Freak folk

Superoito express (23)

Postado em

Sea of cowards | The Dead Weather | 7.5

Os tipos prolíficos correm sempre um grande risco: quando em excesso, as demonstrações de talento podem soar tão admiráveis quanto simplesmente cansativas. A síndrome que saturou as carreiras de Robert Pollard e Ryan Adams está sempre ali, esperando na esquina. E é inevitável notar que, por mais que se goste do sujeito, Jack White preenche todos os requisitos para se tornar a próxima vítima. Neste momento, o sujeito comanda três bandas de rock que têm o desejo imenso de estar entre as maiores (ou as mais bombásticas) do mundo: White Stripes, Raconteurs e Dead Weather. Isso significa que, pelo menos a cada três meses, seremos entulhados com alguma novidade do guitarrista. Esses surtos de produtividade, honestamente, acabam soando familiares, tão previsíveis quanto os chiliques que sua irmã pequena dá de vez em quando. Isto é: perdem o impacto que deveriam ter.

O que é uma pena, já que o segundo disco do Dead Weather contém a performance mais sanguinária de Jack White desde Get behind me satan (2005). É um shake concentrado da bravura que Jack tanto reverencia em ídolos do heavy e do hard rock setentista. Um inferno nada original, mas um inferno. O álbum, soco bem curta (35 minutos), mostra que o supergrupo — formado ainda por Alison Mosshart (The Kills), Dean Fertita (Queens of the Stone Age) e Jack Lawrence (Raconteurs) — tem consciência absoluta do script que encena. A primeira faixa, Blue blood blues, resume tudo: Led Zeppelin cruza com James Brown e Nirvana num boteco interditado pela Vigilância Sanitária. “Shake your hips like battleships!”, Jack provoca. E (ainda) soa como uma ordem.

I will be | Dum Dum Girls | 7

A culpa é da mãe, fã de Beach Boys? Ou seria do pai, que curte The Supremes e Frank Sinatra? Não importa muito descobrir qual é o gene dominante: a vocalista do Dum Dum Girls, Dee-Dee, teve a quem puxar. A sonoridade da banda, ainda que vista um modelito vintage meio démodé (guitarras lo-fi, produção de fundo de quintal, três acordes), tem algo de agridoce, herança clara do pop sessentista. Como The Pipettes, é um quarteto que dá uma boa encardida nos clichês dos antigos girl groups, com algumas lições ruidosas ensinadas pelas riot grrrls. Mas, ao contrário do trio britânico, trata-se de uma banda muito americana, capaz de interpretar baladas lindinhas como Rest of our lives e Baby don’t go sem um pingo de ironia – com o coração na boca e a maquiagem derretendo. Surpresa boa.

At Echo Lake | Woods | 6.5

No disco anterior, Songs of shame (2009), esta banda do Brooklyn dinamitava o rótulo freak-folk: uma sombra psicodélica cobria até os momentos mais triviais, nos surpreendendo a cada nova faixa. O álbum novo é, em comparação, convencional: a única imagem que ele sugere é a de vários amigos fãs de indie rock reunidos ao redor de uma fogueira, à beira-mar. O que há de “freak” é uma atmosfera meio rarefeita, lo-fi, típica do garage rock. Mas nem isso assusta. Logo se percebe que este é um daqueles discos em que uma banda adotada precocemente pela crítica tenta provar que sabe escrever melodias que vão durar: alguns momentos muito delicados, mas é o equivalente hipster para Infinite arms, do Band of Horses.

Omni | Minus the Bear | 4

O quinteto de Seattle merece ser levado em consideração (nem que por mera curiosidade) por uma ousadia: eles desrespeitam alguns dos mandamentos mais sagrados do indie 2000. Em vez de apostar no ruído, na crueza, na zoeira de referências ou em psicodelia, eles vão na direção contrária dessa onda toda com um disco superproduzido e clean que, nos momentos mais amenos, nos lembra o soft rock (obviamente, datado) de um Counting Crows ou de um John Mayer. Um susto, mas que (infelizmente), não dura muito tempo. É que, apesar de soar extremamente sincero e bem-intencionado em tudo o que faz, o grupo se curva a um formato batidíssimo de pop rock. Está claro que a banda quer ampliar o público e, no melhor dos mundos, fazer turnês com o Sting (com lobby de gravadora, My time e Summer angel seriam sucessos). Estranha ambição: mas é interessante saber que, no indie rock, esse tipo de meta ainda existe.

The courage of others | Midlake

Postado em

The courage of others é um daqueles discos que fazem com que eu me sinta um tipinho irrelevante: enquanto eu enfrento os grandes desafios da minha existência (acordar cedo, pagar o aluguel, regar as plantas e visitar minha mãe nos fins de semana), o Midlake se preocupa com a imensidão da natureza, o sentimento de melancolia que acompanha a morte do inverno e o “som grandioso de todas as criaturas vivas”.

Ah, sério? Aposto que este quinteto do Texas não leva a nossa oh-tão-sagrada existência com tanta austeridade. Mas, quando entram em estúdio, soam como cinco monges exilados em meio a uma plantação de bromélias, a muitos quilômetros das preocupações trivais que transformam nossas rotinas em episódios frívolos de seriados de tevê.

Deve haver algum ranço confessional escondido no subsolo deste terceiro disco do Midlake, mas ainda não encontrei a chave (e talvez seja minha culpa, ovelha desgarrada e meio burra). Desconfio que tudo seja uma questão de mise-en-scene: em The trials of Van Occupanther, de 2006, a banda tentava criar uma narrativa pastoral, como se Nick Drake interpretasse um songbook de Neil Young. Desta vez, eles apontam a embarcação para o folk rock britânico do fim dos anos 1960.

É uma aventura mais contida, limitada, menos ambiciosa, mas talvez o objetivo deles sempre tenha sido este: soar exatamente como uma banda-tributo do Pentangle, com algo de Incredible String Band. E vá entender: alguns desejos são meio estranhos mesmo.

A cadência uniforme do disco, que parece ter sido todo ele gravado numa tarde fria e chuvosa, pode atender as expectativas de quem procura desesperadamente um sucessor para Veckatimest, do Grizzly Bear. São dois álbuns duros feito pedra lascada, ainda que, cá para meus ouvidos, o Midlake ainda pareça uma daquelas bandas in-progress que se contentam em tomar um gênero (ou uma referência) e partir para o decalque — com ternura, claro.

Daí que as letras do disco são todas ricas em traços impressionistas, com imagens de vilas longínquas, ambientes selvagens, florestas tomadas por criaturas exóticas (seriam elfos?) e amores impossíveis. Até meu padrasto, o último defensor do rock progressivo dos anos 1970, talvez encarasse como uma homenagem fiel demais ao período. ‘Seria gozação?’, ele perguntaria, descrente.

Não é. O Midlake soa muito sincero nessa ode ao transe cósmico de canções que fazem absolutamente tudo para se livrar as impurezas deste mundo. Não encontrei nada ainda, mas certamente existe sabedoria, dignidade nesse esforço. Bom para eles. No entanto, se a banda estiver interessada em encontrar uma voz particular, vou avisando: a jornada é bem outra.

Mas chame de Astral geeks, se preferir.

Terceiro disco do Midlake. 11 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Bella Union. 6/10