Grizzly Bear
Dreams come true | CANT
Muito além de uma capinha bonita, Dreams come true é o disco de estreia do CANT, a outra banda do baixista do Grizzly Bear.
O que, aliás, soa como uma apresentação incompleta. E injusta: além de baixista, Chris Taylor toca outros instrumentos, colabora com backing vocals e produz os discos do Bear. Devemos a ele, portanto, os cumprimentos pela atmosfera anuviada de grandes álbuns como Yellow house, de 2006.
Mais: Taylor também produziu discos do Department of Eagles (projeto do colega da banda Daniel Rossen), Dirty Projectors e de calouros talentosos que apadrinhou na gravadora Terrible Records, de que é dono: Twin Shadow, Acrylics e Blood Orange.
O que se esperava de Dreams come true era, por tudo isso, um disco (no mínimo) produzido com enorme esmero. O que não deixa de ser verdade. Mas minha impressão é de que Taylor sofre de um mal que acomete produtores/compositores como Dave Sitek, do TV on the Radio, e Timbaland: faz do álbum uma espécie de portfólio técnico/criativo, uma peça sortida e sem foco.
A identidade do CANT, naturalmente indefinida, se torna confusa quanto mais Taylor tenta abrir atalhos sonoros para a sonoridade da banda. O disco começa cheio de tremeliques de pista de dança (Too late too far tem um quê de Twin Shadow, que participou do álbum) e vai ficando soturno, aflito, ao se aproximar do fim.
Não se sabe exatamente o que Taylor quer: e a indefinição fica ainda mais latente quando se percebe que as faixas mais poderosas, Bang e She’s found a way out, soam como remixes dark do Grizzly Bear. Quando termina a última faixa, percebemos que ele não chegou a lugar algum.
Parece decepcionante. Mas, ouvindo pela terceira, pela quarta vez, o disco começa a soar menos torto, mais envolvente do que parece. Talvez seja o caso de sintonizar corretamente as nossas expectativas.
Afinal, ele é um projeto “pequeno”, escrito e gravado em uma semana (durante as sessões de Veckatimest, do Grizzly Bear). É como se Taylor, com George Lewis Jr (o Twin Shadow), transportassem a sonoridade do Grizzly Bear para um ambiente sem iluminação, prá lá do apocalipse.
E, se essa rapidez do processo deixa transparecer as referências da banda (Joy Division, synthpop, drone, Portishead fase Third), ela mostra, à vera, um músico destemido e insone, que merece ser responsabilizado por muitas das belezas do Grizzly Bear.
O importante, no caso, é que Dreams come true não soa como um sonho tranquilo: Taylor se recusa a jogar para a torcida, e (diferentemente do que acontece com o Department of Eagles) os fãs do Grizzly Bear vão encontrar uma banda talvez selvagem, desagradável, nova. Melhor assim.
Primeiro disco do CANT. 10 faixas, com produção de Chris Taylor. Lançamento Terrible Records. 68.
Mines | Menomena
Entendo por que tanta gente se espelha em bandas como o Grizzly Bear, o TV on the Radio. Eles, os nova-iorquinos, correram atrás de uma marca, de um lugar no mundo, e encontraram tudo isso.
Também compreendo que muitos tenham o enorme desejo de gravar discos como Veckatimest e Dear science. Álbuns coesos, duros, determinados, densos – a cristalização de um estilo! – mas também fascinantes, misteriosos.
Mas a vontade de ser uma banda como o Grizzly Bear ou o TV on the Radio e de gravar discões como Veckatimest e Dear science, é claro, muitas vezes é apenas uma vontade: concretizar essa ambição é que são elas.
Pois bem: Mines, o disco mais ambicioso do Menomena, mostra que não é fácil desenvolver uma trajetória particular, inimitável, dentro do indie rock. Não é fácil ser o novo Grizzly Bear, muito menos o novo TV on the Radio.
O Menomena, um trio de Portland, Oregon, está no quarto disco e, até agora, não pareciam muito interessados em definir uma identidade sonora. O anterior, Friend and foe (2007), era um tiroteio de promessas. Uma sacola de cacos de vidro. E um ótimo disco, com faixas fortíssimas como Evil bee e Wet and rusting. Ainda hoje, gosto muito dele.
