Gus Van Sant

cine | Inquietos

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Este tearjerker adolescente – e, em certa medida, sobre a adolescência – é um filme em conflito: instala uma batalha entre o mais esquemático dos roteiros (escrito pelo estreante Jason Lew; guarde este nome e tome cuidado da próxima vez) e um cineasta que seria capaz de filmar com suavidade & segurança até o episódio mais torturante da, digamos, saga Crepúsculo.

E ninguém precisa trazer para a cena do crime os nomes dos produtores Ron Howard e Brian Grazer. Inquietos é um filme (em grande parte) de Gus Van Sant.

O diretor se deixa notar logo na primeira cena, quando uma câmera leve se movimenta sobre a cidade ao som de Two of Us, dos Beatles (e é notável como essa melodia define a atmosfera do filme). Também aparece na fotografia de Harry Savides, toda ela em tons cinzentos porém amenos, sempre em harmonia com personagens que também parecem flutuar numa dimensão mágica, entre a vida e a morte. São imagens que justificam os adjetivos mais genéricos: bonitas, sensíveis, delicadas, tristes.

Digo mais: o Van Sant de Inquietos me parece mais consciente dos próprios recursos e das próprias limitações que o de Gênio Indomável. Ou o de Encontrando Forrester (para ficarmos em dois outros filmes cujos roteiros ingênuos parecem brigar com o talento do cineasta). O que se vê, hoje, é um diretor adulto: o tom que ele adota diante da narrativa é preciso, corretíssimo, e não imagino uma forma mais digna de se filmar este roteiro (ainda que eu consiga imaginar centenas de opções muito piores).

Este filme, no entanto, não é apenas o olhar de um autor para um determinado tema. Também não é somente um desfile de estilo; uma bela direção de fotografia, uma trilha sonora supostamente de bom gosto (ainda que, aos meus ouvidos, totalmente irritante: uma seleção de indie folk escolhida aleatoriamente na lojinha do iTunes). Não é só isso. Este filme lida com um roteiro que preenche quase completamente a narrativa, e exerce um peso sufocante sobre ela. A trama e os personagens ocupam cada flanco da metragem – não há, como havia em Paranoid Park ou em Elefante, muito espaço para as digressões e aventuras de Van Sant.

O diretor, por isso, trabalha desta vez num ambiente muito compacto, restrito, e se vê obrigado a negociar a cada minuto com um texto que parece ter sido escrito não por um adolescente de 12 anos, mas por um adulto cínico de 55 – um técnico de Hollywood que conhece todas as fórmulas em alta no cinema americano sobre pessoas sensíveis, jovens, especiais, excêntricas, únicas no mundo (e aí entram Miranda July, Juno, Dave Eggers via Sam Mendes, Pequena Miss Sunshine e tantos adoráveis outsiders).

Daí que Inquietos me parece, apesar dos esforços (e da naturalidade) de Van Sant, um filme com espírito calculadamente teen (tanto quanto os episódios da saga Crepúsculo, e não estou forçando a barra), que tenta se aproximar de um público específico apertando, para isso, uma série de gatilhos-clichês de love stories, com um ou outro sinal invertido (os pombinhos da vez são obcecados pela morte; mas o grande filme de Van Sant ainda é Last Days) e muito afeto, muita formosura.

Talvez inconscientemente, Inquietos é, ele próprio, juvenil. Um filme adolescente, como eu dizia no início deste post. Van Sant, tão acostumado a acompanhar seus personagens sem paternalismo e com infinita curiosidade, acaba por abraçar também as infantilidades do roteiro. E, assim, cria um longa-metragem à imagem da dupla principal de personagens (nesse sentido, me lembra muito Eu Matei a Minha Mãe, de Xavier Dolan, outro filme imaturo sobre tipos imaturos).

Para os espectadores que, como eu, não trocariam três palavras com adolescentes tão narcisistas e peculiares quanto esses (e que atores ineptos, meu deus), assistir a esse romance cor-de-rosa-dark pode ser uma experiência agonizante.

