Hayao Miyazaki
No Twitter | 10/6 a 13/7
Uma compilação dos comentários-relâmpago sobre séries e filmes que postei no Twitter durante a semana. Em alguns casos, com adjetivos e interjeições que não couberam nos 140 caracteres. Nesta edição, só filmes. Com faixas-bônus e easter eggs.
(Pescando os textinhos no Twitter, notei que escrevi uma torrente de barbaridades durante a Copa do Mundo. Perdão, amigos, e até 2014)
A mulher sem cabeça | La mujer sin cabeza | Lucrécia Martel | 4/5 | Daqueles grandes filmes de mistério em que o detetive é o público. Cada cena é essencial (ainda que, numa primeira impressão, possa sugerir um torto fluxo de consciência). Não se apresse usar o rótulo ‘lynchiano’ – antes, note as sutilezas de uma trama menos delirante do que as aparências indicam.
Um lago | Un lac | Philippe Grandrieux | 4/5 | Grandrieux tem todo um ambiente exótico à disposição (é um mundo congelante, e deslumbrante), mas prefere usar a câmera para ampliar sentimentos: amizade, amor, relações familiares, ciúmes, dependência, isolamento e solidão. Cada uma dessas palavras é encenada com tanta precisão que, em alguns momentos, passei meus olhos pelo filme como quem vira as páginas de um dicionário: as nossas emoções, capítulo 1.
Nausicaä of the Valley of the Wind (1984) | Hayao Miyazaki | 3.5/5 | Que poderia se chamar ‘James Cameron’s wet dream’: lições de ecologia + imaginação febril. Mas tudo bem (do que estou reclamando mesmo?): um tempo depois, Miyazaki revisou a ideia em A princesa Mononoke – esse sim, um assombro.
A Riviera não é aqui | Bienvenue chez les Ch’tis | Dany Boon | 2.5/5 | 80% das piadas se perdem na tradução. O que resta é uma comédia gentil (e quase singela) que não chegou a me irritar.
Encontro explosivo | Knight and day | 2/5 | Os atores se divertem mais do que o público. Mas são pouco exigentes e, por isso, senti alguma vergonha alheia: Cruise & Diaz, vejam que constrangimento, não superam o patamar de Brad & Angelina (Sr. e sra Smith) e Harrison Ford & Anne Heche (Seis dias e sete noites).
Patrik 1.5 | Ella Lamhagen | 2/5 | Os atores até enganam, mas as situações são tão forçadas que me lembraram as comédias românticas mais tolinhas. Bobagem.
2 ou 3 parágrafos | Como treinar o seu dragão
Esta boa animação digital da Dreamkworks (3/5) bem que poderia se chamar Como sobreviver no mundo de Avatar. Os diretores de Lilo e Stitch, mais espertos do que imaginávamos, entenderam a lição de James Cameron: usam o 3D como elemento criativo, essencial à narrativa.
Os personagens do filme são vikings que enfrentam dragões. Os monstrengos voam alto, dão piruetas. E é como se voássemos com eles. Parece um detalhe bobo, mas poucas fitas do gênero se beneficiaram tanto da tecnologia para nos transportar a um ambiente fantasioso. Em alguns trechos, parece até que os diretores se entusiasmam com o truque, curtem a brincadeira. Não vi nada parecido em Up – Altas aventuras, nem em Monstros vs. alienígenas, muito menos em A era do gelo 3. É um avanço.
No mais, Dean DeBlois e Chris Sanders vão ao trabalho (isto é: confrontam a Pixar) com as armas menos vulgares: a exemplo de Wall-E e Up, vão buscar no cinema de Hayao Miyazaki uma pincelada de lirismo que dá uma outra dimensão à amizade entre o menino outsider e o dragão com fama de mau. Nada muito pessoal, é claro (aliás, quando é que vão lançar Ponyo no Brasil?). Estamos falando de uma animação by the numbers (tudo é fórmula: a narração em off, os coadjuvantes engraçadinhos, o motivo romântico etc). Mas é um alívio notar que os estúdios querem bancar a “revolução” de Avatar: não tenho muito a reclamar de filmes que levam a sério tanto o 3D quanto esse tipo honesto de sentimentalismo, à japonesa.
2 ou 3 parágrafos | Ponyo on the cliff by the sea
O filme deve ser lançado aqui no Brasil só em outubro, por isso serei mais ou menos breve e bastante superficial (se bem que, no caso de uma animação de Hayao Miyazaki, isso é quase um crime). Lendo tudo o que escreveram até agora sobre Ponyo on the cliff by the sea (8/10), não consigo vê-lo simplesmente como uma tentativa de retorno do cineasta ao espírito de Meu vizinho Totoro, ainda que seja um projeto claramente identificado com o universo infantil. Apesar da premissa (que sugere uma versão oriental de A pequena sereia, o conto de fadas) e do visual em tom pastel, é um filme tão siderado quanto os três longas anteriores do diretor.
Em um resumo bem rasteiro e enganador, a trama narra a amizade entre um menino de cinco anos e um peixe que, depois de fugir do oceano, se transforma numa menina. Parece simplezinho, mas Miyazaki faz com que detalhes surrealistas alterem toda a nossa percepção da trama. A fábula é encenada num ambiente habitado por extravagantes deuses marinhos (e peixinhos com feições de criança) e atormentado por ondas em formato de imensos cardumes, que aprisionam cidades inteiras em bolhas gigantes. Um sonho bizarro, como os outros, só que em azul-bebê.
E um delírio (como de hábito) bastante lírico, coberto pela névoa que é a excelente trilha de Joe Hisaishi e com todo um subtexto de conflitos domésticos que rende uma das mais belas cenas compostas pelo diretor – com flashes de luz, o pai marinheiro se comunica com o filho, que o espera na janela de casa. Não é tão complexo quanto A viagem de Chihiro. Mas que deslumbra, deslumbra.