Era complicado definir o som da banda e, por isso, muitos diziam que eles criavam arranjos “angulosos” (o que é verdade), com um emaranhado instrumental imprevisível (um quebra-cabeças de loops) que acenava para o math-rock de um Battles, por exemplo, mas com uma tendência a melodias sentimentais, doces. Era mais ou menos isso.
Essa definição também pode ser aplicada a Mines, mas trata-se de um disco menos brincalhão e arejado que o anterior. Naquele, cada música parecia ter sido gravada num dia diferente. Neste, as 11 faixas soam como se tivessem saído de um mesmo ensaio e, três minutos depois, lacradas a vácuo.
Antes, havia lacunas no quebra-cabeças. Essas lacunas soavam misteriosas. Algumas faixas não soavam exatamente como canções, mas como esboços de canções. Desta vez, o Menomena resolveu usar as peças do puzzle para formar canções bem acabadas, às vezes redondinhas.
Mines é um disco bitolado numa “ideia-fixa”: as canções soam mais melodiosas (e menos aventureiras), sutis, mais detalhistas e, alguns momentos, sisudas, cabisbaixas, como capítulos de uma história triste. Em vez da caixinha de surpresas, um bloco maciço daquilo que eles entendem por maturidade.
Se fosse possível catalogar toda a história da música pop em dois tipos de álbuns – os juvenis e os adultos -, Mines seria um álbum adulto. Friend and foe, um juvenil (mas não se preocupe: essa catalogação maluca é uma bobagem).
É uma bela reviravolta na carreira da banda, que será defendida por muita gente (procure na web: há fãs tratando o disco como um dos melhores do ano), mas a questão é: eles conseguem bancar o salto?
Fato: o Menomena aprendeu a usar uma aquarela de timbres, loops e efeitos (e tem de tudo: guitarras, sintetizadores, sopros dissonantes, piano de casa do espanto, coros fantasmagóricos, percussão, palminhas, etc) para compor uma imagem harmoniosa. Perto disso, Friend and foe era Jackson Pollock.
Há canções aqui, como Dirty cartoons e Tithe, que poderiam ser confundidas com baladas do Coldplay e do Snow Patrol. E do Elbow. São quase convencionais. E, ainda assim, soam belas, cuidadosas, corretas.
Meu problema com o disco está nessa última palavrinha: ele soa corretinho. E, para uma banda de rock que parecia solta no mundo, tateando possibilidades, essa tendência ao comodismo me parece meio assustadora. Era só isso que eles queriam? E, nessa perspectiva, como fica o disco anterior?
Ainda assim, Mines não parece errado: existe um lugar nas rádios para o Menomena, eles soam sinceros e verdadeiramente desiludidos com alguma coisa (as letras, escritas na primeira pessoa, lidam com inseguranças e responsabilidades da idade adulta, temas com que podemos nos identificar, e há um tom surrealista, um clima de paranoia urbana que deixa tudo mais complexo). Junto do Morning Benders, do Dodos e de alguns outros, eles entendem que é possível arredondar referências de rock psicodélico sem tomar o rumo de elevadores e consultórios de dentistas. E isso é bom.
Não estamos falando de um disco aguado como o terceiro do Band of Horses.
Mines é um álbum coeso, para ser montado e desmontado lentamente? Sim. Indica a possibilidade de algum sucesso comercial? Talvez (eu não duvidaria). A certidão de nascimento de um estilo? Ainda não.
De qualquer forma, fico imaginando o que teria acontecido ao Menomena se eles tivessem mergulhado no caos colorido de Friend and foe e descido mais fundo naquele laguinho. As bandas de rock não devem ser o que queremos delas. Elas são o que são. Mas fico aqui imaginando.
Quarto disco do Menomena. 11 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Barsuk Records. 7/10
Superoito express (20)
Volume 2 | She & Him | 6
O fã-clube de Zooey Deschanel que não me pendure praça pública, mas eu esperava encontrar, neste segundo disco do She & Him, a personagem que ela interpretou com tanta convicção em 500 dias com ela: Summer Finn, a musa imprevisível que atormenta os fãs românticos (e panacas) de indie rock. Mas (que vida!) meus desejos não foram realizados. Neste conto de fadas folky, ela ainda vive a mocinha indefesa, a heroína que caminha melancólica, inconsolável pelos campos ensolarados da Califórnia.
