm todo o direito de gravar um álbum diferente daquele que faziam aos 25. Norman Blake, um dos principais compositores, tem 44 anos de idade. Sinceridade (e é o que vale, não?) continua um valor que eles levam muito em conta.
No mais, Shadows dá prosseguimento à virada de Man-Made (2005), um disco mais afinado ao indie elegante e gentil de bandas americanas como The Sea and Cake e de britânicas como o The Clientele do que da euforia reluzente de um New Pornographers.
Mas é claro que aparecerá quem diga que eles não estão se esforçando. Novamente, calma: dentro do gênero que resolveram habitar (e vamos chamá-lo de rock pastoral britânico, algo assim), eles tentam praticamente de tudo. Para os parâmetros do nicho, Shadows é um disco até bem sortido, com camadas de guitarras que batem feito feixes de melodia, se sobreponto uns aos outros. Sutileza, sutileza.
E não é um grande disco, antes que me perguntem. Tecer lindas melodias pop sem beirar a fofura gratuita não é um trabalho tão fácil quanto parece, e o Teenage Fanclub ainda oscila entre o memorável (The fall, The back of my mind) e canções amarrotadas, que passam sem dizer olá. Ouvi o disco cinco vezes e há algumas faixas que soam simplesmente transparentes (pode ser que isso mude, mas não apostaria nisso).
Há quem acredite que a história do Teenage Fanclub chegou ao fim há 10 anos (e tudo o que temos desde Howdy, de 2000, é um longo epílogo meio cinzento). Eu não vejo assim, pelo contrário: Shadows, ainda que não justifique a espera de cinco anos, aponta muitas possibilidades para um quarteto que optou por crescer junto com o seu público.
Que eles se transformem num novo Clientele — eu não me incomodaria.
E, de qualquer forma, o tempo passa (e notem que muitas das letras do disco lidam com memórias, arrependimentos, saudade, o passado). A barriga cresce. O cabelo cai. E há pessoas que não querem ser Axl Rose (pelo menos não para a vida toda). O fã de Bandwagonesque, já trintão, vai ouvir este disco no iPod enquanto faz compras no supermercado, leva os filhos no colégio ou calcula as prestações da geladeira.
E aí o Teenage Fanclub soará novamente como aquele bom amigo que nos visita de cinco em cinco anos – e que deveria voltar mais vezes.
Nono álbum do Teenage Fanclub. 12 faixas, com produção da própria banda. Lançamento PeMa Records/Merge Records. 6.5/10
Dark night of the soul | Danger Mouse e Sparklehorse
Posso ser simples e direto? Dark night of the soul é uma instalação coletiva de arte contemporânea. Audiovisual. Pós-moderna. E de bolso.
E é também (antes que eu esqueça), um projeto de música pop. Daqueles que David Bowie e o Flaming Lips adorariam ter gravado nos anos 90. E que será, inevitavelmente, acusado de tentar abraçar o mundo com as pernas. Em resumo: um álbum “de arte”.
Danger Mouse e o Sparklehorse escreveram os versos e melodias, que são interpretados por uma dezena de convidados. Inspirado nas canções, o cineasta David Lynch criou um livro de fotografias de 100 páginas. Atravancado por uma disputa judicial com a EMI, o CD talvez não chegue às lojas. Por enquanto, é distribuído gratuitamente via internet. O livro de Lynch vem com um CD-R em branco, a ser preenchido pelo leitor.
É uma obra que, ainda que não tão radicalmente quanto o disco quádruplo do Flaming Lips (aos que não lembram, Zaireeka só fazia total sentido quando ouvíamos os quatro CDs simultaneamente), será assimilada aos pedaços. Eu, por exemplo, ouvi todas músicas, mas não vi o livro de fotos. Olhei algumas imagens no site oficial. Desfocadas, esverdeadas e perturbadoras, elas me lembram os trechos mais abstratos de A estrada perdida. Para Lynch, aparentemente, este é um álbum de horror.
O título indica um tipo mais introspectivo de colapso. Por acaso, descobri no Wikipedia que a expressão “dark night of the soul”, inventada por um padre do século 16, é uma metáfora para períodos de profunda melancolia e solidão. Quando penso nesses sentimentos, lembro de discos como Pink moon, do Nick Drake, e Closer, do Joy Division. São noites escuríssimas.
Mas não é o caso. Repito: este aqui é, acima de tudo, um álbum pop.
Para Mark Linkous, o homem chamado Sparklehorse, o conceito soa familiar. Os mais belos discos gravados por ele — Good morning spider (1998) e It’s a wonderful life (2001) — são exatamente isso: jornadas na noite da alma. Principalmente no início da carreira, o americano fez do rock um confessionário cruel: escreveu versos de isolamento e melancolia. Ardidos de febre.
Brian Burton, o Danger Mouse, também não é o sujeito mais otimista do mundo. O segundo álbum do Gnarls Barkley, The odd couple, é pop maníaco-depressivo: melodias saltitantes para pensamentos autodepreciativos. Por isso mesmo, quando Burton produziu Linkous no disco Dreamt for light years in the belly of a mountain (2006, do Sparklehorse), o encontro pareceu menos estranho do que esperávamos.
Dark night of the soul é e não é uma continuação daquela. Todas as músicas combinariam com a interpretação agoniada de Linkous e carregam temas já explorados pelo Sparklehorse, mas também deixam a impressão de que foram escritas especialmente para os cantores e cantoras que as interpretam. O maior mistério do álbum está aí: como uma coletânea pode soar tão coesa?
Noto que a grande jogada de Danger Mouse é usar as marcas dos convidados como ornamentos para um núcleo sonoro que mantém-se imutável no decorrer do disco. Talvez seja por isso que, lá pela quinta ou sexta audição, tudo comece a soar um tanto unidimensional, apesar da variedade de vozes (quase todas tristes). Mas há ideias interessantes: chamar Jason Lytle, do Grandaddy, provoca quase um efeito cômico, já que seu jeito de cantar é parecidíssimo com o de Linkous. A participação do Flaming Lips também deixa essa impressão de homenagem enviesada.
Há diálogos mais sutis. Just war, com Gruff Rhys, caberia perfeitamente num álbum do Super Furry Animals — é de um colorido psicodélico marcante. Little girl, com Julian Casablancas, também surpreende: a faixa explicita o lado desiludido que do cantor que está implícito no repertório do Strokes. E James Mercer leva as fórmulas do Shins a Marte com Insane lullaby, a minha favorita do projeto.
Outras contribuições parecem perdidas no breu: a faceta mais garageira do disco, com Iggy Pop e Frank Black, é dispensável (Danger Mouse e Linkous simplesmente não se sentem à vontade nesse ambiente). E as vozes femininas de Nina Persson e Suzanne Vega não carregam o desespero que o restante do álbum sugere. Passam em brancas nuvens.
Isto é: Não é estamos diante de um Império dos sonhos (e não foi dessa vez que Danger Mouse, superficial que só ele, escreveu o álbum de soul music sombria que ele tanto tenta fazer). Mas é um disco que, pelo menos, oferece um trilha sonora até muito digna para aquela frase de F. Scott Frizgerald: “na verdadeira noite escura da alma, é sempre três da manhã”. No caso, uma madrugada fria. Numa fantasmagórica galeria de arte.
Projeto de Danger Mouse, Sparklehorse e David Lynch. 13 faixas, com produção de Danger Mouse e Sparklehorse. 7/10