Geração 2000

Angles | The Strokes

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Quem me conhece sabe que meu filme favorito é Um corpo que cai, do Hitchcock. Que prefiro Godard a Truffaut. Que não consigo entender por que vi Presságio quatro vezes no cinema (apesar de gostar de Hitchcock, Godard e Truffaut). E que o Strokes, não estou mentindo, é uma das minhas bandas preferidas entre todas as que começaram a lançar discos de 2000 para cá.

Sobre minha admiração pelo quinteto, (acho que) sei explicar. Outro dia, fiz um parágrafo – daqueles bem irresponsáveis — sobre Is this it (2001) para o ranking dos 100 discos da minha vida. Lá pelas tantas, escrevi o seguinte:

“Com o passar do tempo, ficou até um tanto embaraçoso explicar por que este álbum tão sucinto, um resumo do pós-punk de Nova York (numa coleção de singles de dois, três minutos de duração) foi acolhido como um marco. Mas talvez devamos tomá-lo como o sintoma de um período muito específico – o início do século, o começo dos anos 00. Com o placar zerado, o Strokes entrou em cena como um bando de pioneiros. Estilosos, irônicos, ridículos. Nos tomaram pelo braço. E com eles nós dançamos como se fosse a primeira noite.”

Hoje, apesar da minha má vontade com o novo disco da banda, eu não reescreveria esse texto. Ele resume, mesmo de uma forma meio desastrada e cheia de floreios, as minhas impressões sobre o Strokes. É uma banda de rock muito talentosa e competente que, graças aos poderes do timing, virou ícone.

Sem exagero: quem ouve os dois primeiros discos do Strokes, queira ou não (ame ou odeie), é conduzido à porta de entrada dos anos 2000. De alguma forma, sabe-se lá como, eles nos levam até lá. É como ouvir Nirvana, e ser atirado aos anos 90. Ou ser devorado pelos anos 80 (mesmo sem ter vivido a década) ao ouvir uma canção dos Smiths. São bandas que nos situam em determinados momentos, fases (arbitrárias, é claro) da história do pop e das nossas trajetórias tão pessoais.

Mas a importância do Strokes não anula ou compensa as fragilidades da banda – que nunca foram invisíveis para ninguém.

Até o segundo disco, quando Julian Casablancas pensava primeiro nos singles e depois nos álbuns, eles produziram coletâneas quase perfeitas. Não conheço quem questione o talento do sujeito para criar hits fulminantes, que nos conquistam à queima-roupa. Sei de DJs que criaram sets inteiros só com o repertório de Is this it e Room on fire. Na pista, ninguém reclamou.

Algo mudou no terceiro disco, First impressions of Earth (2006), e às vezes desconfio que ali nasceu uma outra banda. Mais ou menos como o Oasis de Standing on the shoulder of giants, o Strokes mudou o sistema de governo – de monarquia (do príncipe Casablancas) a uma espécie de parlamentarismo (todos os integrantes da banda passaram a ter mais poderes). E, mais ou menos como o Blur de 1997, resolveu arriscar, ampliar o cercadinho, desafiar as expectativas dos fãs.

Esse desejo de ir além (e desculpe se soa brega, mas soa brega) aparece já na letra do primeiro single do disco novo, Under cover of darkness: “Todo mundo está cantando a mesma canção há 10 anos”, diz Casablancas. Mas soa como ironia (e uma boa ironia), já que a música é uma das poucas do disco que reprisam o modelo das primeiras faixas do grupo, como Someday e Last nite. Escritas, claro, há 10 anos.

É um single que nos deixa um tanto nostálgicos. Precocemente nostálgicos. Como nos bons tempos, Casablancas segue agonizando na pista, gemendo feito um menino que acabou de perder os dentes de leite: “Não vá por esse caminho. Eu vou esperar por você”, diz. O efeito do single, porém, não é de catarse. Soa um tanto cínico, na verdade. Como se a banda soubesse exatamente os botões que deve apertar para mimar os fãs.

O restante do disco, com poucas exceções, não vai por esse caminho. Casablancas ainda não encontra satisfação (e tome pensamentos vagos como “não quero te contar nada”, “você vai esperar por mim também?”, “alguém está sempre atrasado”, “não tente nos parar”, “eu queria contar que está melhor, mas que sentido faz?), mas a banda parece disposta finalmente a gravar um ÁLBUM (em maiúsculas) tão poderoso quanto os hits que coleciona desde sempre. E, literalmente, anguloso.

