Hugh Jackman

Etc | Hugh in Rio

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(Os eventos descritos neste post ocorreram no dia 6 de maio de 2009, quarta-feira, quando Tiago Superoito mandou-se para o Rio de Janeiro com a missão de participar de entrevista coletiva de Hugh Jackman no Copacabana Palace, iniciada pontualmente às 10h e encerrada por volta das 10h40)

1 | Linha Vermelha, caminho para Copacabana, interior do táxi, 9h15

TAXISTA – Ouvi falar que ele encontrou o Ronaldo, é verdade?

EU – Parece que sim.

TAXISTA – Não conheço os filmes. Do Wolverine. Quer dizer, conheço. Meu filho gosta. Só não faz meu gênero. Ação, aventura. Prefiro os épicos.

EU – Não é um bom filme. Esse último.

TAXISTA – Tanto faz. Mas eu adoro cinema. Adoro ver filme. Pra mim, filme é que nem livro. Você lê as legendas e vira um livro. Vai lendo as legendas e o bom é que termina em duas horas. E tem as imagens. Meu negócio é imagem.

EU – E livro, curte?

TAXISTA – Só os que têm figuras. Fico viajando nas imagens. Imagem é fogo.

EU – Mas não são muitos os livros que –

TAXISTA – Eu sei. Cada vez mais raro. Aí não leio. Vejo série. Me matei no 24 horas. O domingo todo. A merda é que o último episódio veio com defeito. O último. Fiquei puto. Dá pra saber como termina, mas mesmo assim.

2 | Salão do Copacabana Palace, coletiva de imprensa, perguntas que não deveriam ter sido feitas, 10h10

JORNALISTA – Se o Wolverine viesse pro Rio, o que ele faria primeiro: combateria o crime, fugiria para a floresta ou se apaixonaria por uma mulher brasileira?

3 | Copacabana, interior do táxi, 9h55

EU (tentando filosofar) – Mas carioca tem uma relação meio umbilical com a praia, tem não? Minha mãe é um caso típico. Fica longe do mar por um, dois meses e parece que vai pirando aos poucos. Vai surtando, coitada.

TAXISTA – Porra! Olha isso. Olha o sol. Olha essa porra desse céu. Olha essa merda. Olha. Não dá. Dá não. Minha mãe mora aqui em Copa. Faço corrida do Galeão, sempre do Galeão. Quatro, cinco por dia. Quando dá, coloco uma sunga e dou uma caidinha. Você trouxe?

EU – O quê?

TAXISTA – Sunga.

EU – Pra quê?

TAXISTA – Dar uma caidinha.

4 | Salão do Copacabana Palace, coletiva de imprensa, perguntas que não deveriam ter sido feitas, 10h35

JORNALISTA – Na vida real, Hugh, quais são as suas garras?

5 | Entrada do Copacabana Palace, externa, 9h55

EU – Vocês poderiam me informar se o Hugh Jackman já chegou?

FÃS – Huuuugggghhhhhhhhh. Lindooooo.

EU – Sério, gente, preciso saber.

FÃS – Huuuugggghhhhhhhhh. Lindooooo.

EU – Ok. Obrigado.

6 | Salão do Copacabana Palace, coletiva de imprensa, perguntas que não deveriam ter sido feitas, 10h20

JORNALISTA – Como é ser o homem mais sexy do mundo, Hugh?

7 | Casa da senhora minha mãe, Parkway, Brasília, interna, 20h20

IRMÃ AUSENTE – Mas como ele é pessoalmente, Tiago?

EU – Ele é um sujeito bem… típico, acho. Por um ângulo, parece um representante de classe, todo certinho, cabelo milimetricamente penteado, um mauricinho, sabe como é. Por outro, é um jogador de futebol americano daqueles filmes que a gente via na Sessão da tarde. Que veste camisa pólo marrom pra conversar com a imprensa. E distribui hot-dog pra criançada.

8 | Linha Vermelha, caminho para Copacabana, interior do táxi, 9h20

TAXISTA – Brasília? Já estive em Brasília. Uma vez. Pra nunca mais.

EU – O que aconteceu?

TAXISTA – Nada. Nada aconteceu. Só percebi que não era a minha. Pra nunca mais.

9 | Brasília, caminho para o aeroporto, interior do táxi, 5h45

TAXISTA DE BRASÍLIA – Faz parte do trabalho, isso? Acordar de madrugada?

EU – Faz. Nem sempre. Mas faz.

TAXISTA DE BRASÍLIA – E esse ator, o –

EU – Hugh Jackman.

TAXISTA DE BRASÍLIA – Não sei. É famoso?

EU – É o Wolverine. Do X-Men, conhece? Super-herói.

