Hong Sang-soo

mostraSP | dias 1, 2 e 3

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Era uma vez na Mostra de São Paulo…

Pois bem, folks: aqui começa o meu já tradicional (e tradicionalmente desajeitado) diário da Mostra Internacional de Cinema de SP,  que começou sexta-feira e termina em 10 dias.

Este ano, o desafio é o mesmo de sempre: assistir a uma quantidade quase torturante de filmes sem cair no pecado de abandonar a programação para me dedicar a, digamos, jardinagem – ou a uma maratona de stand-up comedies. Os filmes ruins drenam a minha vontade de viver. Já os bons, vocês sabem

Estamos no quarto dia de Mostra. Infelizmente, este é o primeiro post sobre o assunto. Não deu tempo para começar antes. Sou um sujeito ocupado, mesmo quando de férias.

A seguir, vocês encontram resumos apressados sobre os filmes que vi até aqui. Alguns parágrafos são maiores (e mais generosos, e mais sensatos) que outros. Para facilitar o acesso a meu gosto tão peculiar, aplico aos comentários uma cotação que vai da letra D (de, digamos, doente) a A+ (de, digamos, absurdamente bom).

Para reviews instantâneas, escritas logo após as sessões, recomendo uma visita ao meu Twitter. Mas perdoe a bagunça, ok?

The day he arrives | Bukchon banghyang | Hong Sang-soo | A | Talvez num aceno para o Rohmer de Minha noite com ela (ou ao Woody Allen de Manhattan), Sang-soo usa desta vez uma fotografia em branco e preto que transforma cada cena numa espécie de postcard sentimental, de uma beleza quase falsa (veja foto acima). Uma atmosfera muito apropriada, portanto, para narrar o encontro de um homem com as memórias (boas e ruins) que associa à cidade onde viveu no passado. É melancólico e gentil como uma velha canção de Sinatra, mas também tem algumas das conversas-de-bar mais engraçadas que o diretor já filmou. Não está entre os meus preferidos dele, mas é perfeito para os iniciantes na filmografia de um cineasta que faz sempre o mesmo grande filme.

Isto não é um filme | In film nist | Mojtaba Mirtahmasb e Jafar Panahi | A | A existência deste filme já parece algo milagroso: confinado dentro de casa, em prisão domiciliar, Panahi mostra quase tudo o que precisamos saber sobre a vida no Irã. É o longa mais agressivamente político do cineasta, e, ainda assim, pode ser lido como um romance minimalista de Kafka. Também é, no entanto, um tanto enganoso: a encenação que, num primeiro momento, dá a ideia de um registro espontâneo (“é o que tem pra hoje!”), aos poucos se mostra mais autoconsciente do que imaginávamos. Daí descobrimos que estamos metidos num dia de fúria, que começa numa mesa de café da manhã e termina em chamas. Não só um filme, mas um filmaço.

Era uma vez na Anatólia | Bir zamanlar Anadolu’da | Nuri Bilge Ceylan | B+ | É um pequeno conto policial ampliado às paisagens vastas de um western e à dimensão de um livro de 600 páginas. O projeto de Ceylan é muito preciso (e nada muito singular): dilatar a trama para ressaltar a banalidade do cotidiano. O que não me convence é a forma como o diretor usa os personagens para extravasar um certo sentimento de mal estar em relação à violência, como se eles não estivessem acostumados a todos os procedimentos técnicos de uma investigação. Me parece forçado, em alguns momentos. O preciosismo dos enquadramentos (everything in its right place) já não me irritou tanto: é como se os jogos cruéis que as pessoas jogam, para Ceylan, não alterasse o curso sublime da natureza.

Pater | Alain Cavalier | B | Imagino o espanto que deve ter tomado conta dos espectadores da sessão de gala de Cannes quando este filme bateu na tela. Cavalier novamente se expõe às câmeras com a coragem de quem se candidata a um reality show, mas cria tantas camadas de encenação que a brincadeira se torna, por vezes, enervante. Uma equação talvez resuma o longa: um filme político + o ensaio para um filme político + o jantarzinho da equipe do filme político + um documentário sobre o gato de Cavalier + o blog do diretor.

O futuro | The future | Miranda July | C | Se você procura uma definição audiovisual para o termo hipster, ela está neste filme indie sobre personagens que sofrem porque são: 1. hipersensíveis, 2. especiais, 3. inteligentes, porém ineptos ao convívio social, 4. criativos, mas de um jeito louquinho, 5. conscientes em relação às questões ambientais do planeta, mas incapazes de fazer algo decisivo sobre o assunto, 6. outsiders, mas adoráveis, 7. fofos, mas também amargos (porque a vida é tristinha), 8. conectados ao mundo tecnológico, mas não muito confortáveis com o grande esquema corporativo das coisas, 9. fãs de indie rock e de música de brechó (na trilha: Beach House e Jon Brion), 10. cheios de amor pra dar, mas sempre prestes a sofrer decepções amorosas porque a vida, você sabe, é tão decepcionante.