Não é simples como parece. Ainda que o discurso de Casablancas tenha um quê de Kurt Cobain (as frases são curtas, vomitadas, desesperadas), a sonoridade do grupo está mais para Ramones do que para Radiohead. Explico: o estilo do Strokes é inconfundível, mas ele tem limites muito claros, é até estreito. Não é uma banda de mutações radicais, mas que se sente mais confortável quando faz movimentos repetitivos com uma ou outra transformação sutil.

Desde First impressions of Earth, o que ouço é Ramones tentando agir como Radiohead. Soa, no mínimo, frustrante. Principalmente porque, ao contrário de bandas que se contentam com pouco, os Strokes estão tentando, estão olhando para frente, estão jogando um jogo que deveria nos entusiasmar. Amamos as bandas que rejeitam a repetição oportunista, certo? No caso do Strokes, até eu começo a perguntar se não seria melhor depurar a fórmula (em vez de se aventurar por aí).

Em tese, Angles é o disco mais arriscado da banda, o mais corajoso. Na prática, porém, é desconjuntado e um pouco melancólico – talvez como reflexo de uma gravação tumultuada, cheia de desencontros. Não acho agradável assistir a um acidente desses: cada faixa apresenta pelo menos três boas ideias que, após muito sofrimento, morrem na areia. É uma tragédia ambiental, praticamente.

Two kinds of happiness, por exemplo, começa com os ares de pop eletrônico de Ibiza, mas logo esbarra num refrão que, de tão óbvio, maltrata a alma. Metabolism, a pior do disco, já rende comparações com Muse – mas soa como um cruzamento deprimente entre heavy metal e Interpol.

You’re so right também deixa a sensação de mal estar provocada por uma fita de tortura à la Jogos mortais: não há beleza ou graça nesses riffs mecânicos, desalmados. Não vejo prazer nessas canções. Nem a agonia que nos remeteria, digamos, a um Joy Division. São esboços de canções (e não noto canções que foram escritas para soar fragmentadas, despedaçadas, como é o caso do Radiohead).

Muito se falou sobre o tom oitentista do disco, mas existe algo diferente aqui: as referências dos Strokes não indicam uma pesquisa de sons ou um interesse específico por alguma fase da música pop, e sim um esforço frio de agregar ao som da banda uma série de elementos que hoje são considerados “in”: os sintetizadores datados do MGMT e do Crystal Castles, os riffs adoçados do Phoenix, a eletrônica delirante e leve de um Delorean e tudo o mais que eles descrevem como “música do futuro”. Soa como um disco de garage rock produzido por um menino que passou muito tempo lendo a Pitchfork.

O que não seria um problema (nada errado com a Pitchfork!) se o Strokes fizesse justiça a ambições que, infelizmente, pairam muito acima das capacidades da banda. Às vezes as coisas são simples assim: há os ídolos que, a cada disco, miram (e acertam) um planeta diferente. Já o Strokes se sente pesado, um outsider, sempre que ameaça decolar.

Quando tentam abandonar a bela cidadezinha onde vivem, eles perdem o caminho de volta. Nos deixam dançando na pista – desta vez, solitários.

Quarto disco do Strokes. 10 faixas, com produção da própria banda e de Joe Chicarelli. Lançamento RCA. 4/10

Crystal Castles | Crystal Castles

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Anote e não deixe faltar na sua lista de fim de ano: Crystal Castles pode até não se segurar como o melhor disco de 2010, mas será um dos poucos que, lá em dezembro, vão soar como um retrato muito vivo deste nosso tão estranho, tão efêmero, tão frenético, tão caótico mundo pop.

Pretensioso, eu? Mas é isso aí. Este é um disco que, antes de qualquer qualidade (ou defeito, certamente vão encontrar muitos), soa urgente como o noticiário das oito e meia. Não é sempre que acontece. Mais cedo ou mais tarde, você vai acabar se surpreendendo da mesma forma como eu me surpreendi.

Algumas bandas e artistas têm o talento (ou a sorte) de, talvez inconscientemente, capturar o sentimento de uma época. M.I.A e Vampire Weekend fazem isso quando viram a world music pelo avesso. Radiohead é o próprio sintoma de um período marcado por transformações aceleradas. Geniozinhos de laptop como o Flying Lotus e o Burial, por exemplo, foram gerados na placenta da microtecnologia. Performers mutantes, The Knife, Beirut e Liars espelham o que existe de mais instável num mundo imprevisível, desconfortável.