TAXISTA DE BRASÍLIA – Hum. É o que encontrou o Ronaldo?

10 | Salão do Copacabana Palace, coletiva de imprensa, generalizações e elogios gratuitos que soam patéticos até para um astro australiano boa-praça, 10h39

HUGH JACKMAN – Brasil? Man! One of my favorite countries!

X-Men origens: Wolverine

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wolverine3xe7

X-Men origins: Wolverine, 2009. De Gavin Hood. Com Hugh Jackman. Liev Schreiber e Ryan Reynolds. 110min. 5/10

Se geralmente não me interesso por filmes de super-heróis, por que insisto tanto neles? Seria uma forma de masoquismo?

Existe uma etapa da vida em que simplesmente abandonamos tudo aquilo que não nos agrada? Que aprendemos a passar à margem do que nos deixa insatisfeitos? Que desistimos em definitivo das segundas chances?

Quando esse meu dia chegar, temo pelos filmes de super-heróis.

Por enquanto, eles resistem. É que sou um sujeito curioso. E teimoso. Por isso volto regularmente a procurar um grande filme do gênero como aqueles surfistas que buscam a onda perfeita. Admito (sem achar graça nisso): ainda não o encontrei.

Os que mais me impressionam são aqueles que integram trajetórias de cineastas que me interessariam até se filmassem adaptações de Jane Austen. Tim Burton, por exemplo. Bryan Singer, apesar das pisadas na bola. Guillermo del Toro, e provavelmente vocês já entenderam onde quero chegar.

Sem um bom cineasta disposto a transfigurá-lo, o gênero me aborrece. Nada posso fazer contra isso. Provoca um efeito entediante que é superior à média de fitas de ação e comédias românticas que assisto a cada seis meses (e são muitas). Acompanhar as “histórias de formação” de super-heróis – aquelas narrativas que nos explicam detalhadamente como o sujeito aprendeu a voar, ficar invisível e quebrar vidros com o poder do pensamento – equivale a assistir a uma longa maratona de Gossip girl e Grey’s anatomy. Um inferno, acreditem.

Sei que estou na contramão do mercado, das bilheterias, dos lucros astronômicos de estúdios poderosos e tudo o mais. Posso viver com isso. Hoje em dia, vender um filmeco qualquer como uma “história de formação de super-herói” é meio caminho andado para faturar horrores. Sei. Entendo. Estou por dentro. Não penalizo o público por cair nesse conto vagabundo. Eu, que não sou ingênuo nem nada, estarei sempre na fila para assistir a qualquer ficção-científica sobre a destruição do planeta Terra. Somos todos culpados. E estamos quites nisso, ok?

Eis que…

Qual não foi minha alegria ao descobrir que a Fox Film inaugurou uma nova franquia de “filmes sobre heróis em formação”, e ela começa com Wolverine? Se cair no gosto do público (já estou fazendo figa para que todos se entediem profundamente e se sintam miseráveis, engasguem com pipoca e drops de menta etc), seremos atacados por outros contos sobre as primeiras experiências de tipinhos extraordinários.

Eu sei. Eu deveria desistir deles. Vocês têm razão. Vocês sabem. Mas insisto. E vejam bem: com o mesmo distanciamento que aplico a filmes de Ron Howard e Michael Bay, consigo analisá-los até objetivamente, sem paixão, sem ódio, sem nada. Vejo qualidades. Coço o queixo, pensativo. Desenvolvo hipóteses, desenho diagramas. Analiso. Como quem abre um hamster. Tanto que, em vários momentos, compreendo que tenho direito a desenvolver alergia a filmes eficientes e bem-intencionados, com boas idéias e cineastas esforçados. Consigo. Respeito. Mas não é o caso de Wolverine.

O processo de filmagem do longa de Gavin Hood foi tão acidentado (DVD pirata sem efeitos especiais? E demitiram o jornalista por causa de uma resenhazinha? Pff) que provavelmente tudo o que a Fox quer neste exato momento é que a crítica trate o filme como um produto correto, simpático, que cumpre requisitos e sai-se bem no teste do olhômetro. Um legítimo nota 6. Para mim, é apenas um longa que exibe em cada cena o quão dolorosamente matemático pode ser o processo de confecção de um blockbuster.

Vamos lá, sem inocência: isto aqui é um baita de um mutante gerado em dezenas de reuniões de executivos de estúdio. Hood já declarou que não se interessa nem nunca se interessou por revistas em quadrinhos (isso significa que até eu, antigo leitor de Batman e Chico Bento, poderia ter dirigido o filme!), e a falta de paixão fica bastante clara na tela. O cineasta não leva muito a sério o que está filmando – e, se despretensão conta a favor de fitas autoirônicas do gênero (como Hancock, taí uma de que gostei), parece deslocada num action movie que parece querer ser Batman begins quando crescer. Falta pompa, carece de ambições trágicas, no mínimo.