Tudo bem. Nem tudo é perfeito. E talvez a Zooey popstar se aproxime da Zooey real (o que seria uma pena, mas enfim). O problema é que essa (ops) personagem me parece cada vez mais monocórdica. Este Volume 2 é um disco do Camera Obscura, só que sem ironia ou finesse. Parece fácil fazer pop vintage, com aquela sonoridade quente de vitrola velha, mas o risco do diluir efeitos está sempre ali. Daí que o disco, comportadíssimo, só brilha quando o vinil de M. Ward ganha um outro colorido, uma doçura à Jon Brion. São duas músicas: In the sun e Don’t look back. Mas elas mostram que, sim, Zooey é capaz de virar o disco. Ao terceiro volume, então.
Dear God, I hate myself | Xiu Xiu | 7.5
Ao contrário do projeto de Zooey e M. Ward, o estilo de Jamie Stewart é um caso tão particular que parece projetado para provocar estranhamento. As canções, com mudanças abruptas de andamento e efeitos dissonantes, soam às vezes como arquivos corrompidos de MP3. Stewart vai picotando um punhado de referências (synthpop, lo-fi, indie, goth rock) até fazer com que o disco perca completamente o eixo, numa colagem doméstica, frágil, agoniada, que ressalta a franqueza do discurso. Como acontece com os álbuns do Why? e do Eels, este também cria um ambiente de intimidade quase sufocante. Pode soar simplesmente doentio. Mas, se não é tão forte quanto Fabulous muscles (2004), no mínimo serve para comprovar que Stewart ainda não encontra conforto nem no rock, nem em nada. É bonito, garanto. E recomendo que você tente pelo menos três vezes antes de desistir.
Big echo | The Morning Benders | 7
O Morning Benders pode ser considerado uma espécie de primo do Local Natives, outra banda californiana que usa a massa bruta do indie rock americano (no caso, o folk barroco de um Grizzly Bear) para criar uma sonoridade generosa, próxima do pop. Mas, antes que os acusem de oportunismo, aviso que eles se apropriam desses novos chavões sem cinismo. Estão verdadeiramente dispostos a disputar um espaço entre os ídolos. Big echo é, por isso, um álbum muito esforçado. Sei que a palavra é terrível, mas taí um quarteto que faz tudo para agradar a um público muito específico. E consegue, mesmo sem personalidade. Eficiência e bom gosto, no caso. Califórnia é uma grande nação (como diz a música do She & Him) e é interessante acompanhar uma banda tentando encontrar um lugar nesse mundo.
Fang Island | Fang Island | 7
Mas claro: mais interessante do que acompanhar uma banda deslumbrada com as próprias referências é descobrir aquelas que tentam criar todo um vocabulário. O Fang Island, de Rhode Island, é dessas. Eu definiria o som deles como um monstrengo prematuro nascido de uma rapidinha entre o Van Halen (os solos de guitarra a mil por hora, a pompa hard rock) e o Animal Collective (os corinhos infantis, o espírito comunitário). Para o Wikipedia, eles cabem no rótulo “progressive rock”. Talvez seja isso, ainda que tudo acabe soando tão frenético quanto um disco de hardcore. Ainda não sei se amo essa bagunça (e, se é para quebrar tudo, Dan Deacon me parece muito mais radical), mas reconheço que não ouvi nada igual.
Life is sweet! Nice to meet you | Lightspeed Champion | 6
Para quem conhecia e gostava do projeto anterior de Devonté Hynes (a banda de dance-punk Test Icicles, praticamente um tigre), o Lightspeed Champion vai continuar provocando muita frustração. No segundo disco, o texano (criado na Inglaterra desde os dois anos de idade) continua a enquadrar o próprio som de acordo com algumas convenções pop quase caducas: brit pop, easy listening, new wave. Tudo o que ele quer, aparentemente, é mandar um abraço para Jarvis Cocker e Morrissey (e quantos outros não querem?). A boa ideia deste Life is sweet é o olhar positivo para temas que costumam ser cantados com fatalismo (Dead head blues, por exemplo, é uma faixa alegre sobre o fim de um relacionamento). O oposto de A vida é doce, do Lobão. Nas recaídas, no entanto, Hynes escreve obviedades como I don’t want to wake up alone, que só reforça os clichês associados ao tal “som da Inglaterra”. E aí as piores do Morrissey soam pelo menos mais divertidas.