Adicione o Crystal Castles a esse clube. O duo, formado por Ethan Kath e Alice Glass, se fez conhecido por uma sonoridade bipolar — tão agressiva quanto delicada — que parecia combinar punk e electro. Alguns o chamavam de “digipunk”, outros de “techno-metal”. Mas eles nunca soaram como isso ou aquilo. O ponto de partida é o noise rock, mas eles não escrevem o próprio destino em pedra.

O segundo disco confunde ainda mais quem tenta classificá-los. Começa violentíssimo, sob poeira de ruídos agudos, e vai se reinventando até a última faixa: do shoegazing ao electropop, do hardcore a uma catarata de distorção que só pode ser classificada como tortura sonora. Tudo é possível. Nada faz sentido. O mundo vai acabar em 2012, salve-se quem puder.

O susto é premeditado (tudo ceninha, percebe?). O gosto pelo caos está no hardware do grupo. Gravado em uma igreja na Islândia, num chalé em Ontário (no Canadá, país de origem do duo) e numa loja de conveniência abandonada em Detroit, Michican, e em Londres, o álbum é desconexo de propósito. Quase por birra, não é nada conciso. Tem 14 faixas, algumas longas, e não se contentaria com menos.

A ideia, creio eu, é compactar todos os interesses de Alice e Ethan dentro de um CD-testamento. O resultado é uma mixtape perversa, com uma tracklist que nos deixa para sempre perdidos. Algumas grosserias são quase inaudíveis (caso de Doe deer, que ouço em volume máximo quando quero que o planeta exploda), outras são de uma sensibilidade doce, até radiofônica (aposto que Celestica vai rolar fácil nas rádios britânicas). “Siga-me para lugar algum”, convida Alice. É pra já!

Nas primeiras faixas, o disco se apresenta como um bicho de sete cabeças: os contrastes são intensos, chocantes, gratuitos. Aos poucos, como quem vai afinando uma rádio (indo e voltando nas estações mais acessíveis, sem medo de cair nas lacunas ruidosas que separam umas das outras), a banda encontra a sintonia e, da metade em diante, ele se transforma em uma outra criatura, esguia e autoconfiante. Minhas músicas favoritas estão nessa segunda metade: os jogos vocais em Violent dreams, o aperto claustrofóbico de Vietnam, o desespero sinistro de I am made of chalk, o cinismo fofo de Not in love.

Tal como o The Knife, o Crystal Castles usa efeitos especiais para criar personas e, assim, definir o perfil de cada canção. Cada uma delas parece abrir um capítulo diferente nesta saga. Talvez por isso o disco não aborreça e, até a última faixa, siga oferecendo novos mistérios. Mas, ao contrário dos suecos, existe uma aura familiar no som do duo — um traço humano, palpável — que permite ao ouvinte experimentar os prazeres mais simples do pop.

Nos anos 90, a década em que eu cresci, um disco como este seria tachado de irregular, sem forma, imaturo. Hoje, soa simplesmente apropriado: se você pudesse converter o noticiário em uma só música, como ela soaria? Aposto que, em alguns trechos, o barulho seria insuportável.

Segundo disco do Crystal Castles. 14 faixas, com produção de Ethan Kath. Lançamento Fiction Records. 8.5/10

2 ou 3 parágrafos | Franz Ferdinande!

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Depois de ter escrito um caminhão de abobrinhas sobre os shows do Guns N’ Roses e do a-ha, me sinto na obrigação de contar alguma coisa sobre a passagem diabólica (explico: fazia um calor infernal) do Franz Ferdinand por Brasília. Acontece que – a-há! – não tenho muito a dizer sobre a performance dos rapazes. Isso me deixa um pouco incomodado, já que foi um show muito, muito bom.

Não deixa de ser um negócio estranho: por que, no day after, bateu uma certa apatia. Teria sido um show apenas correto? Não pode: o Franz é uma das bandas mais precisas do mundo. Tudo está no lugar certo — o carisma do vocalista (que dá chutes no ar e sorri quando o fã salta do palco num mosh desengonçado, e diz ‘Franz Ferdinande!’ com sotaque carioca), o entusiasmo do baterista, os incríveis macetes do guitarrista (que manda muito bem nos sintetizadores), as jams hipnóticas (se bem que a batucada de Outsiders, marca registrada deles, já está virando um tique), o namorico com a dance music, o baixo pesadão, os hits poderosíssimos, a atitude invariavelmente cool (antes do show, eles aqueceram o público com quatro faixas do disco novo do Caribou!)…

