Grizzly Bear

Dreams come true | CANT

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Muito além de uma capinha bonita, Dreams come true é o disco de estreia do CANT, a outra banda do baixista do Grizzly Bear.

O que, aliás, soa como uma apresentação incompleta. E injusta: além de baixista, Chris Taylor toca outros instrumentos, colabora com backing vocals e produz os discos do Bear. Devemos a ele, portanto, os cumprimentos pela atmosfera anuviada de grandes álbuns como Yellow house, de 2006.

Mais: Taylor também produziu discos do Department of Eagles (projeto do colega da banda Daniel Rossen), Dirty Projectors e de calouros talentosos que apadrinhou na gravadora Terrible Records, de que é dono: Twin Shadow, Acrylics e Blood Orange.

O que se esperava de Dreams come true era, por tudo isso, um disco (no mínimo) produzido com enorme esmero. O que não deixa de ser verdade. Mas minha impressão é de que Taylor sofre de um mal que acomete produtores/compositores como Dave Sitek, do TV on the Radio, e Timbaland: faz do álbum uma espécie de portfólio técnico/criativo, uma peça sortida e sem foco.

A identidade do CANT, naturalmente indefinida, se torna confusa quanto mais Taylor tenta abrir atalhos sonoros para a sonoridade da banda. O disco começa cheio de tremeliques de pista de dança (Too late too far tem um quê de Twin Shadow, que participou do álbum) e vai ficando soturno, aflito, ao se aproximar do fim.

Não se sabe exatamente o que Taylor quer: e a indefinição fica ainda mais latente quando se percebe que as faixas mais poderosas, Bang e She’s found a way out, soam como remixes dark do Grizzly Bear. Quando termina a última faixa, percebemos que ele não chegou a lugar algum.

Parece decepcionante. Mas, ouvindo pela terceira, pela quarta vez, o disco começa a soar menos torto, mais envolvente do que parece. Talvez seja o caso de sintonizar corretamente as nossas expectativas.

Afinal, ele é um projeto “pequeno”, escrito e gravado em uma semana (durante as sessões de Veckatimest, do Grizzly Bear). É como se Taylor, com George Lewis Jr (o Twin Shadow), transportassem a sonoridade do Grizzly Bear para um ambiente sem iluminação, prá lá do apocalipse.

E, se essa rapidez do processo deixa transparecer as referências da banda (Joy Division, synthpop, drone, Portishead fase Third), ela mostra, à vera, um músico destemido e insone, que merece ser responsabilizado por muitas das belezas do Grizzly Bear.

O importante, no caso, é que Dreams come true não soa como um sonho tranquilo: Taylor se recusa a jogar para a torcida, e (diferentemente do que acontece com o Department of Eagles) os fãs do Grizzly Bear vão encontrar uma banda talvez selvagem, desagradável, nova. Melhor assim.

Primeiro disco do CANT. 10 faixas, com produção de Chris Taylor. Lançamento Terrible Records. 68.

Superoito express (28)

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Crazy for you | Best Coast | 7

Um resumo muito preciso desde primeiro disco do Best Coast pode ser encontrado numa antiga canção do Breeders: “Summer is ready when you are” (traduzindo: “o verão está pronto quando você está”). Então taí, minha gente bronzeada: um disco de praia, californiano, que nem sempre soa como uma tarde de sol. Bethany Cosentino, a vocalista, às vezes nem chega a sair de casa: “Estou esperando, esperando, esperando no telefone”, ela admite, em canções às vezes perdidamente sentimentais sobre “maconha, meu gato e preguiça”. Cool. Entende-se facilmente a popularidade repentina de uma banda que passa como a irmãzinha agoniada do She & Him. Fãs de Camera Obscura, vistam os biquinis.

É (e sejamos francos) um disquinho ordinário porém viciante, que embarca na onda do indie rock praiano sem olhar para trás. Não é isso tudo. Mas é um grude. Cosentino e o chapa Bobb Bruno entendem que o momento é de tirar a poeira dos velhos discos do papai e retocá-los com um verniz (moderadamente) noise. Sou mais Surfer Blood. Mas reconheço que a vocalista (algo de Liz Phair, algo do deboche da Courtney Love de Celebrity skin) tem o talento de, como quem não quer nada, roubar clichês e, com eles, criar frases curtas, quase slogans, que brilham feito pisca-pisca. Daí que não vai dar para esquecer este disco na manhã seguinte. Talvez nem quando o próximo verão chegar.

A sufi and a killer | Gonjasufi | 7.5

Tá lá no Wikipedia: Sumach Ecks, o Gonjasufi, é um “rapper, cantor, disc jockey e professor de ioga” que nasceu na Califórnia, vive em Las Vegas e grava pela Warp Records. É informação suficiente para um primeiro contato com as loucuras de A sufi and a killer, fácil-fácil um dos lançamentos inclassificáveis do ano. O disco, que parece ter saído da cabeça de um DJ com déficit de atenção, tem a estrutura quebradiça do hip-hop mais jazzy e experimental (um Flying Lotus menos abstrato), com algumas melodias de soul e reggae, orientalismos, psicodelia e um punhado de outras referências que nunca identificaremos. No meio da zoeira, faixas mais familiares (como o lamento She’s gone) chegam a dar choque. O alcance de Gonjasufi é impressionante — e trata-se de um aqueles artistas que parecem usar a música para comentar uma realidade confusa —, mas às vezes o que se ouve é apenas o som de peças que não se encaixam.