(Restless, EUA, 2011) De Gus Van Sant. Com Henry Hopper, Mia Wasikowska e Ryo Kase. 91min. C+

Heaven is whenever | The Hold Steady

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Não compro CDs há mais ou menos um ano, mas calhou de acontecer: quinta-feira à noite, bati o olho na prateleira e a bolachinha colorida olhou de volta. Flerte falal: fui esfaqueado em 60 pilas, mas voltei para casa feliz da vida, eu e minha cópia zerada, tinindo, reluzente de Boys and girls in America, do Hold Steady.

Era um daqueles discos que eu precisava ter. Precisava. Nada tenho contra a diluição de melodias em arquivos vagabundos de MP3, mas há casos em que sinto a necessidade de adquirir uma prova material, um rastro visível, um souvenir dos meus discos do coração. Há dois dias, descobri que Boys and girls in America está entre eles. Meu peito foi lá e disse: “compre o maldito CD importado!”

Até agora, ele só me trouxe alegrias. No carro, desembrulhei o bichinho e aumentei o volume do som. Os vidros trincaram com os primeiros acordes de Stuck between stations, um clássico. E o corinho de Chips ahoy! acabou se mostrando menos estridente do que eu lembrava. Solucei discretamente no início de First night, que passa pelo disco feito uma brisa de desencanto, de meninice mal resolvida. É tudo muito tocante, como um grande episódio de Anos incríveis.

A nova audição trouxe duas revelações: eu, acostumado os bits bichados de arquivos leves, nunca havia reparado em como Craig Finn soa gentil neste disco (como quem diz: “por favor, senhoras e senhores, peço alguns minutinhos para que vocês ouçam minha modesta obra-prima”). E, mesmo durante meu longo e intenso namoro com o álbum, eu não havia notado o quão elegante (até rebuscado) é o tecido dessas melodias. A banda vai à guerra com o batalhão todo: piano, cordas, sopros, distorções punk e vocais femininos, canções de amor e hinos de bebedeiras, narrativas cruzadas (sobre tipos adolescentes, perdidos e desidratados) e nerdices literárias (“Às vezes penso que Sal Paradise estava certo”, admite Craig). É um disquinho imenso.

Eu teria que ouvir Stay positive novamente (e vejam isto: também comprei o CD!), mas tenho quase certeza de que Boys and girls in America é o ápice indiscutível do grupo. Stay positive é mais dark e desesperado (mais John Cassavetes, menos Gus van Sant), mas não chega perto. Separation Sunday é lindamente imaturo, e só. Talvez eles saibam disso tudo. E talvez, por saber disso, eles avisem, a cada novo lançamento, que estão prestes para nos surpreender. A verdade, no entanto, é que eles nunca nos surpreendem.

Obras-primas às vezes são um fardo, um carma, e o Hold Steady terá que se contentar com o fato de que ficarão à sombra de 2006. É triste, mas taí. O que nos leva a Heaven in whenever, o quinto disco dos nova-iorquinos.

Nova-iorquinos, ahn? Você já parou para pensar nisso? Pode soar impressionante, mas o Hold Steady é do Brooklyn, a cidade do The National. A distância entre as duas bandas é de algumas centenas de quilômetros. Os discos do National apontam para uma Nova York feérica, de asfalto e neon. Os do Hold Steady miram lembranças de cidades interioranas, em sépia. Finn cresceu em Minnesota, e essa informação explica tudo sobre a mise-en-scene do grupo: os personagens geralmente não têm o que fazer nem para onde ir. Se entediam, e por isso inventam de tocar em bandas de rock.

A sonoridade do quinteto, por uma questão de coerência, deve muito à aura pop associada ao Meio-Oeste norte-americano: ecos de country rock, guitarras secas e diretas, poesia com algum traço folk (eles narram histórias, desenvolvem dramas, cantam A América). A banda se alimenta de nostalgia caipira e, portanto, fracassam sempre que tentam “urbanizar” esse som. Há alguns meses, eles anunciaram um disco mais “cinematográfico”, sortido, com “um quê de Jon Brion” (e foram eles que disseram, não tenho nada a ver com isso). E agora descobrimos que, surpresa!, tudo o que temos é mais um disco do Hold Steady.

