Franz Ferdinand

Mixtape! | O melhor de março

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Como diria B.B. King, a mixtape de março é for the ladies. Uma jukebox muito fina, ocasionalmente delicada (e fofa, em alguns trechos). Sei que esta afirmação pode parecer muito arrogante, mas não sou de guardar segredos: é a melhor coletânea amadora de todos os tempos.

Vocês não acreditam em mim, não é? Então aguardem.

O meu disco favorito de março é, aliás, de uma dama muito fina e valentona: o triplo (triplo? Triplo!) Have one on me, de Joanna Newsom. Mas, como a moça já apareceu na coletânea do mês passado, ela cede lugar ao sujeito estranho da foto acima: Dan Snaith, Mr. Caribou, é o autor do segundo grande disco de março: o flutuante Swim, que (lá vai outro segredo!) já entrou na minha lista dos 10 de 2010. Não sou o único fã: os bróderes doFranz Ferdinand rodou quatro faixas do disco antes do show que fizeram aqui em Brasília. E neles vocês confiam, não é? Pois é.

Mas vamos logo à melhor mixtape amadora de todos os tempos, ok? Reconheço que essas águas de março são até calorosas. Eu estava ouvindo as coletâneas dos meses anteriores e notei que são todas um tanto deprês, coisinhas tristes (mas muito bonitas, é claro). Resolvi juntar algumas músicas que não estragassem o nosso dia – e que, nos momentos mais elétricos, servissem para adeptos de bicicletas ergométricas e outros aparelhos de ginástica.

Foi com esse espírito saúde-é-o-que-interessa que comecei a definir as faixas. Mas aí percebi que, nas minhas mixtapes, tristeza é acorde maior. Essa minha tão típica indecisão resultou num CD em três movimentos: ele começa bem sacolejante, se embrenha numas guitarradas ruidosas e termina feito sussurro. Importante: soa escancaradamente agradável do início ao fim. Tem o lamento (muito tocante) de Rufus Wainwright, os adoráveis bebuns do LCD Soundsystem e do Drive-By Truckers, além de MGMT, Gorillaz, Lightspeed Champion, jj (com uma homenagem arrepiante ao Lil Wayne e ao The Game), She & Him…

Para manter uma certa discrição, a lista de músicas está ali na caixa de comentários (espero que os arquivos durem um pouco mais do que os anteriores). Sugiro que vocês ouçam o CD na ordem que eu defini. Garanto que desse jeito (e apenas desse jeito) ele fazer sentido. 

Faça o download da mixtape de março aqui (ou, se preferir, aqui).

2 ou 3 parágrafos | Franz Ferdinande!

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Depois de ter escrito um caminhão de abobrinhas sobre os shows do Guns N’ Roses e do a-ha, me sinto na obrigação de contar alguma coisa sobre a passagem diabólica (explico: fazia um calor infernal) do Franz Ferdinand por Brasília. Acontece que – a-há! – não tenho muito a dizer sobre a performance dos rapazes. Isso me deixa um pouco incomodado, já que foi um show muito, muito bom.

Não deixa de ser um negócio estranho: por que, no day after, bateu uma certa apatia. Teria sido um show apenas correto? Não pode: o Franz é uma das bandas mais precisas do mundo. Tudo está no lugar certo — o carisma do vocalista (que dá chutes no ar e sorri quando o fã salta do palco num mosh desengonçado, e diz ‘Franz Ferdinande!’ com sotaque carioca), o entusiasmo do baterista, os incríveis macetes do guitarrista (que manda muito bem nos sintetizadores), as jams hipnóticas (se bem que a batucada de Outsiders, marca registrada deles, já está virando um tique), o namorico com a dance music, o baixo pesadão, os hits poderosíssimos, a atitude invariavelmente cool (antes do show, eles aqueceram o público com quatro faixas do disco novo do Caribou!)…

De onde vem meu incômodo, então? Talvez tenha sido culpa do set list meio torto, que queima todos os hits bem antes do bis. Ou do uso desleixado do telão, jogado às traças. Ou nada disso. Talvez minha birra resulte de uma espécie de choque térmico: depois dos excessos (sentimentais, pirotécnicos, patéticos) do Guns N’ Roses e do a-ha, o Franz me pareceu carne crua, hambúrguer sem ketchup, biscoito sem recheio de marshmallow. Mas do que estou reclamando? É o que dá cair de barriga no século 21, sem asa delta. A filosofia da geração desse quarteto (e do Strokes, e do White Stripes) é podar a penugem e ir ao osso da canção, da atitude, da encenação, da pose (e há pose sim, como não?). O show deles deixou essa imagem: é ossudo. Cálcio à beça. Símbolo de uma época. E, possivelmente, um espetáculo que deveria ter feito de mim um sujeito realizado. Mas não foi bem o que aconteceu — e é bizarro, acreditem, não saber por que.