A ilusão cômica | L’Illusion comique | Mathieu Amalric | C | Uma ideia interessante, ainda que nada singular (pergunte ao Baz Luhrmann): adaptar uma peça consagrada a um ambiente contemporâneo, preservando o texto original. Os ruídos entre diálogos/imagens são inevitáveis. Mas, no caso, também irritantes: Amalric filma como quem dá risadinhas para os entendidos; e, no desfecho, mostra que, para se aproximar de um Brian de Palma e dizer algo particular sobre as ilusões do cinema, terá que comer muitos croissants.

Um pouco mais perto | A little closer | Matthew Petock | C | Uma versão live-action para South Park, só que sem humor. Larry Clark, saudades de você.

Angèle e Tony | Alix Delaporte | C | Personagens opacos, aprisionados no formato padrão de um drama francês para sessões das 14h do Festival Varilux. Com as bordas arredondadas, daria um remake hollywoodiano com, por exemplo, Julia Roberts e Philip Seymour Hoffman.

Ways of the sea | Halaw | Sheron Dayoc | C | Denúncia social didática, com fotografia “bonita” que chama excessiva atenção para si. Nas Filipinas, também não tá fácil pra ninguém.

Artigas | Cesar Charlone | D | Telefilme aborrecido sobre herói uruguaio. Sérias restrições orçamentárias? As restrições criativas, no entanto, são mais preocupantes.

Apenas uma noite | Last night | Massy Tadjedin | D | Um editorial de moda (bonita cozinha, Keira!) habitado por gente rica/bonita – que sofre sempre de um jeito higiênico e perfumado.

Os filmes da minha vida (5)

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A saga mais inconstante da internet (sempre alguns atrasada, coitada) chega a mais um episódio, desta vez apressadíssimo. Os textos a seguir foram escritos entre um filme e outro da Mostra de SP, evento onde estou enfurnado desde sexta-feira.

Prometo posts sobre o que eu estou vendo por aqui, no festival. Prometo, mas não sei ainda quando vou cumprir. Talvez amanhã. Não sei. Aos que se contentam com reviews irresponsáveis, escritas imediatamente após as sessões, me seguir no Twitter pode ser um bom placebo (o endereço é este aqui).

E, já que a onda é ficar prometendo, vocês não perdem por esperar a mixtape de outubro, todinha no formato de uma soundtrack. Já é minha favorita de todos os tempos.

092 | A mulher é o futuro do homem | Yeojaneun namjaui miraeda | Hong Sang-soo | 2004

Há cineastas que mudaram a forma como eu lidava com a arte, com o cinema. E há os cineastas que gosto de reencontrar por uma questão de afinidade, e esses trato da forma informal e afetuosa como me dirijo aos amigos. Sang-soo tem lugar nesse grupo. Qualquer filmes do cineasta poderia ter entrado nesta lista (difícil escolher entre a melhor lembrança de uma amizade, e confesso que todas parecem pertencer a um mesmo longa-metragem; e é dessa forma que também lido com os filmes do Godard ou do Linklater), mas escolhi A mulher é o futuro do homem porque foi o primeiro: o encontro inicial, numa telinha de tevê, com legendas desencontradas e um tanto bêbadas (mais ou menos como os personagens da trama). Talvez não seja um dos melhores do cineasta (não ameaça as obras-primas Noite e dia, Oki’s movie e Conto de cinema), mas é quase igual a todos os outros. E, perto de um filme do Sang-soo, quase todo o resto do cinema passa a parecer um pouquinho falso.

091 | Presságio | Knowing | Alex Proyas | 2009

Um dos filmes que mais revi numa tela de cinema (quatro vezes; e aposto que, com um pouco de tempo livre, teria visto mais) colidiu contra a minha vida feito um efeito grotesco de CGI. Acabou se transformando numa piada que meus amigos contam para me provocar: eu entendo que Presságio não é um grande filme (lembro que nem chegou a entrar no meu top 10 de 2009), mas também compreendo o que me conecta a ele: não apenas o tema, que me atrai terrivelmente (sou um fraco para filmes sobre fim de mundo), mas a forma desembestada como a trama se movimenta, aceleradamente rumo às últimas consequências de um gênero que Hollywood se acostumou a tratar com certa covardia (e aí incluo o desfecho, valente de tão juvenil). Tem isso. E tem o fato de que uma lista de filmes da minha vida sem Nicolas Cage seria um pouco desonesta, é claro.

Superoito rápido e rasteiro (2)

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Like you know it all | Hong Sang-soo | 4/5

Este é o segundo filme de Hong Sang-soo que vejo (o outro foi A mulher é o futuro do homem, de 2004). Daí que não posso encontrar as semelhanças entre este Like you know it all e o passado do diretor (são muitas, dizem). E não sei se me incomodaria com elas. O longa retrata situações muito corriqueiras — em resumo: um jovem diretor de cinema frequenta festivais e conhece pessoas  -, mas taí um diretor capaz de olhar para o cotidiano com curiosidade, espanto e a franqueza de um diário. Acredite: neste filme a rotina às vezes parece tomada pelo clima siderado de uma ficção científica.