The courage of others | Midlake
The courage of others é um daqueles discos que fazem com que eu me sinta um tipinho irrelevante: enquanto eu enfrento os grandes desafios da minha existência (acordar cedo, pagar o aluguel, regar as plantas e visitar minha mãe nos fins de semana), o Midlake se preocupa com a imensidão da natureza, o sentimento de melancolia que acompanha a morte do inverno e o “som grandioso de todas as criaturas vivas”.
Ah, sério? Aposto que este quinteto do Texas não leva a nossa oh-tão-sagrada existência com tanta austeridade. Mas, quando entram em estúdio, soam como cinco monges exilados em meio a uma plantação de bromélias, a muitos quilômetros das preocupações trivais que transformam nossas rotinas em episódios frívolos de seriados de tevê.
Deve haver algum ranço confessional escondido no subsolo deste terceiro disco do Midlake, mas ainda não encontrei a chave (e talvez seja minha culpa, ovelha desgarrada e meio burra). Desconfio que tudo seja uma questão de mise-en-scene: em The trials of Van Occupanther, de 2006, a banda tentava criar uma narrativa pastoral, como se Nick Drake interpretasse um songbook de Neil Young. Desta vez, eles apontam a embarcação para o folk rock britânico do fim dos anos 1960.
É uma aventura mais contida, limitada, menos ambiciosa, mas talvez o objetivo deles sempre tenha sido este: soar exatamente como uma banda-tributo do Pentangle, com algo de Incredible String Band. E vá entender: alguns desejos são meio estranhos mesmo.
A cadência uniforme do disco, que parece ter sido todo ele gravado numa tarde fria e chuvosa, pode atender as expectativas de quem procura desesperadamente um sucessor para Veckatimest, do Grizzly Bear. São dois álbuns duros feito pedra lascada, ainda que, cá para meus ouvidos, o Midlake ainda pareça uma daquelas bandas in-progress que se contentam em tomar um gênero (ou uma referência) e partir para o decalque — com ternura, claro.
Daí que as letras do disco são todas ricas em traços impressionistas, com imagens de vilas longínquas, ambientes selvagens, florestas tomadas por criaturas exóticas (seriam elfos?) e amores impossíveis. Até meu padrasto, o último defensor do rock progressivo dos anos 1970, talvez encarasse como uma homenagem fiel demais ao período. ‘Seria gozação?’, ele perguntaria, descrente.
Não é. O Midlake soa muito sincero nessa ode ao transe cósmico de canções que fazem absolutamente tudo para se livrar as impurezas deste mundo. Não encontrei nada ainda, mas certamente existe sabedoria, dignidade nesse esforço. Bom para eles. No entanto, se a banda estiver interessada em encontrar uma voz particular, vou avisando: a jornada é bem outra.
Mas chame de Astral geeks, se preferir.
Terceiro disco do Midlake. 11 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Bella Union. 6/10
Adeus, 2009 | Superoito’s mixtape, parte 1
A história vai assim: todo dezembro, seleciono algumas de minhas canções favoritas do ano para duas edições especiais do programa de rádio Marco Zero, transmitido às terças-feiras (às 22h) pela Câmara FM (se você mora em Brasília, elas rolam nos dias 22 e 29).
A brincadeira é, pra mim, das boas: a quantidade de canções lançadas durante o ano é tão grande que seria possível criar cinco programas diferentes – sem repetir bandas. O desafio, por isso, é criar mixes envoltos numa certa atmosfera – com início, meio e fim. Ou seja: coletâneas para fãs de álbuns (e daquelas fitinhas que gravávamos para os amigos, com mensagens secretas e emoções afloradas).
Sempre pensei em comparilhar esses programas, em formato de podcasts, aqui no blog. Então taí: pela primeira vez, consegui colocar o plano em prática. Neste post, vocês podem fazer o download da primeira parte da mixtape com as minhas preferidas de 2009. Mato logo dois coelhos e começo a séries de posts Adeus, 2009, com minhas listas de melhores do ano (por essa vocês não esperavam, hum?).