50 discos para uma década (parte 3)

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Meio caminho andado, vamos à longa, tortuosa lista dos meus favoritos da década. Lembrando que é uma lista que não tem o objetivo (pelo menos não totalmente) de mapear o que de mais relevante e interessante foi lançado no período – no fim das contas, é apenas a relação dos discos que amo e guardo comigo.

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30. Yellow house – Grizzly Bear (2006)

Depois da estranheza inicial, já podemos tratar o Grizzly Bear como uma banda de indie rock não tão alienígena. O terceiro disco deles, Veckatimest (2009), afirma uma marca que hoje começa a soar talvez excessivamente familiar (melodias sideradas à Brian Wilson, coros texturas de acordes que sugerem paisagens exóticas e, acima de tudo, um desejo tocante pela canção mais sublime). Mas ainda é impossível esquecer o impacto de Yellow house, um transe folk que de vez em quando até produz  uma ou outra obra-prima pop. E tem Knife, uma das melhores canções da década. 

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29. Poses – Rufus Wainwright (2001)

Depois de uma estreia com queda pelo pop barroco, o segundo disco de Rufus Wainwright chegou cercado de expectativas. E ainda soa assim: como um testamento, um ato ambicioso de autoafirmação. Sem esconder-se em nichos, Wainwright adapta as próprias manias a um contexto pop. Com versos que beiram o rococó (um disco com imagens de príncipes e anjos malvados, enfim) e empostação às vezes quase operística, o cantor busca um lugar no mundo (e encontra) enquanto narra os pesadelos de celebridades amaldiçoadas pela própria beleza. No projeto seguinte, o duplo Want, essas e outras obsessões seriam amplificadas em formato widescreen. Mas o nascimento de um autor já havia sido registrado – aqui, em Poses.

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28. Rings around the world – Super Furry Animais (2001)

O álbum mais polêmico dos galeses (à época do lançamento, muitos trataram como uma jogada comercial que não deu tão certo), a estreia da banda numa grande gravadora é um blockbuster multicolorido que pareceria simplesmente ridículo se não soasse bem humorado, irônico e absolutamente criativo. Eles gravaram discos tão tresloucados quanto (Guerrilla, por exemplo), mas nenhum tão seguro das próprias sandices. Depois dele, a banda entraria numa fase de maturidade quase serena (e previsível). Mas o “álbum pop” do Super Furry Animals é o tipo de megalomania que compensa. The Who e Queen aprovariam (e eu lembro de ter passado três ou quatro meses ouvindo sem parar).

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27. Boys and girls in America – The Hold Steady (2006)

A crônica dos meninos e meninas da América encontrou um narrador: no rock americano, é Craig Finn quem mais entende as oscilações da juventude – os dramas, do tédio, do inferno e do paraíso. Ainda assim, poucos esperavam por um disco tão perfeito quanto Boys and girls in America. Depois de ter criado a trilha para as vidinhas triviais de uma turma de personagens mais-ou-menos desajustados (e também adoráveis, estúpidos, inseguros), o Hold Steady escreve os hinos de uma geração perdida. Os versos valem por si só (e Stuck between stations é emocionante do início ao fim), mas a banda envolve as narrativas com melodias que poderiam estar num dos grandes discos de Bruce Springsteen.

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26. Illinois – Sufjan Stevens (2005)

O grande disco de Sufjan Stevens é um estado inteiro: excessivo, caótico, contraditório e muito mais ambicioso do que teria o direito de ser. O impressionante é como o compositor consegue se colocar à altura de tanta ambição (e quem não abandonou o disco de primeira sabe que não há uma única faixa sobrando) e cria um álbum tão cuidadoso quanto emotivo e pessoal – um mapa sentimental para uma Illinois de monumentos imponentes, serial killers melancólicos e de lembranças que definem a aparência das paisagens. Provavelmente Sufjan não vai conseguir fazer nada igual. Mas tudo bem: já fez, e ainda soa inacreditável. 