De onde vem meu incômodo, então? Talvez tenha sido culpa do set list meio torto, que queima todos os hits bem antes do bis. Ou do uso desleixado do telão, jogado às traças. Ou nada disso. Talvez minha birra resulte de uma espécie de choque térmico: depois dos excessos (sentimentais, pirotécnicos, patéticos) do Guns N’ Roses e do a-ha, o Franz me pareceu carne crua, hambúrguer sem ketchup, biscoito sem recheio de marshmallow. Mas do que estou reclamando? É o que dá cair de barriga no século 21, sem asa delta. A filosofia da geração desse quarteto (e do Strokes, e do White Stripes) é podar a penugem e ir ao osso da canção, da atitude, da encenação, da pose (e há pose sim, como não?). O show deles deixou essa imagem: é ossudo. Cálcio à beça. Símbolo de uma época. E, possivelmente, um espetáculo que deveria ter feito de mim um sujeito realizado. Mas não foi bem o que aconteceu — e é bizarro, acreditem, não saber por que.

50 discos para uma década (parte 1)

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Então é isto. Ninguém pediu, ninguém quer saber e suspeito que uma parte pequena dos leitores deste blog se sinta ofendida com este tipo de lista – mas, contra tudo e todos, começo hoje uma série de posts com os meus 50 discos preferidos da década. Adianto: selecionar os “vencedores” foi um drama sangrento. Admito que não estou satisfeito com o resultado e que, para fazer alguma justiça a tudo o que ouvi nesse período, a lista deveria conter mais ou menos 250 álbuns. Ainda assim, seria cruel.

Pensei em escolher 100, mas depois achei mais interessante o desafio de cortar na carne. Taí. Como critério para impor alguma ordem no cortiço, determinei o seguinte: só vale entrar um disco de cada banda/artista. Essa regrinha aparentemente simples é dolorida, já que não consigo imaginar uma lista de melhores da década sem a inclusão de pelo menos dois álbuns do Radiohead e três do White Stripes. Ainda assim, resisti aos impulsos destrutivos e segui com fé na cartilha.

Outra restrição (que nem me incomoda tanto): não entram discos brasileiros. Isso só serviria para confundir o que já está bagunçado. Mas fica o desejo quase secreto de, em outro momento, compor um top verde-e-amarelo, para delírio da nação. Prometo que, se vocês pedirem com carinho, pensarei no assunto.

Antes de começar os trabalhos, um ato de justiça: aí vão discos que quase, quase entraram na lista e foram cortados por alguns centésimos. Fica meu abraço para (sem ordem de preferência) United, do Phoenix, Whatever people say I am, that’s what I’m not, do Arctic Monkeys, Cross, do Justice, Gulag orkestar, do Beirut, Bitte orca, do Dirty Projectors, Relationship of command, do At the Drive-In, Vespertine, da Björk, Gorillaz, do Gorillaz, Vini vidi vicious, do Hives, Brighter than creation’s dark, do Drive-by Truckers, The greatest, da Cat Power, The warning, do Hot Chip e… quando eu voltar para a próxima parte da lista, e antes que isto se transforme numa enciclopédia, continuo com os outsiders, ok?

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50. Toxicity – System of a Down (2001)

Lançado exatamente em 11 de setembro de 2001 (juntinho de Glitter, de Mariah Carey, mas isso não ajuda em nada no meu argumento), este disco-bomba-relógio-trombeta-do-apocalipse ainda soa premonitório e perturbador, mesmo nos momentos mais estúpidos (e não são poucos, mas duram menos de dois minutos!). É o mais enlouquecido e enloquecedor dos álbuns de new metal – e, brilhante!, o artefato explosivo que detonou o new metal em centenas de pedaços minúsculos. 

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49. Rubies – Destroyer (2006)

Não tenho muitos argumentos contra aqueles que acusam Dan Bejar (o Sr. Destroyer) de sempre gravar um mesmo álbum. Acontece. Mas Rubies é tão luminoso que quebra até esse tipo de birra: aqui, Bejar continua a produzir novas versões de si mesmo, mas com uma novidade sutil: se deixa polir por uma banda em estado de graça e por uma produção que evita todas as estranhezas fáceis do lo-fi em busca de uma sonoridade elegante, resistente ao tempo e ainda assim absolutamente particular. A dangerous woman up to a point e Watercolours into the ocean reluzem.