Street songs of love | Alejandro Escovedo | 7

No ano em que The-Dream se proclamou o “rei do amor”, vale comparar o disco mais recente do rapper a este Street songs of love, outro álbum (compulsivamente) sobre o amor. O coração de Escovedo, não sem razão (ele tem quase 60 anos), bate num compasso mais tranquilo e realista, mas sem uma sonoridade exatamente singular (e isso, goste ou não, The-Dream tem). Trata-se principalmente de uma viagem ao rock setentista, stoneano, empapado em suor e cevada, que me lembra o Nick Cave de Dig, Lazarus, dig e o Elvis Costello de When I was cruel. Muitíssimo apaixonado pelas guitarras, com uma banda de apoio muito forte (o The Sensitive Boys) e letras que esmiuçam o que há de tocante e patético nos romances. Mas, neste disco de rock (melhor título: The bed is getting crowded), minha favorita é uma balada mais para Keith Richards do que para Mick Jagger: Down in the bowery, de doer. Bruce Springsteen, homem do ano, faz uma ponta em Faith.

Archive 2003-2006 | Department of Eagles | 7

Coletâneas de raridades funcionam mais ou menos como os aperitivos que você degusta entre uma refeição e outra: não enchem a barriga, mas aplacam a fome (dos fãs). É essa a regra. Este disco do Department of Eagles é a exceção. Pode ser consumido como o registro de uma fase do duo (as canções vêm de gravações abortadas, entre a estreia The cold nose e o frondoso In Ear Park) e como um álbum “novo”, com início, meio e fim. A estrutura do disco, todo pontuado por improvisações curtas (os sketches são como vírgulas num texto), é muito bem pensada, e dá ao repertório uma fluência que os outros trabalhos da banda não têm. A desvantagem (óbvia) é que as músicas de Daniel Rossen (Grizzly Bear) e Fred Nicolaus soam quase sempre como rascunhos, tentativas frustradas, peças largadas pela metade. Duas joias: Grand Army Plaza e Brightest minds.

Serotonin | Mystery Jets | 6.5

É o que se espera de um disco de rock britânico produzido por Chris Thomas (de Never mind the bollocks, do Sex Pistols, e Different class, do Pulp): um playground setentista, com brinquedinhos para entreter fãs de glam, punk, power pop e rock de arena. Divertimento levemente cínico, so british! Thomas, que é um sujeito muito lúcido, lima a gordura prog do quinteto como quem grita lá da mesa de gravação: foco, foco! O saldo de tanto foco é um disco talvez objetivo demais, que pode até surpreender os fãs do grupo (que talvez esperassem mais sisudez, mais ambição). Flash a hungry smile, por exemplo: uma homenagem muito alegre e digna a Brian Wilson, mas quantas outras não ouvimos por aí? Show me the light, outro bom momento, soa mais como um pedido de ajuda: uma banda competente, mas ainda perdidinha.

Mines | Menomena

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Entendo por que tanta gente se espelha em bandas como o Grizzly Bear, o TV on the Radio. Eles, os nova-iorquinos, correram atrás de uma marca, de um lugar no mundo, e encontraram tudo isso.

Também compreendo que muitos tenham o enorme desejo de gravar discos como Veckatimest e Dear science. Álbuns coesos, duros, determinados, densos – a cristalização de um estilo! – mas também fascinantes, misteriosos.

Mas a vontade de ser uma banda como o Grizzly Bear ou o TV on the Radio e de gravar discões como Veckatimest e Dear science, é claro, muitas vezes é apenas uma vontade: concretizar essa ambição é que são elas.

Pois bem: Mines, o disco mais ambicioso do Menomena, mostra que não é fácil desenvolver uma trajetória particular, inimitável, dentro do indie rock. Não é fácil ser o novo Grizzly Bear, muito menos o novo TV on the Radio.

O Menomena, um trio de Portland, Oregon, está no quarto disco e, até agora, não pareciam muito interessados em definir uma identidade sonora. O anterior, Friend and foe (2007), era um tiroteio de promessas. Uma sacola de cacos de vidro. E um ótimo disco, com faixas fortíssimas como Evil bee e Wet and rusting. Ainda hoje, gosto muito dele.

Era complicado definir o som da banda e, por isso, muitos diziam que eles criavam arranjos “angulosos” (o que é verdade), com um emaranhado instrumental imprevisível (um quebra-cabeças de loops) que acenava para o math-rock de um Battles, por exemplo, mas com uma tendência a melodias sentimentais, doces. Era mais ou menos isso.

Essa definição também pode ser aplicada a Mines, mas trata-se de um disco menos brincalhão e arejado que o anterior. Naquele, cada música parecia ter sido gravada num dia diferente. Neste, as 11 faixas soam como se tivessem saído de um mesmo ensaio e, três minutos depois, lacradas a vácuo.

Antes, havia lacunas no quebra-cabeças. Essas lacunas soavam misteriosas. Algumas faixas não soavam exatamente como canções, mas como esboços de canções. Desta vez, o Menomena resolveu usar as peças do puzzle para formar canções bem acabadas, às vezes redondinhas.

Mines é um disco bitolado numa “ideia-fixa”: as canções soam mais melodiosas (e menos aventureiras), sutis, mais detalhistas e, alguns momentos, sisudas, cabisbaixas, como capítulos de uma história triste. Em vez da caixinha de surpresas, um bloco maciço daquilo que eles entendem por maturidade.

Se fosse possível catalogar toda a história da música pop em dois tipos de álbuns – os juvenis e os adultos -, Mines seria um álbum adulto. Friend and foe, um juvenil (mas não se preocupe: essa catalogação maluca é uma bobagem).

É uma bela reviravolta na carreira da banda, que será defendida por muita gente (procure na web: há fãs tratando o disco como um dos melhores do ano), mas a questão é: eles conseguem bancar o salto?

Fato: o Menomena aprendeu a usar uma aquarela de timbres, loops e efeitos (e tem de tudo: guitarras, sintetizadores, sopros dissonantes, piano de casa do espanto, coros fantasmagóricos, percussão, palminhas, etc) para compor uma imagem harmoniosa. Perto disso, Friend and foe era Jackson Pollock.