O que está longe de ser uma descoberta ruim. A paisagem da banda continua sob o sol, um doce caseiro. A faixa de abertura, The sweet part of the city, é um American graffiti de baixíssimo orçamento: tédio, amores platônicos e outros demônios. O andamento da canção parece menos apressado do que de costume, mas é alarme falso. Da segunda música em diante, o Hold Steady usa o molde que conhecemos. Em alguns casos, as melodias são tão fortes que poderiam ter entrado em Boys and girls in America. Mas fica a sensação de que faltam foco e propósito ao disco.

Sobre o que é esse filme mesmo? Sinceramente, ainda não sei. Na segunda faixa, Soft in the center, Finn adota a faceta de adulto (um personagem que ele já havia interpretado em Stay positive) e manda um conselho de gentleman aos aspirantes a Don Juan. “Você não vai ter todas as garotas. Você vai ter aquela que você amar mais”, avisa. Depois, insiste: “Eu sei o que acontece com você. Isso aconteceu comigo também.” É nessas horas dá vontade de largar o disco, tomar um avião e bater um papo com o sujeito.

A terceira música é o que esperamos do Hold Steady: um par de losers fazendo bobagens. “Sim, eu vou voltar e te encontrar. Mas não vai ser como nas comédias românticas. No fim da história, ninguém vai aprender lição alguma”, canta, e dá a piscadela geek que esperamos de um fã de cultura pop.

Até aí, nenhum susto. E algum constrangimento (Rock problems, por exemplo, é uma DR tolinha). As coisas ficam sérias na balada We can get together, que explora o tom sombrio de Stay positive com um tom mais afetuoso, triste. Uma letra sobre saudade. “O paraíso era sempre que nos encontrávamos, ligávamos o som e ouvíamos os seus discos”, ele lembra. E aí não há o que fazer: sabemos que a estratégia é muito apelativa (toda banda de rock tem uma canção do gênero), mas nos emocionamos mesmo assim.

No restante do longa-metragem, Finn dá algumas tacadas seguras: cria versos que podem ser usados como hinos, já que interpretam com muita honestidade um turbilhão de símbolos e clichês do rock (e agora nem vale mais falar em Bruce Springsteen: o Hold Steady recicla o próprio repertório). “Os meninos estão todos distraídos, ninguém vence em shows violentos”, ele diz, em Barely breathing (em clima de cabaré sujo e power pop decadente). “Somos bons garotos, mas não conseguimos ser bons todas as noites”, brinca, em Our whole lives (que começa igualzinho a Stuck between stations). A slight discomfort termina metralhado pela bateria. “Não temos medo, temos alguma fé. Vamos ficar bem. Vamos sobreviver à noite”, promete Craig. Desce pano.

Epílogo: o Hold Steady continua a olhar para o passado (um passado inventado, aposto) com um misto de nojo e carinho, desprezo e paixão. Esquizo-nostalgia. Sei o que é isso. Ouço Boys and girls in America e sinto saudades. Não sei de que. Enquanto isso, temos Heaven in whenever. Um disco que não se deixa sufocar pelo passado da banda. Um disco adulto. E, de certa forma, adorável. Como um episódio esquecível de Anos incríveis.

Quinto disco do Hold Steady. 10 faixas, com produção de Dean Baltulonis e Tad Kubler. Lançamento Vagrant/Rough Trade. 7/10

Adeus, 2009 | Os melhores filmes do ano (parte 1)

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Primeiro, às regras: entram nesta lista apenas os filmes que foram exibidos no circuito de cinemas brasileiro em 2009. Não contam, por isso, os que vi em festivais ou em DVD.

Isso significa, por exemplo, que Guerra ao terror (que chega às telas em fevereiro) talvez fique para o top do ano que vem. E que, para nosso azar, não haverá lugar para 35 doses de rum, Vício frenético, A família Wolberg, O que resta do tempo, Ricky e outros filmes mui bacanas que certamente estariam neste ranking.

