Hot Chip
Mixtape! | O melhor de janeiro
Janeiro foi assim (e não foi nada bom): encostas despencaram, carros patinaram em ruas ensopadas, milhares de miseráveis ficaram ainda mais miseráveis depois de um terremoto terrível, Eric Rohmer se foi, J.D. Salinger partiu, Jay Reatard desintegrou-se, Avatar afundou Titanic e eu sobrevivi. Cá estamos.
Como prometi em dezembro, aqui começa a saga (espero que longa) das coletâneas mensais. A primeira mixtape de 2010 chama-se, muito apropriadamente, Janeiro treme.
Para nossa sorte, o ano começou com uma enxurrada de discos interessantes. O melhor deles: Teen dream, do Beach House (e, de prêmio, a dupla ganhou a foto que ilustra este post!). Na segunda chamada, eu aumentaria a nota do álbum de 8 pra 8.5. Até o fim do ano, quem sabe não chega a 9? Mas o disquinho que provocou abalos sísmicos mais intensos aqui em casa foi mesmo Measure, do Field Music. Descomplicado e autêntico.
A seleção deste mês, que me enche de orgulho, começa suave e evocativa, vai ficando meio torta/esquisita e termina da forma mais sublime possível, com uma “novidade” do Elliott Smith. Espero que os interessados façam o download depressa. Não sei se o arquivo vai durar muito tempo.
Eis a tracklist:
1. Zebra – Beach House 2. The high road – Broken Bells 3. Who makes your money – Spoon 4. ONE – Yeasayer 5. One life stand – Hot Chip 6. We want war – These New Puritans 7. Giving up the gun – Vampire Weekend 8. The wheels are in place – Field Music 9. Cecilia Amanda – Elliott Smith 10. Angel echoes – Four TetFaça o download (via Rapidshare): Superoito Mixtape – Janeiro treme
One life stand | Hot Chip
Amigo: se você enfrenta as aflições de um namoro à distância, cuidado com One life stand. Pode ser brutal.
Este não soa como um daqueles álbuns de soul music que celebram um tipo romance que parece sexy ou róseo demais para ser verdade. Já na faixa-título, o Hot Chip avisa que é rapaz sério, direito, não quer saber de one-night stands e sabe que, à luz do cotidiano, histórias de amor nem sempre soam como uma balada da Beyoncé. Não. Nos namoros reais, é inevitável lidar com incertezas, desencontros e alguma melancolia.
Não é preciso ser cool para entender disso. Não é preciso ser adulto. Não é preciso ser muito inteligente. O Hot Chip, sabemos, é uma banda de electroindie formada por cinco nerds de Londres, Inglaterra. Eles sempre soaram juvenis, brincalhões, quase tolos (de uma forma saudável, que produziu hits marcantes como Over and over e Ready for the flood). E eles, veja, até eles entendem.
Depois de algumas paqueradas muito tímidas com a soul music (Made in the dark, de 2008, quase chegou aos finalmentes), o quinteto finalmente concretiza um projeto que estava quicando há um tempo: One life stand é a “love machine” do Hot Chip. Um álbum embriagado, mas não imbecilizado, de amor. James Brown e Sade podem até ter servido de (distante) inspiração. Mas o cotidiano do Hot Chip, mais realista, se aproxima da delicadeza eletrônica de projetos indie como o The Postal Service – ou da irresistível insegurança de um 808’s and heartbreak, do Kanye West.
Na prática, esse ingleses desajeitados são um pouco como nós, jovens adultos: depois de registrar em três discos um cotidiano dividido entre a fervura das pistas de dança e as madrugadas frias de quarta-feira, eles chegaram num ponto da vida em que os prazeres efêmeros pararam de provocar tanto efeito. Para um disco de amor, One life stand soa quase desencantado. Os vocais, chapados na frente da mixagem, não escondem a fragilidade de faixas que, mesmo quando deveriam soar positivas, deixam escapar um certo desespero. “Felicidade é o que todos queremos”, eles admitem, na canção de abertura. Mas nem eles parecem acreditar na vitória da utopia. No máximo, é sonho.
Em Made in the dark, a inspiração soul era traduzida sem muita convicção (os momentos mais fracos do disco são os supostamente mais sensuais). Com a coragem de encarar sua maior fragilidade, o Hot Chip deixa de lado até as brincadeiras rítmicas meio cerebrais que garantiam prestígio a eles. One life stand volta-se ao calor da disco music dos anos 1970 e à espontaneidade que existia nas primeiras gravações de house music. Procuram “alma” nas divas dance e no pop descomplicado (e descaradamente sentimental) de um Pet Shop Boys. De propósito, perdem a pose. Soam frágeis, com mais sangue e menos neurônios.
Em tese, é um esforço extraordinário de amadurecimento para uma banda que poderia muito bem ter se acomodado com o status conquistado entre os indies. Na prática, infelizmente, a catarse nem sempre cola: depois de uma abertura tocante (com quatro faixas que estão entre as mais vívidas que eles gravaram), eles acabam tombando em fragilidades de composição e arranjos que (se tivermos sorte) possivelmente serão resolvidas no próximo disco. Abrir o coração nem sempre justifica a falta de ideias musicais – e faixas como We have love e Keep quiet penam nesse processo.
A inconsistência do conjunto, no entanto, não ofusca o tom dolorosamente plausível da história de amor escrita pelo Hot Chip. Longe do formato típico de love songs, as canções da banda traduzem sensações de afeto, saudade, alegria e dor – às vezes, simultaneamente. Talvez eles estejam cansados de ilusões (musicais, até), tenham experimentado namoros à distância. Talvez tenham crescido (um pouco). Ou escreveram um disco inteiro como resposta a um álbum da Celine Dion. Aposto que até ela viveu algumas das emoções tão triviais – e fundamentais – narradas aqui.
Quarto álbum do Hot Chip. 10 faixas, com produção da própria banda. Lançamento EMI. 7/10