Aviso que há alguns problemas técnicos no pacote, mas nada que não se resolva com alguma paciência. Fiz uma exaustiva bateria de testes e garanto: o melhor modo de ouvir a coletânea é pelo Windows Media Player (e repare que o som fica mais caloroso). No iTunes, uma canção misteriosamente desaparece e isso é um pecado (e logo uma das melhores, Kid klimax). Mas talvez vocês entendam desses detalhes tecnológicos melhor do que eu. Prometo resolvê-los na segunda parte da retrospectiva.
A seleção via web não é a idêntica à que será transmitida na rádio (reconheço: a da web ficou um pouquinho mais bacana). Há algumas mudanças estratégicas e faixas bônus – e o climão todo (que tem algo a ver com a foto do Grizzly Bear lá em cima) diz muito sobre o meu ano. Mas garanto que, se você sintonizar na Rádio Câmara, ouvirá algumas surpresas.
Eis a tracklist:
1. Hooting & howling – Wild Beasts 2. Hearing damage – Thom Yorke 3. While you wait for the others – Grizzly Bear 4. Kid klimax – Atlas Sound 5. Lovesick teenagers – Bear in Heaven 6. Out of the blue – Julian Casablancas 7. Alligator – Tegan & Sara 8. Higher than the stars – The Pains of Being Pure at Heart 9. Plain material – Memory Tapes 10. Fables – Dodos 11. Heaven can wait – Charlotte Gainsbourg e Beck 12. January twenty something – Why?Faça o download (via Rapidshare): Superoito’s mixtape 2009, parte 1
A segunda parte fica para a semana que vem – e, a depender da aceitação disto aqui, penso em fazer seleções mensais em 2010. O que vocês acham?
Two weeks | Grizzly Bear
… E é isso o que acontece quando se vai à igreja excessivamente.
Ok, talvez não (eu, que frequentei mais de uma dúzia de missas, não lembro dessa parte). O novo clipe do Grizzly Bear é um dos melhores do ano: o diretor Patrick Daughters, no auge, vai do bizarro ao sublime com alguns closes e (quase) nada mais.
(Assisti a alguns filmes no fim de semana, mas, apesar das tentativas de escrever sobre eles, terminei totalmente desmotivado. Não é culpa dos filmes — por exemplo: redescobrir Playtime na tela grande contou como uma das cinco sessões mais emocionantes da minha vida —, talvez apenas um misto de preguiça e desinteresse. Ou algo mais grave que isso. Ainda não sei. Preciso esperar um pouco para ver o que acontece)
Veckatimest | Grizzly Bear
Veckatimest é uma pequena ilha deserta perto de Massachusetts. E o nome do terceiro álbum do quarteto nova-iorquino Grizzly Bear, que retorna três anos depois da sensação indie Yellow house.
Posso interpretar como uma metáfora? Tipo: contra as expectativas de quem torce para que eles se transformem num gigante à Arcade Fire, a banda liderada por Daniel Rossen e Ed Droste prefere continuar habitando um mundo miúdo e misterioso, um refúgio tão distante e tão próximo da civilização.
O isolamento, para eles, é um porto seguro. Fazem bem. A banda não se deixou afetar pelo hype que a alçou ao paraíso do rock independente, nem tomou uma via mais acessível. O EP Friend, de 2007, indicava o início de uma fase menos abstrata e mais pop, com guitarras distorcidas, influência de dance music (no remix do CSS, por exemplo) e doçura. Era um bom disco, mas Veckatimest soa como uma verdadeira continuação para Yellow house.
Não só genuína, mas até cuidadosamente desenhada para dar sequência às ideias do disco anterior. Aquele era um álbum que tomava melodias razoavelmente convencionais (como a de Knife, que poderia ter sido gravada por um grupo vocal feminino dos anos 60) como base para experimentações psicodélicas, epifanias rurais e uma interpretação bastante atual (à luz das invenções de um Animal Collective, por exemplo) para a lisergia musical do final dos anos 60.
É exatamente nessa base em que Veckatimest se sustenta. O que, para os fãs que esperavam uma grande novidade, pode soar frustrante. Em vez da ruptura, o Grizzly Bear adiciona alguns elementos a uma sonoridade precocemente consagrada (e reprisada no álbum do Department of Eagles, de Rossen). As guitarras de Friend rasgam boa parte das faixas, mas a atmosfera ainda é a de um ciclo barroco de canções, à Van Dyke Parks.