Há canções aqui, como Dirty cartoons e Tithe, que poderiam ser confundidas com baladas do Coldplay e do Snow Patrol. E do Elbow. São quase convencionais. E, ainda assim, soam belas, cuidadosas, corretas.

Meu problema com o disco está nessa última palavrinha: ele soa corretinho. E, para uma banda de rock que parecia solta no mundo, tateando possibilidades, essa tendência ao comodismo me parece meio assustadora. Era só isso que eles queriam? E, nessa perspectiva, como fica o disco anterior?

Ainda assim, Mines não parece errado: existe um lugar nas rádios para o Menomena, eles soam sinceros e verdadeiramente desiludidos com alguma coisa (as letras, escritas na primeira pessoa, lidam com inseguranças e responsabilidades da idade adulta, temas com que podemos nos identificar, e há um tom surrealista, um clima de paranoia urbana que deixa tudo mais complexo). Junto do Morning Benders, do Dodos e de alguns outros, eles entendem que é possível arredondar referências de rock psicodélico sem tomar o rumo de elevadores e consultórios de dentistas. E isso é bom.

Não estamos falando de um disco aguado como o terceiro do Band of Horses.

Mines é um álbum coeso, para ser montado e desmontado lentamente? Sim. Indica a possibilidade de algum sucesso comercial? Talvez (eu não duvidaria). A certidão de nascimento de um estilo? Ainda não.

De qualquer forma, fico imaginando o que teria acontecido ao Menomena se eles tivessem mergulhado no caos colorido de Friend and foe e descido mais fundo naquele laguinho. As bandas de rock não devem ser o que queremos delas. Elas são o que são. Mas fico aqui imaginando.

Quarto disco do Menomena. 11 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Barsuk Records. 7/10

Superoito express (20)

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Volume 2 | She & Him | 6

O fã-clube de Zooey Deschanel que não me pendure praça pública, mas eu esperava encontrar, neste segundo disco do She & Him, a personagem que ela interpretou com tanta convicção em 500 dias com ela: Summer Finn, a musa imprevisível que atormenta os fãs românticos (e panacas) de indie rock. Mas (que vida!) meus desejos não foram realizados. Neste conto de fadas folky, ela ainda vive a mocinha indefesa, a heroína que caminha melancólica, inconsolável pelos campos ensolarados da Califórnia.

Tudo bem. Nem tudo é perfeito. E talvez a Zooey popstar se aproxime da Zooey real (o que seria uma pena, mas enfim). O problema é que essa (ops) personagem me parece cada vez mais monocórdica. Este Volume 2 é um disco do Camera Obscura, só que sem ironia ou finesse. Parece fácil fazer pop vintage, com aquela sonoridade quente de vitrola velha, mas o risco do diluir efeitos está sempre ali. Daí que o disco, comportadíssimo, só brilha quando o vinil de M. Ward ganha um outro colorido, uma doçura à Jon Brion. São duas músicas: In the sun e Don’t look back. Mas elas mostram que, sim, Zooey é capaz de virar o disco. Ao terceiro volume, então.

Dear God, I hate myself | Xiu Xiu | 7.5

Ao contrário do projeto de Zooey e M. Ward, o estilo de Jamie Stewart é um caso tão particular que parece projetado para provocar estranhamento. As canções, com mudanças abruptas de andamento e efeitos dissonantes, soam às vezes como arquivos corrompidos de MP3. Stewart vai picotando um punhado de referências (synthpop, lo-fi, indie, goth rock) até fazer com que o disco perca completamente o eixo, numa colagem doméstica, frágil, agoniada, que ressalta a franqueza do discurso. Como acontece com os álbuns do Why? e do Eels, este também cria um ambiente de intimidade quase sufocante. Pode soar simplesmente doentio. Mas, se não é tão forte quanto Fabulous muscles (2004), no mínimo serve para comprovar que Stewart ainda não encontra conforto nem no rock, nem em nada. É bonito, garanto. E recomendo que você tente pelo menos três vezes antes de desistir.

Big echo | The Morning Benders | 7

O Morning Benders pode ser considerado uma espécie de primo do Local Natives, outra banda californiana que usa a massa bruta do indie rock americano (no caso, o folk barroco de um Grizzly Bear) para criar uma sonoridade generosa, próxima do pop. Mas, antes que os acusem de oportunismo, aviso que eles se apropriam desses novos chavões sem cinismo. Estão verdadeiramente dispostos a disputar um espaço entre os ídolos. Big echo é, por isso, um álbum muito esforçado. Sei que a palavra é terrível, mas taí um quarteto que faz tudo para agradar a um público muito específico. E consegue, mesmo sem personalidade. Eficiência e bom gosto, no caso. Califórnia é uma grande nação (como diz a música do She & Him) e é interessante acompanhar uma banda tentando encontrar um lugar nesse mundo.

Fang Island | Fang Island | 7

Mas claro: mais interessante do que acompanhar uma banda deslumbrada com as próprias referências é descobrir aquelas que tentam criar todo um vocabulário. O Fang Island, de Rhode Island, é dessas. Eu definiria o som deles como um monstrengo prematuro nascido de uma rapidinha entre o Van Halen (os solos de guitarra a mil por hora, a pompa hard rock) e o Animal Collective (os corinhos infantis, o espírito comunitário). Para o Wikipedia, eles cabem no rótulo “progressive rock”. Talvez seja isso, ainda que tudo acabe soando tão frenético quanto um disco de hardcore. Ainda não sei se amo essa bagunça (e, se é para quebrar tudo, Dan Deacon me parece muito mais radical), mas reconheço que não ouvi nada igual.