Em resumo: o nosso circuitinho anda morno, o circuitão vai pior ainda, mas este foi (surpreendentemente) um bom ano. Os filmes que ocupam as oito primeiras posições são especiais, recomendadíssimos – e há outros, ainda que não tão extraordinários, se comunicam comigo de formas profundamente misteriosas (pule para a 12ª posição). Esta é a minha lista, e eu gostaria muito de conhecer a sua.

Infelizmente, não vi Moscou, do Eduardo Coutinho. Não sei, por isso mesmo, se gosto ou desgosto dele. 

Vou tentar ser breve nos comentários: sei que vocês estão de férias na praia, que a conexão é discada e que, neste mundo, ninguém tem mais tempo para nada. Comecemos (e sem menções honrosas, que aí já é abuso).

20. Milk – A voz da igualdade – Gus Van Sant

O filme político de Gus Van Sant é de uma precisão que emociona. Sem distrações, o cineasta desenha o perfil de um homem que virou mito que virou símbolo. Imagens dignas. E Sean Penn faz o resto do trabalho. 

19. Entre os muros da escola – Laurent Cantet

A escola de Cantet é uma metáfora para as tensões sociais da França, ok: mas bom mesmo é como este filme permite que entremos de corpo inteiro num ambiente tão familiar e, ao mesmo tempo, desconhecido. Imersão absoluta – sem a necessidade de óculos 3D.   

18. O equilibrista – James Marsh

Não são muitos os documentários que abrem lacunas misteriosas para que preenchamos com a nossa imaginação. O que motiva o equilibrista Philippe Petit a se arriscar em espetáculos de altíssimo risco. James Marsh, felizmente, não tenta explicar.   

17. O fantástico sr. Fox – Wes Anderson

Um giro colorido e acelerado no parque temático de Wes Anderson, com todos os tiques, neuras e maravilhas a que estamos acostumados. Um avanço importante, no entanto: inesperadamente, o cineasta reencontrou a fluência narrativa e o gosto pelo riso solto. Brinquedinho bom, portanto. 

16. Up – Altas aventuras – Pete Docter

No formato de um curta-metragem de 15 minutos, seria a obra-prima melancólica da Pixar. Do jeito que está, mais para Madagascar do que para Meu vizinho Totoro, mostra que existe um preço que se paga quando o objetivo é agradar à toda família. Para os padrões dos blockbusters de férias, porém, é sofisticação em alto grau.

15. Valsa com Bashir – Ari Folman

Com traços psicodélicos e cores quentes, Folman reconstroi as memórias de uma guerra. De quebra, tira o cinema de animação do quarto das crianças.

14. Se nada mais der certo – José Eduardo Belmonte

Um olhar desconfortável para o Brasil, um país em perigo. Belmonte mira a classe média, essa gente estranha que compra ingressos para ver filmes, mas não se contenta com o diagnóstico da nossa tragédia: nos laços de companheirismo, há esperança. 

13. Avatar – James Cameron

O Star wars de James Cameron também é um filme “para crianças de 10 a 12 anos” (como diria George Lucas), com assumida carga moralizante, personagens-arquétipos e conflitos que cabem em pilulas que alimentam astronautas. Só não é ingênuo. Com a tecnologia 3D, o cineasta nos atira num mundo maravilhosamente estranho. Um planeta de ilusões palpáveis – sonhos reais.  

12. Presságio – Alex Proyas

A ficção científica mais subestimada do ano é também a mais assustadora. Esqueça 2012: Alex Proyas nos conduz numa viagem a um fim de mundo que soa cruel de verdade. O desfecho, que frustrou uma multidão, é a peça de resistência: uma ideia talvez tola, mas levada apaixonadamente às últimas consequências.  

11. Horas de verão – Olivier Assayas

Depois de rodar o mundo no encalço de personagens sem destino certo, Assayas os reúne numa casa de campo. A nossa trajetória deixa algum rastro? Uma crônica em tom menor, atenta a detalhes e à composição de ambientes, que, apesar de aparentemente singela, logo se faz grande: um dos melhores filmes do diretor.