O próprio Hugh Jackman, também produtor, interferiu no roteiro. Dizem que o filme custou algo em torno de US$ 100 milhões. Imagino que 90% disso tenha sido investido nas cenas de ação, tão mirabolantes e radicalmente tolas quanto as de Velozes e furiosos 4. O restante da produção parece ter sido penalizado por um acabamento de quinta categoria. Os cenários são galpões amarelados, laboratórios subterrâneos, castelos medievais de parque de diversão, objetos gerados em computação gráfica e uma ou outra casinha isolada numa montanha canadense. Movimentar meus olhos diante da tela exigiu esforço.

Encarado como o piloto de um episódio de tevê, o filme parece até (aí vai, Fox!) correto e eficiente. Eu o exibiria no AXN por volta das 20h, antes de uma reprise de Lost. A vantagem, no caso, é que Hood e Jackman fazem o possível para não lambuzar o belo trabalho de Singer no primeiro X-Men. A proposta de ambientar a trama 20 anos antes dos eventos do longa original é boa, já que evita comparações desnecessárias. Toda a narrativa se desenrola antes do dia em que as memórias de Wolverine perdeu a memória. Pode ter sido apenas um sonho ruim, vá saber.

Pelo que lembro, o filme de Singer resumia com bastante precisão a origem de Wolverine. Ou pelo menos o que precisávamos saber sobre ela. Aqui, boa parte das informações parecem subaproveitadas. Por exemplo: quando criança, Wolverine matou acidentalmente o próprio pai. Mais crescido, se viu obrigado a lutar violentamente contra o meio-irmão. Quando encontrou a mulher dos sonhos, ela revelou perigosas segundas intenções. É uma vida de cão ou não é? É Shakespeare, é Bíblia Sagrada ou não é? Hood toma esses traumas e faz deles uma fita de aventura para adolescentes – inofensiva, dente-de-leite.

Outro exemplo: os mutantes que cercam Wolverine (sim, já que este suposto voo solo acaba se revelando mais um filme de mutantes). Quem são eles? O que eles contam? No final da projeção, fiquei perdido entre tantos coadjuvantes que parecem existir apenas para preencher sequências de ação. Mas aí vem a necessidade de apresentar uma galeria de personagens para satisfazer os fãs que, quando não lêem gibis, assistem a episódios de Heroes e reruns de Caminhos do coração. Essa gente.

Aliás, tai outra coisa que me irrita em filmes de super-heróis. Quase todos os argumentos levam em conta os fãs, essa entidade misteriosa. Quem são eles? Não faço idéia. Ao final da sessão, hoje pela manhã, um jornalista usou essa velha cartada para defender o filme:

– Os fãs vão gostar.

– Os fãs dos quadrinhos?, perguntei, intrigado.

– Não. Os fãs dos outros três filmes.

– E os fãs dos quadrinhos?

– Esses talvez não gostem.

– E as fãs do Hugh Jackman?

– Essas vão gostar.

– E os fãs do Gavin Hood?

– Não existe.

Deixei assim. Sempre deixo. É normal. Nunca encontro respostas para esse tipo de pergunta. Repito: quem são os fãs? Como eles decidem se gostam ou não gostam de uma adaptação cinematográfica? Eles se reúnem em congressos ultrasecretos, onde assinam conclusões definitivas? Escrevem declarações e fazem cópias em três vias? Debatem via MSN e Twitter? Onde eles estão? Onde moram? São norte-americanos, na certa, mas de que estado? São sócios de algum clube? Jogam golfe? Falam três idiomas? Formam uma espécie de seita? Sinceramente, ainda não sei. Sempre que alguém justifica o apelo de um filme pelo gosto dos “fãs”, me sinto enganado. Estou certo de que alguns fãs gostarão de Wolverine. E estou certo de que outros sairão do cinema decepcionados. Mas por que deveríamos levar isso em conta quando discutimos um filme?

Wolverine me pareceu um filme capenga e desastrado. Como tantos outros. Há bons atores, Hugh Jackman é um chapa carismático (talvez demais, já que o papel exige uma angústia que ele não sabe de onde tirar) e a trama é curta o suficiente para não cansar. Nada memorável. E sim, claro, nosso angustiado Wolverine passa por uma série de testes para descobrir que a vida é feita de escolhas e que às vezes Freud não explica e que grandes poderes trazem grandes responsabilidades e que…

Os fãs entenderão.