Life is sweet! Nice to meet you | Lightspeed Champion | 6

Para quem conhecia e gostava do projeto anterior de Devonté Hynes (a banda de dance-punk Test Icicles, praticamente um tigre), o Lightspeed Champion vai continuar provocando muita frustração. No segundo disco, o texano (criado na Inglaterra desde os dois anos de idade) continua a enquadrar o próprio som de acordo com algumas convenções pop quase caducas: brit pop, easy listening, new wave. Tudo o que ele quer, aparentemente, é mandar um abraço para Jarvis Cocker e Morrissey (e quantos outros não querem?). A boa ideia deste Life is sweet é o olhar positivo para temas que costumam ser cantados com fatalismo (Dead head blues, por exemplo, é uma faixa alegre sobre o fim de um relacionamento). O oposto de A vida é doce, do Lobão. Nas recaídas, no entanto, Hynes escreve obviedades como I don’t want to wake up alone, que só reforça os clichês associados ao tal “som da Inglaterra”. E aí as piores do Morrissey soam pelo menos mais divertidas.

The courage of others | Midlake

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The courage of others é um daqueles discos que fazem com que eu me sinta um tipinho irrelevante: enquanto eu enfrento os grandes desafios da minha existência (acordar cedo, pagar o aluguel, regar as plantas e visitar minha mãe nos fins de semana), o Midlake se preocupa com a imensidão da natureza, o sentimento de melancolia que acompanha a morte do inverno e o “som grandioso de todas as criaturas vivas”.

Ah, sério? Aposto que este quinteto do Texas não leva a nossa oh-tão-sagrada existência com tanta austeridade. Mas, quando entram em estúdio, soam como cinco monges exilados em meio a uma plantação de bromélias, a muitos quilômetros das preocupações trivais que transformam nossas rotinas em episódios frívolos de seriados de tevê.

Deve haver algum ranço confessional escondido no subsolo deste terceiro disco do Midlake, mas ainda não encontrei a chave (e talvez seja minha culpa, ovelha desgarrada e meio burra). Desconfio que tudo seja uma questão de mise-en-scene: em The trials of Van Occupanther, de 2006, a banda tentava criar uma narrativa pastoral, como se Nick Drake interpretasse um songbook de Neil Young. Desta vez, eles apontam a embarcação para o folk rock britânico do fim dos anos 1960.

É uma aventura mais contida, limitada, menos ambiciosa, mas talvez o objetivo deles sempre tenha sido este: soar exatamente como uma banda-tributo do Pentangle, com algo de Incredible String Band. E vá entender: alguns desejos são meio estranhos mesmo.

A cadência uniforme do disco, que parece ter sido todo ele gravado numa tarde fria e chuvosa, pode atender as expectativas de quem procura desesperadamente um sucessor para Veckatimest, do Grizzly Bear. São dois álbuns duros feito pedra lascada, ainda que, cá para meus ouvidos, o Midlake ainda pareça uma daquelas bandas in-progress que se contentam em tomar um gênero (ou uma referência) e partir para o decalque — com ternura, claro.

Daí que as letras do disco são todas ricas em traços impressionistas, com imagens de vilas longínquas, ambientes selvagens, florestas tomadas por criaturas exóticas (seriam elfos?) e amores impossíveis. Até meu padrasto, o último defensor do rock progressivo dos anos 1970, talvez encarasse como uma homenagem fiel demais ao período. ‘Seria gozação?’, ele perguntaria, descrente.

Não é. O Midlake soa muito sincero nessa ode ao transe cósmico de canções que fazem absolutamente tudo para se livrar as impurezas deste mundo. Não encontrei nada ainda, mas certamente existe sabedoria, dignidade nesse esforço. Bom para eles. No entanto, se a banda estiver interessada em encontrar uma voz particular, vou avisando: a jornada é bem outra.

Mas chame de Astral geeks, se preferir.

Terceiro disco do Midlake. 11 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Bella Union. 6/10

Adeus, 2009 | Os melhores álbuns do ano (parte 2)

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É isso, meus irmãos: o top dos melhores discos de 2009 está aí, galante e inteirinho para quem quiser ver. Mas lembro que, até o fim da próxima semana, a série Adeus, 2009 segue com a lista dos meus filmes favoritos (que será fechada assim que eu conseguir me livrar do trabalho e assistir a Avatar) e mais uma mixtape que, espero, será um pouco menos acinzentada do que a anterior. Espero que tudo termine bem. Enquanto isso… 

10. The Pains of Being Pure at Heart – The Pains of Being Pure at Heart

Certeza que o Pains of Being Pure at Heart nasceu mesmo em Nova York? Para mim, ainda soam como quatro galeses que, depois de passar o inverno ouvindo The Jesus and Mary Chain e Belle and Sebastian, resolveram passar o verão na Suécia: leram livros cabeçudos, gravaram um disco de rock, e lembraram dos dias calorosos de adolescência. Tipinhos blasé. Que sabem como matar o tempo de uma forma produtiva.

9. Together through life – Bob Dylan

O tempo de Dylan é ontem? É hoje? Não me pergunte. Together through life é mais um álbum que ri sarcasticamente das regrinhas do pop contemporâneo e inventa o som de uma época que talvez nunca tenha existido. Atenção para a sinopse: este é um road movie (em sépia) sobre a pré-história do rock, encenado por um ator/diretor que, impertinente, insiste em esnobar nossas expectativas. Moral da história: mais uma vez, o gênio ri por último.

8. Fever Ray – Fever Ray

A estreia solo de Karin Dreijer Andersson (a mulher-mutante-zumbi à frente do The Knife) é um breu. Não deve, por isso, ser ouvida de luzes apagadas. Como numa produção de horror alemã dos anos 1920, seres estranhos se movimentam lentamente sob sombras. Mais assustador é notar que, na tradição de um Portishead, trata-se de um álbum sobre o terror do cotidiano — que nos aflige entre quatro paredes de concreto. Sabe qual? Aquele que não poupa ninguém.