Milk – A voz da igualdade

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Milk, 2008. De Gus Van Sant. Com Sean Penn, James Franco, Josh Brolin, Emile Hirsch e Diego Luna. 128min. 7.5/10

Lembro que, no lançamento de Paranoid Park, Gus Van Sant contava que, depois de uma trilogia de imagens compostas com absoluto rigor (Gerry, Elefante e Last days), estava pronto para projetos mais permeáveis, em constante mutação. Um cinema (pelo menos aparentemente) ao sabor do vento, digamos assim.

Daí que, para quem acompanha o cineasta,  Milk provoca um susto inevitável. Que vento brando é esse?

A reação mais imediata a esta cinebiografia de Harvey Milk, o primeiro político assumidamente gay a ocupar um importante cargo público em São Francisco, é tomar o projeto como um desvio de percurso, um flerte tardio com um modelo mais padronizado de narrativa.

No trailer, a referência é Gênio indomável, e aposto que parte do público sairá do cinema perguntando o que o diretor fez desde aquele filme de 1997 escrito por Matt Damon e Ben Affleck. Gus Van Sant? Quanto tempo!

Mas é apenas uma primeira impressão. Aos poucos, Milk revela um cineasta infinitamente mais maduro e consciente dos próprios métodos que o de Gênio indomável. Adotar uma linguagem acessível, linear e “clássica” é, no caso, uma decisão política.

Tiremos o elefante da sala, então: o longa-metragem (que, agora percebo, não tem chance alguma de ganhar o Oscar de melhor filme) acompanha a trajetória política de Milk durante os anos 1970, dos primeiros comícios (improvisados em caixotes de madeira) ao assassinato, em 1978. Entrecortando a ação, legendas contextualizam as principais manifestações pelos direitos dos gays em São Francisco e há flahses da vida doméstica do político, os amores e os desafetos. O roteiro, escrito por Dustin Lance Black (da série Big love), é narrado em forma de testamento pelo próprio Milk.

Ou seja: eis a estrutura tradicional de uma biopic, daquelas que Milos Forman adoraria dirigir.

O fascinante, no caso, é acompanhar como Van Sant lida com o gênero. Adotar um formato convencional garante a Harvey Milk aquilo que o cineasta toma como uma “imagem digna”. É o retrato de um homem público que lutou pelos direitos de minorias. Nada mais justo que filmá-lo com serenidade, clareza e profundo respeito – e é o que Van Sant faz.

Milk não leva o Oscar por ser um drama em tom menor, sem afetações ou conflitos explosivos entre personagens (não procurem aqui um Oliver Stone). Van Sant adota um clima quase solene, e até a trilha de Danny Elfman evita firulas. A interpretação de Sean Penn segue o mesmo ritmo: os trejeitos e discursos não transformam Milk num símbolo frio, mas ressaltam os instantes de fragilidade, de incerteza. Penn escapa da arapuca do one-man-show com bastante elegância – não defende um mártir, mas um homem comum que se faz agente de uma época de transformações.

Perceber como Van Sant altera sutilmente o padrão de uma cinebiografia renderia textos mais interessantes e longos que este. Adianto que, na confusão de imagems documentais com a ficção (e na inserção de slogans e fotografias como parte da narrativa), o diretor faz uma versão light para as experiências de Paranoid Park. E o clímax é filmado exatamente como a cena do massacre de Elefante. É o mesmo movimento de câmera (a fotografia de Harris Savides, aliás, é de emocionar), mas com um efeito diferente. Em vez do choque, o tributo.

Não é o filme do Gus Van Sant radicalmente inventivo com quem nos acostumamos desde Gerry. Mas, mesmo obrigado a negociar com expectativas dos produtores de Beleza americana, o cineasta consegue fazer de Milk um projeto pessoal capaz de canalizar todo o sentimento de mudança da América de 2008. Perto dos longas anteriores, é pequeno. Mas não se trata de um filme simples, muito menos raso, apesar das aparências.