A divisão da trama em duas partes complementares acentua a impressão de que existe um subtexto misterioso que observa/provoca os personagens. Nada que se aproxime de um tipo banal de misticismo (vide Um olhar no paraíso) ou de filosofices supostamente líricas sobre destino e acaso (vide O segredo dos seus olhos). O diretor é sutil demais para cair nessas armadilhas, e parece entender muito bem os limites e as particularidades do próprio estilo. Estou quase convencido de que seja o único cineasta em atividade que faça justiça às comparações com Eric Rohmer. Próxima parada: Mulher na praia, de 2006.

Lake Tahoe | Fernando Eimbcke | 3.5/5

Por coincidência, logo depois de Like you know it all assisti a outro filme que enxerga as coisas corriqueiras da vida por uma lente torta. Mas, enquanto Sang-soo cria uma atmosfera de leveza à livro de rascunhos (ou de crônicas), o mexicano Fernando Eimbcke desorienta o espectador com uma meta muito precisa: ilustrar a confusão sentimental de um menino metido num drama familiar. O diretor vai tirando lentamente o véu da narrativa (que começa com imagens de uma cidade quase fantasmagórica, filmada em longos planos) até revelar a solução do “mistério” num tom mais carinhoso e pessoal do que poderíamos ter previsto. Muito bonito, ainda que um tanto calculado.

O segredo dos seus olhos | Juan José Campanella | 2/5

O típico candidato que o Brasil inscreveria para concorrer ao Oscar: um drama esguio e posudo (com o “requinte” de uma produção do James Ivory) que me deixou com a maior vontade de assistir a um filme com alguma fluência. Apesar do gosto por melodramas, o forte do diretor de O filho da noiva não é a sutileza (e, nesse ramo, não se aprende muito depois de 16 episódios de Law & Order). É assim, meio no tranco, que ele dá baixa num roteiro complicado (rocambolesco seria um bom adjetivo), que alterna duas tramas em diferentes períodos de tempo, esboça uma reflexão sobre o processo criativo e tenta mesclar uma investigação policial a uma história de amor e obsessão. Existe vida nas cenas finais, mas o filme mal dá conta de carregar o próprio peso.

Percy Jackson e o ladrão de raios | Chris Columbus | 2/5

Quem precisa de um novo Harry Potter? Eu é que não. Este Percy Jackson é um brinquedinho tão oportunista que poderia ter sido engraçado — na trama, que parece uma paródia do último livro da saga de J.K. Rowling, três amigos têm que encontrar pedras misteriosas para salvar o mundo —, mas o mix de mitologia grega, RPG, cosplay, X-Men, Lady Gaga e AC/DC me deixou com saudades de A bússola de ouro. Sério: desta vez, nem os jovens nerds vão (se) aguentar.

Um sonho possível | John Lee Hancock | 2/5

Se Preciosa é o “feel bad movie” da temporada, Um sonho possível usa mais ou menos o mesmo material sensacionalista (o drama de um adolescente negro, obeso, marginalizado, quase catatônico, que encontra um fio de esperança sabe-se lá como) para criar um “feel good movie” para torcidas de futebol americano. Quando Sandra Bullock (interpretando Julia Roberts) vencer o Oscar pelo papel da “mulher branca e bondosa”, você vai testemunhar a maior sandice da Academia desde a vitória de Gwyneth Paltrow por Shakespeare apaixonado. Vai ser triste. Mas já é inevitável.

Um olhar do paraíso | Peter Jackson | 1.5/5

Acusem-no de qualquer coisa (e assinarei embaixo), mas não venham me dizer que Peter Jackson é um sujeito de poucas ambições. O homem é destemido. Depois de se apropriar de Tolkien e King Kong, ele resolveu cruzar a última fronteira e, deus!, filmar o infilmável: o paraíso, o “outro lado”, o indizível, a vida eterna e tudo o mais. Um olhar do paraíso é um objetivo gigantesco disfarçado de “filme pequeno”, daí minha decepção ao notar o quão verdadeiramente pequeno este filme é. O diretor aposta tudo (e ele sempre aposta tudo) num projeto que dificilmente daria certo: encontrar certa harmonia (ou pelo menos um desequilíbrio interessante) entre um thriller PG-13 e uma meditação new age sobre a morte. Acontece que o suspense simplesmente não está lá — e não consigo ver muita diferença entre os delírios de Jackson e aqueles quadros kitsch vendidos em feiras hippie (ou entre este filme e o mortífero Amor além da vida). A menina morta vive nos anos 1970, mas essa não me parece uma justificativa convincente para a overdose de CGI flower power.