7. XX – The XX

Quatro moleques de 20 e poucos anos. O que eles teriam a dizer sobre o estado do rock britânico? Praticamente tudo. Mesmo sem querer, o primeiro disco do The XX soa como uma resposta a anos de grandiloquência, ambições épicas e uso descontrolado de fumaça artificial. Com fé quase cega na sutileza, a banda grava lindos esqueletos de love songs que, para nossa completa surpresa, soam mais sensuais que qualquer hit da Kylie Minogue. Sem exageros: um tesão de disco.

6. Dragonslayer – Sunset Rubdown

Pobrezinhos de nós, fãs do Wolf Parade. Depois do tufão chamado Dragonslayer, eu não me impressionaria se os canadenses resolvessem tirar recesso por tempo indeterminado. No disco, o exército de Spencer Krug renasce como uma criatura à parte, ameaçadora e misteriosa. É caminho sem volta: em apenas oito faixas (monumentais, ambiciosas), a banda cobra um lugar espaçoso no mundo. E não deixa que sintamos saudades daquele outro projeto de Krug.

5. Album – Girls

Conhecer a história de Christopher Owens não é fundamental para amar deste álbum (e amá-lo é muito fácil). Mas ela nos ajuda a entender por que um sujeito que passou a infância e a adolescência trancado num culto religioso estupidamente radical resolveu gravar um disco que soa como um grito de liberdade. Do rock ‘n’ roll ao noise, o Girls metralha canções com a alegria angustiante de quem finalmente abre um baú que havia sido trancado à força. Catarse. Ou, se preferir, apenas o som de uma juventude perdida.

4. Two dancers – Wild Beasts

No rock contemporâneo, muitas são as bandas conservadoras que se fazem de ultramodernas. Mas poucas tentam entender o que faz do “rock clássico” um porto seguro tão atraente para fãs de música pop. O Wild Beasts é, por isso, uma raridade: uma banda que abandonou tiques do indie para estudar a arte da canção. Two dancers parece familiar (e tipicamente britânico) desde a primeira audição. Mas a fórmula é revigorada de tal forma – pelas performances lânguidas dos vocalistas, pelos versos enigmáticos, pela atmosfera sombria e decadente que envolve as músicas – que, perto dele, qualquer hit do Coldplay parece desonesto. Nada de novo nessa história. Mas não é sempre que a tradição soa tão urgente.

3. Bitte orca – Dirty Projectors

Não importa quanto tempo você invista no álbum-revelação do Dirty Projectors: ele sempre deixará a sensação de uma obra aberta – uma narrativa sem desfecho. O processo criativo de Dave Longstreth é tão caótico que deixa a impressão de haver vários projetos em estágio embrionário dentro de Bitte orca. Essa profusão de ideias (quase todas inusitadas: há folk, pós-punk, afropop e o diabo) permite ao ouvinte um prazer incomum: somos convidados a nos perder dentro de um álbum de rock. Como nas melhores aventuras, o desafio é totalmente recompensado.

2. Veckatimest – Grizzly Bear

Veckatimest é o contra-ataque que não esperávamos do Grizzly Bear. Muitos fãs do disco anterior, Yellow house, talvez teriam apostado num álbum mais extrovertido e pop (ou, num sentido oposto, mais radical, experimental). Mas a banda – mais madura do que eu e você, possivelmente – preferiu seguir uma trilha mais enigmática. Sob neblina seca, o disco condensa as experiências anteriores (do rock californiano a uma psicodelia dura, quase entorpecida, quase fria) num molde absolutamente compacto. É como se todas as canções inesperadamente decidissem narrar uma só história, com a atmosfera desolada (mas com momentos de esperança e beleza) de um conto de fadas para adultos. Talvez seria melhor ouvir este disco em meio à leitura de A estrada, de Cormac McCarthy. Ou após uma sessão de Deserto vermelho, do Antonioni. Quem sabe aí começaríamos a entendê-lo?

1. Merriweather Post Pavilion – Animal Collective

Escrevi meus primeiros comentários sobre MPP (e o chamo assim porque somos íntimos) há exatamente um ano. Naquele dezembro, já dava para notar que seria quase impossível encontrar um concorrente à altura do impacto provocado por um disco que soa extraordinário até para os padrões (muito altos) do Animal Collective. Muito se falou sobre como a banda trata a música eletrônica – da mesma forma curiosa (infantil, no melhor dos sentidos) como brincou com elementos do folk e da música experimental. Mas o álbum ainda me deslumbra por outro motivo: por mostrar com clareza a face humana do trio.

Como sempre, não há limites para a invenção musical. O que faz de MPP uma obra-prima, no entanto, é como essa sonoridade irrequieta dialoga com os versos mais francos e emotivos que eles já gravaram. Depois da viagem ao fundo do coração selvagem, eis que encontramos a maior surpresa: Avey Tare, Panda Bear e Geologist, artistas do inusitado, também se sentem perdidos diante das incertezas do nosso mundo. Exatamente como quase todos nós.

Adeus, 2009 | Superoito’s mixtape, parte 1

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A história vai assim: todo dezembro, seleciono algumas de minhas canções favoritas do ano para duas edições especiais do programa de rádio Marco Zero, transmitido às terças-feiras (às 22h) pela Câmara FM (se você mora em Brasília, elas rolam nos dias 22 e 29).