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48 – Stories from the city, stories from the sea – PJ Harvey (2000)

A última obra-prima de Polly Jean Harvey refina algumas das principais características da compositora (a tensão sexual, a insatisfação amorosa, a agonia à flor da pele) numa atmosfera urbana, sob luzes calorosas e até algum sinal de satisfação e êxtase. A participação de Thom Yorke em The mess we’re in é uma das melhores performances dele na década (e a competição é dura…) e cada canção parece a definitiva. A começar por Big exit, o hino suicida que Harvey sempre tentou escrever. Mas é uma love song, de algum modo perverso e estranho.

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47. Person pitch – Panda Bear (2007)

Soa simultaneamente alienígena e familiar, como um álbum do Beach Boys transmitido de uma frequência irreconhecível, sabe-se lá de que cidade. Talvez exista mesmo um lado excessivamente racional nas experiências de Panda Bear e isso tenha me afastado um pouco do álbum, pelo menos num primeiro momento (compare com Feels, do Animal Collective, e tire a prova). Ainda assim, a colagem sonora é de uma doçura que deixa qualquer um desarmado. Lá pela décima audição, digo.

boxernational

46. Boxer – The National (2007)

O disco anterior do National, Alligator, era um city tour atormentado nas madrugadas de Nova York. Em Boxer, eles criam um tipo mais silencioso e intimista de pesadelo: são canções de amor que podem ser interpretadas como canções de horror, de um jeito delicado e sombrio que só Leonard Cohen sabe fazer (mas com um tino pop que parece até criminoso – eles teriam o direito de soar tão… humanos?). Canções como Start a war, Slow show e Mistaken for strangers já nasceram standards – para um mundo não tão fácil, no entanto.

therapture

45. Echoes – The Rapture (2003)

Outro disco que soa como uma premonição – mas, ao contrário do System of a Down, o Rapture viu no frenesi pós-11 de setembro uma chance de explorar sonoridades tão instáveis e confusas quanto o tempo em que vivemos (e levá-las para as pistas de dança, quando possível). Daí este disco confuso – um dos mais confusos da década, e eu entendo perfeitamente a reação desanimada de parte da crítica à época do lançamento -, que contém um dos hits mais poderosos que já ouvi (House of jealous lovers), mas não quer saber de seguir as próprias fórmulas. Erra graciosamente. James Murphy e Tim Goldsworthy produzem. 

morningjacket

44.It still moves – My Morning Jacket (2003)

O destino é um tanto injusto com alguns discos. Este, por exemplo, periga ficar conhecido como o último suspiro comercial do country alternativo. Na trilha do Wilco, o My Morning Jacket também abandonaria lentamente o gênero para procurar uma sonoridade mais ambiciosa, com ares de rock progressivo. Mas não conseguiriam gravar um disco tão surpreendente quanto It still moves, um álbum-de-estrada que não se decide entre o country rock, o hard rock setentista e a psicodelia. Faz tudo ao mesmo tempo, como se fosse a última vez – e com uma honestidade tocante.

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43. A grand don’t come for free – The Streets (2004)

Um dos discos de hip hop mais inusitados da década veio da cabeça mais-ou-menos-ordinária de Mike Skinner, um inglês branquelo que escreve rimas tão francas quanto posts de blog – o cotidiano cru (e hilariante) de um zé-ninguém. Um chapa. Ao contrário de Eminem, Skinner cria um personagem cômico que ri da própria insignificância, sofre na mão de mulheres insensíveis e aceita ser tratado pelo fã como um amigo próximo. Dry your eyes é o hino de uma geração de adoráveis perdedores.

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42. I am a bird now – Antony and the Johnsons (2005)

Um dos discos mais precisos e puros da década: bastam alguns acordes para que qualquer um perceba toda a carga de desespero que envolve a arte confessional de Antony. E melhor: para que se perceba o quão genuína ela é. São canções sem meios-termos: páginas arrancadas de um diário proibido, poesia pop interpretada como hinos religiosos. As participações de Rufus Wainwright, Boy George e Lou Reed soam quase discretas perto do peso emocional que Antony imprime a cada canção. Hope there’s someone é brutal. 

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41. Bang bang rock & roll – Art Brut (2005)

O rock inglês começou o século dividido entre a grandiosidade dos épicos para estádios (Muse, Coldplay) e um revival dançante do pós-punk (Libertines, Arctic Monkeys). O Art Brut é um caso a parte: a banda assumiu a função de cronista e chargista de uma geração. O primeiro disco ainda soa como uma piada divertidíssima, que tira sarro de tudo o que se move no mundo pop (da empáfia dos semanários britânicos à vida fútil das celebridades). Do segundo em diante, eles descobririam que tudo é um pouco mais complicado. Não sem perder a graça.

Não sei quando, mas depois tem mais.