Não só isso: o que transparece no álbum é absoluto detalhismo – e a intenção de forjar uma identidade sonora a todo custo. Tanto que os 54 minutos, densos, chegam a parecer exaustivos num primeiro contato (com o tempo, garanto que a familiaridade com as canções facilitará o processo). Os momentos de leveza de Yellow house (e não eram poucos) são trocados por faixas que insistem obsessivamente uma mesma estrutura: começam como pequenos mantras que desaguam em linhas melódicas tão assobiáveis quanto as de uma música do Fleet Foxes.
Essa busca por coesão rende um disco quase uniforme, com uma ou outra saída de emergência (a delicada Hold still, o desfecho Foreground). Mas fico com a impressão de que qualquer julgamento precipitado será falho. Ouço o álbum há três dias e ainda não consigo tirar conclusões definitivas. Faixas como Southern point, Two weeks, Cheerleader e Ready, able me parecem tão fortes quanto os melhores momentos do álbum anterior. Mas existe algo impenetrável e árido neste disco, como se precisássemos forçar a porta para entrar.
O que é um bom sinal. Cada vez acreditamos estar mais perto do Grizzly Bear. Veckatimest faz com que a banda chegue aos nossos ouvidos como um objeto estranho e sedutor. Mais uma vez.
Terceiro álbum do Grizzly Bear. 12 faixas, com produção de Chris Taylor. Warp Records. 8/10
Dark was the night | Vários Artistas
Não é que eu tenha problemas com coletâneas, mas veja o caso de Dark was the night. Nem sei por onde começar, sério.
O álbum duplo, lançado com a Red Hot Organization (que arrecada fundos em benefício dos portadores do HIV, e está por trás de discos como No alternative e Red Hot and Blue), tem 31 faixas, dura mais que muito longa-metragem e funciona praticamente como um yearbook para ídolos da comunidade indie (classe de 2007/2008, com paraninfos e agregados).
Quer dizer, Deerhoof ficou de fora. Mas eles não contam exatamente como ídolos, contam?
No mais, a turma está reunida: produzido por Aaron e Bryce Dessner (do The National), o álbum reúne canções exclusivas (entre inéditas e covers) de bandas como Arcade Fire, Spoon, Antony and the Johnsons, Grizzly Bear, Andrew Bird, The New Pornographers, My Morning Jacket, Cat Power. O set é tão diversificado (dentro dos limites do indie, claro) que praticamente todo leitor da Pitchfork vai querer uma cópia do disquinho.
Dá para forçar a barra e identificar uma atmosfera de melancolia em torno da maior parte das faixas – e algumas delas, como You are the blood (Sufjan Stevens) e Stolen houses (Iron and Wine) vão direto ao tema. Mas é um projeto abrangente demais para caber numa síntese (que o próprio título sugere).
Como de costume, há opções meio duvidosas. Conor Oberst, por exemplo, presta reverências ao próprio umbigo com uma versão de Lua (se faz acompanhar por Gillian Welch). E o Decemberists extrapola com uma faixa chorosa de oito minutos de duração (Sleepless). Mas são poucos equívocos, e eles quase desaparecem num conjunto bastante forte.
Eu destacaria umas 15 faixas, mas isso não ajudaria ninguém. Sejamos práticos: lá no topo da minha lista de preferidas estão Deep blue sea, do Grizzly Bear (tão boa quanto qualquer uma do disco Yellow house, que é maravilhoso), Knotty pine, com Dirty Projectors e David Byrne (que abre o disco, e não à toa) e You are the blood, que aponta uma direção mais experimental e eletrônica (mas ainda doce) para Sufjan Stevens.
Well-alright, do Spoon, abre o segundo disco e… Se não mereceria entrar no álbum mais recente dele, ainda é Spoon e por isso vale quase a coleânea toda. E, no departamento das covers, é uma delícia a versão do New Pornographers para Hey, snow white, do Destroyer (e a de Antony para I was young when I left home, de Bob Dylan).
Isto é: daqui a 60 anos, quando quiserem resgatar o indie rock do início do século, este álbum aqui servirá como uma introdução bem decente.
Coletânea produzida por Aaron e Bryce Dessner. 31 faixas. 4AD/Red Hot Organization. 8/10