A brincadeira é, pra mim, das boas: a quantidade de canções lançadas durante o ano é tão grande que seria possível criar cinco programas diferentes – sem repetir bandas. O desafio, por isso, é criar mixes envoltos numa certa atmosfera – com início, meio e fim. Ou seja: coletâneas para fãs de álbuns (e daquelas fitinhas que gravávamos para os amigos, com mensagens secretas e emoções afloradas).

Sempre pensei em comparilhar esses programas, em formato de podcasts, aqui no blog. Então taí: pela primeira vez, consegui colocar o plano em prática. Neste post, vocês podem fazer o download da primeira parte da mixtape com as minhas preferidas de 2009. Mato logo dois coelhos e começo a séries de posts Adeus, 2009, com minhas listas de melhores do ano (por essa vocês não esperavam, hum?).

Aviso que há alguns problemas técnicos no pacote, mas nada que não se resolva com alguma paciência. Fiz uma exaustiva bateria de testes e garanto: o melhor modo de ouvir a coletânea é pelo Windows Media Player (e repare que o som fica mais caloroso). No iTunes, uma canção misteriosamente desaparece e isso é um pecado (e logo uma das melhores, Kid klimax). Mas talvez vocês entendam desses detalhes tecnológicos melhor do que eu. Prometo resolvê-los na segunda parte da retrospectiva.  

A seleção via web não é a idêntica à que será transmitida na rádio (reconheço: a da web ficou um pouquinho mais bacana). Há algumas mudanças estratégicas e faixas bônus – e o climão todo (que tem algo a ver com a foto do Grizzly Bear lá em cima) diz muito sobre o meu ano. Mas garanto que, se você sintonizar na Rádio Câmara, ouvirá algumas surpresas.

Eis a tracklist:

1. Hooting & howling – Wild Beasts
2. Hearing damage – Thom Yorke
3. While you wait for the others – Grizzly Bear
4. Kid klimax – Atlas Sound
5. Lovesick teenagers – Bear in Heaven
6. Out of the blue – Julian Casablancas
7. Alligator – Tegan & Sara
8. Higher than the stars – The Pains of Being Pure at Heart
9. Plain material – Memory Tapes
10. Fables – Dodos
11. Heaven can wait – Charlotte Gainsbourg e Beck
12. January twenty something – Why?

Faça o download (via Rapidshare): Superoito’s mixtape 2009, parte 1

A segunda parte fica para a semana que vem – e, a depender da aceitação disto aqui, penso em fazer seleções mensais em 2010. O que vocês acham?

50 discos para uma década (parte 3)

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Meio caminho andado, vamos à longa, tortuosa lista dos meus favoritos da década. Lembrando que é uma lista que não tem o objetivo (pelo menos não totalmente) de mapear o que de mais relevante e interessante foi lançado no período – no fim das contas, é apenas a relação dos discos que amo e guardo comigo.

grizzly

30. Yellow house – Grizzly Bear (2006)

Depois da estranheza inicial, já podemos tratar o Grizzly Bear como uma banda de indie rock não tão alienígena. O terceiro disco deles, Veckatimest (2009), afirma uma marca que hoje começa a soar talvez excessivamente familiar (melodias sideradas à Brian Wilson, coros texturas de acordes que sugerem paisagens exóticas e, acima de tudo, um desejo tocante pela canção mais sublime). Mas ainda é impossível esquecer o impacto de Yellow house, um transe folk que de vez em quando até produz  uma ou outra obra-prima pop. E tem Knife, uma das melhores canções da década. 

poses

29. Poses – Rufus Wainwright (2001)

Depois de uma estreia com queda pelo pop barroco, o segundo disco de Rufus Wainwright chegou cercado de expectativas. E ainda soa assim: como um testamento, um ato ambicioso de autoafirmação. Sem esconder-se em nichos, Wainwright adapta as próprias manias a um contexto pop. Com versos que beiram o rococó (um disco com imagens de príncipes e anjos malvados, enfim) e empostação às vezes quase operística, o cantor busca um lugar no mundo (e encontra) enquanto narra os pesadelos de celebridades amaldiçoadas pela própria beleza. No projeto seguinte, o duplo Want, essas e outras obsessões seriam amplificadas em formato widescreen. Mas o nascimento de um autor já havia sido registrado – aqui, em Poses.

superfurry

28. Rings around the world – Super Furry Animais (2001)

O álbum mais polêmico dos galeses (à época do lançamento, muitos trataram como uma jogada comercial que não deu tão certo), a estreia da banda numa grande gravadora é um blockbuster multicolorido que pareceria simplesmente ridículo se não soasse bem humorado, irônico e absolutamente criativo. Eles gravaram discos tão tresloucados quanto (Guerrilla, por exemplo), mas nenhum tão seguro das próprias sandices. Depois dele, a banda entraria numa fase de maturidade quase serena (e previsível). Mas o “álbum pop” do Super Furry Animals é o tipo de megalomania que compensa. The Who e Queen aprovariam (e eu lembro de ter passado três ou quatro meses ouvindo sem parar).

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27. Boys and girls in America – The Hold Steady (2006)

A crônica dos meninos e meninas da América encontrou um narrador: no rock americano, é Craig Finn quem mais entende as oscilações da juventude – os dramas, do tédio, do inferno e do paraíso. Ainda assim, poucos esperavam por um disco tão perfeito quanto Boys and girls in America. Depois de ter criado a trilha para as vidinhas triviais de uma turma de personagens mais-ou-menos desajustados (e também adoráveis, estúpidos, inseguros), o Hold Steady escreve os hinos de uma geração perdida. Os versos valem por si só (e Stuck between stations é emocionante do início ao fim), mas a banda envolve as narrativas com melodias que poderiam estar num dos grandes discos de Bruce Springsteen.

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26. Illinois – Sufjan Stevens (2005)

O grande disco de Sufjan Stevens é um estado inteiro: excessivo, caótico, contraditório e muito mais ambicioso do que teria o direito de ser. O impressionante é como o compositor consegue se colocar à altura de tanta ambição (e quem não abandonou o disco de primeira sabe que não há uma única faixa sobrando) e cria um álbum tão cuidadoso quanto emotivo e pessoal – um mapa sentimental para uma Illinois de monumentos imponentes, serial killers melancólicos e de lembranças que definem a aparência das paisagens. Provavelmente Sufjan não vai conseguir fazer nada igual. Mas tudo bem: já fez, e ainda soa inacreditável. 

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25. Franz Ferdinand – Franz Ferdinand (2004)

Entra na lista como um dos discos britânicos fundamentais da década (um sucesso comercial que influenciou meio mundo), mas não só por isso. Se todo o revival do pós-punk teve um quê patético, Alex Kapranos soube perfeitamente como tratar a febre indie com um sorrisinho ácido – e, no som do Franz Ferdinand, há tanto de Talking Heads e Gang of Four quanto de Damon Albarn e Jarvis Cocker. A estreia da banda pode não ter provocado a surpresa de Strokes e White Stripes, mas acabou produzindo alguns dos hits mais duradouros da década: a começar por Take me out, que ainda toca nas festas como se tivesse sido lançado há um mês. Os dois álbuns seguintes repetem o truque.

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24. Sea change – Beck (2002)

O Blood on the tracks de Beck Hansen é uma obra-prima do amor perdido. A história é velha: depois de sofrer uma crise sentimental, compositor grava um álbum de baladas confessionais e tristes. Quem tratou Sea change como uma dor de cotovelo passageira perdeu a melhor parte do drama: acostumado a calcular os próprios projetos como quem desenha maquetes para uma obra, Beck se arriscou a expor os próprios fantasmas sem abandonar a obsessão por álbuns de pop art, conceituais. Com influências de folk britânico e pop francês, o disco convoca Nick Drake, Air e Dylan para uma viagem ao fundo da noite. Nigel Godrich produz como quem escreve uma carta de amor – gentilmente. Depois disso, Beck voltaria aos bons tempos e (santa ironia!) gravaria os discos mais confusos e desconjuntados da carreira.

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23. Oh, inverted world – The Shins (2001)

O fenômeno mais surpreendente da década atendeu por The Shins, uma banda de New Mexico que, sem guitarras ruidosas ou hits do tamanho do mundo, se transformou no maior sucesso da Sub Pop desde o Nirvana. Quem explica? Ainda que alguém tente, é melhor lembrar que a “bandinha” ensinou algumas lições aos candidatos a Axl Rose: com 30 minutos de melodias delicadas, é possível ganhar o mundo. A aparência de total despretensão, no entanto, é enganosa: com o tempo, o indie rock econômico da banda revela uma precisão quase microscópica (e qualquer um dos discos da banda acaba soando atemporal) e apaixonante, atualização generosa do pop psicodélico dos anos 1960. Não é por pouco que Natalie Portman não desgruda dos headphones…  

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22. Blueberry boat – The Fiery Furnaces (2004)

O Fiery Furnaces começou a década como uma banda incompreendida e termina exatamente do mesmo jeito. Taí o preço que se paga por querer fazer as coisas da forma mais complicada. No primeiro disco, Eleanor e Matthew Friedberger viraram alvo de uma imprensa musical à procura de um novo White Stripes. Azar o dela. Blueberry boat coloca os pingos nos is. Uma ópera-indie em três dimensões, soa como o oposto perfeito de qualquer projeto de Jack White – e cria uma ponte inusitada entre The Who e Captain Beefheart. É um dos discos mais originais da década – mas quem tem paciência para canções de oito minutos que se desdobram em vinte outras melodias que se multiplicam em cinco refrãos inesquecíveis e descambam em três faixas que não deram certo? Não me pergunte.

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21. Antics – Interpol (2004)

Antes de assinar com uma gravadora grande e diluir os próprios métodos, o Interpol era uma banda que interpretava o rock sombrio dos anos 1980 com o olhar de quem cresceu assistindo a Kurt Cobain na MTV. Turn on the bright lights provocou susto, mas foi com Antics que a banda se sentiu confortável para abrir uma fresta e escrever alguns dos novos clássicos de uma onda que recebeu o apelido genérico, e enganoso, de “novo rock”: Evil, NARC, Slow hands e uma abertura (Next exit) que soaria como um anticlímax se não fosse interpretada com tanta convicção. E isso, apesar de tudo, Paul Banks tem de sobra: ele canta como se estivesse na beira do precipício, e a gente acredita.

Two weeks | Grizzly Bear

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… E é isso o que acontece quando se vai à igreja excessivamente.

Ok, talvez não (eu, que frequentei mais de uma dúzia de missas, não lembro dessa parte). O novo clipe do Grizzly Bear é um dos melhores do ano: o diretor Patrick Daughters, no auge, vai do bizarro ao sublime com alguns closes e (quase) nada mais.

(Assisti a alguns filmes no fim de semana, mas, apesar das tentativas de escrever sobre eles, terminei totalmente desmotivado. Não é culpa dos filmes — por exemplo: redescobrir Playtime na tela grande contou como uma das cinco sessões mais emocionantes da minha vida  —, talvez apenas um misto de preguiça e desinteresse. Ou algo mais grave que isso. Ainda não sei. Preciso esperar um pouco para ver o que acontece)

Veckatimest | Grizzly Bear

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grizzlyVeckatimest é uma pequena ilha deserta perto de Massachusetts. E o nome do terceiro álbum do quarteto nova-iorquino Grizzly Bear, que retorna três anos depois da sensação indie Yellow house.

Posso interpretar como uma metáfora? Tipo: contra as expectativas de quem torce para que eles se transformem num gigante à Arcade Fire, a banda liderada por Daniel Rossen e Ed Droste prefere continuar habitando um mundo miúdo e misterioso, um refúgio tão distante e tão próximo da civilização.

O isolamento, para eles, é um porto seguro. Fazem bem. A banda não se deixou afetar pelo hype que a alçou ao paraíso do rock independente, nem tomou uma via mais acessível. O EP Friend, de 2007, indicava o início de uma fase menos abstrata e mais pop, com guitarras distorcidas, influência de dance music (no remix do CSS, por exemplo) e doçura. Era um bom disco, mas Veckatimest soa como uma verdadeira continuação para Yellow house.

Não só genuína, mas até cuidadosamente desenhada para dar sequência às ideias do disco anterior. Aquele era um álbum que tomava melodias razoavelmente convencionais (como a de Knife, que poderia ter sido gravada por um grupo vocal feminino dos anos 60) como base para experimentações psicodélicas, epifanias rurais e uma interpretação bastante atual  (à luz das invenções de um Animal Collective, por exemplo) para a lisergia musical do final dos anos 60.

É exatamente nessa base em que Veckatimest se sustenta. O que, para os fãs que esperavam uma grande novidade, pode soar frustrante. Em vez da ruptura, o Grizzly Bear adiciona alguns elementos a uma sonoridade precocemente consagrada (e reprisada no álbum do Department of Eagles, de Rossen). As guitarras de Friend rasgam boa parte das faixas, mas a atmosfera ainda é a de um ciclo barroco de canções, à Van Dyke Parks.  

Não só isso: o que transparece no álbum é absoluto detalhismo – e a intenção de forjar uma identidade sonora a todo custo. Tanto que os 54 minutos, densos, chegam a parecer exaustivos num primeiro contato (com o tempo, garanto que a familiaridade com as canções facilitará o processo). Os momentos de leveza de Yellow house (e não eram poucos) são trocados por faixas que insistem obsessivamente uma mesma estrutura: começam como pequenos mantras que desaguam em linhas melódicas tão assobiáveis quanto as de uma música do Fleet Foxes.

Essa busca por coesão rende um disco quase uniforme, com uma ou outra saída de emergência (a delicada Hold still, o desfecho Foreground). Mas fico com a impressão de que qualquer julgamento precipitado será falho. Ouço o álbum há três dias e ainda não consigo tirar conclusões definitivas. Faixas como Southern point, Two weeks, Cheerleader e Ready, able me parecem tão fortes quanto os melhores momentos do álbum anterior. Mas existe algo impenetrável e árido neste disco, como se precisássemos forçar a porta para entrar.

O que é um bom sinal. Cada vez acreditamos estar mais perto do Grizzly Bear. Veckatimest faz com que a banda chegue aos nossos ouvidos como um objeto estranho e sedutor. Mais uma vez.  

Terceiro álbum do Grizzly Bear. 12 faixas, com produção de Chris Taylor. Warp Records. 8/10

Dark was the night | Vários Artistas

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darknightcapaNão é que eu tenha problemas com coletâneas, mas veja o caso de Dark was the night. Nem sei por onde começar, sério.

O álbum duplo, lançado com a Red Hot Organization (que arrecada fundos em benefício dos portadores do HIV, e está por trás de discos como No alternative e Red Hot and Blue), tem 31 faixas, dura mais que muito longa-metragem e funciona praticamente como um yearbook para ídolos da comunidade indie (classe de 2007/2008, com paraninfos e agregados).

Quer dizer, Deerhoof ficou de fora. Mas eles não contam exatamente como ídolos, contam?

No mais, a turma está reunida: produzido por Aaron e Bryce Dessner (do The National), o álbum reúne canções exclusivas (entre inéditas e covers) de bandas como Arcade Fire, Spoon, Antony and the Johnsons, Grizzly Bear, Andrew Bird, The New Pornographers, My Morning Jacket, Cat Power. O set é tão diversificado (dentro dos limites do indie, claro) que praticamente todo leitor da Pitchfork vai querer uma cópia do disquinho.

Dá para forçar a barra e identificar uma atmosfera de melancolia em torno da maior parte das faixas – e algumas delas, como You are the blood (Sufjan Stevens) e Stolen houses (Iron and Wine) vão direto ao tema. Mas é um projeto abrangente demais para caber numa síntese (que o próprio título sugere).

Como de costume, há opções meio duvidosas. Conor Oberst, por exemplo, presta reverências ao próprio umbigo com uma versão de Lua (se faz acompanhar por Gillian Welch). E o Decemberists extrapola com uma faixa chorosa de oito minutos de duração (Sleepless). Mas são poucos equívocos, e eles quase desaparecem num conjunto bastante forte.

Eu destacaria umas 15 faixas, mas isso não ajudaria ninguém. Sejamos práticos: lá no topo da minha lista de preferidas estão Deep blue sea, do Grizzly Bear (tão boa quanto qualquer uma do disco Yellow house, que é maravilhoso), Knotty pine, com Dirty Projectors e David Byrne (que abre o disco, e não à toa) e You are the blood, que aponta uma direção mais experimental e eletrônica (mas ainda doce) para Sufjan Stevens.

Well-alright, do Spoon, abre o segundo disco e… Se não mereceria entrar no álbum mais recente dele, ainda é Spoon e por isso vale quase a coleânea toda. E, no departamento das covers, é uma delícia a versão do New Pornographers para Hey, snow white, do Destroyer (e a de Antony para I was young when I left home, de Bob Dylan).

Isto é: daqui a 60 anos, quando quiserem resgatar o indie rock do início do século, este álbum aqui servirá como uma introdução bem decente.

Coletânea produzida por Aaron e Bryce Dessner. 31 faixas. 4AD/Red Hot Organization. 8/10