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25. Franz Ferdinand – Franz Ferdinand (2004)

Entra na lista como um dos discos britânicos fundamentais da década (um sucesso comercial que influenciou meio mundo), mas não só por isso. Se todo o revival do pós-punk teve um quê patético, Alex Kapranos soube perfeitamente como tratar a febre indie com um sorrisinho ácido – e, no som do Franz Ferdinand, há tanto de Talking Heads e Gang of Four quanto de Damon Albarn e Jarvis Cocker. A estreia da banda pode não ter provocado a surpresa de Strokes e White Stripes, mas acabou produzindo alguns dos hits mais duradouros da década: a começar por Take me out, que ainda toca nas festas como se tivesse sido lançado há um mês. Os dois álbuns seguintes repetem o truque.

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24. Sea change – Beck (2002)

O Blood on the tracks de Beck Hansen é uma obra-prima do amor perdido. A história é velha: depois de sofrer uma crise sentimental, compositor grava um álbum de baladas confessionais e tristes. Quem tratou Sea change como uma dor de cotovelo passageira perdeu a melhor parte do drama: acostumado a calcular os próprios projetos como quem desenha maquetes para uma obra, Beck se arriscou a expor os próprios fantasmas sem abandonar a obsessão por álbuns de pop art, conceituais. Com influências de folk britânico e pop francês, o disco convoca Nick Drake, Air e Dylan para uma viagem ao fundo da noite. Nigel Godrich produz como quem escreve uma carta de amor – gentilmente. Depois disso, Beck voltaria aos bons tempos e (santa ironia!) gravaria os discos mais confusos e desconjuntados da carreira.

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23. Oh, inverted world – The Shins (2001)

O fenômeno mais surpreendente da década atendeu por The Shins, uma banda de New Mexico que, sem guitarras ruidosas ou hits do tamanho do mundo, se transformou no maior sucesso da Sub Pop desde o Nirvana. Quem explica? Ainda que alguém tente, é melhor lembrar que a “bandinha” ensinou algumas lições aos candidatos a Axl Rose: com 30 minutos de melodias delicadas, é possível ganhar o mundo. A aparência de total despretensão, no entanto, é enganosa: com o tempo, o indie rock econômico da banda revela uma precisão quase microscópica (e qualquer um dos discos da banda acaba soando atemporal) e apaixonante, atualização generosa do pop psicodélico dos anos 1960. Não é por pouco que Natalie Portman não desgruda dos headphones…  

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22. Blueberry boat – The Fiery Furnaces (2004)

O Fiery Furnaces começou a década como uma banda incompreendida e termina exatamente do mesmo jeito. Taí o preço que se paga por querer fazer as coisas da forma mais complicada. No primeiro disco, Eleanor e Matthew Friedberger viraram alvo de uma imprensa musical à procura de um novo White Stripes. Azar o dela. Blueberry boat coloca os pingos nos is. Uma ópera-indie em três dimensões, soa como o oposto perfeito de qualquer projeto de Jack White – e cria uma ponte inusitada entre The Who e Captain Beefheart. É um dos discos mais originais da década – mas quem tem paciência para canções de oito minutos que se desdobram em vinte outras melodias que se multiplicam em cinco refrãos inesquecíveis e descambam em três faixas que não deram certo? Não me pergunte.

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21. Antics – Interpol (2004)

Antes de assinar com uma gravadora grande e diluir os próprios métodos, o Interpol era uma banda que interpretava o rock sombrio dos anos 1980 com o olhar de quem cresceu assistindo a Kurt Cobain na MTV. Turn on the bright lights provocou susto, mas foi com Antics que a banda se sentiu confortável para abrir uma fresta e escrever alguns dos novos clássicos de uma onda que recebeu o apelido genérico, e enganoso, de “novo rock”: Evil, NARC, Slow hands e uma abertura (Next exit) que soaria como um anticlímax se não fosse interpretada com tanta convicção. E isso, apesar de tudo, Paul Banks tem de sobra: ele canta como se estivesse na beira do precipício, e a gente acredita.

Tonight: Franz Ferdinand | Franz Ferdinand

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franzÉ um pesadelo ou o Franz Ferdinand realmente conseguiu gravar um terceiro álbum menos vibrante e criativo que o último do Kaiser Chiefs?

Deixa eu ouvir de novo, calma aí. (40 mornos minutos depois). Pff, é isso mesmo.

Quem lê este blog de vez em quando sabe que os escoceses têm uns 850 mil fãs mais entusiasmados que eu. Confesso que não me apaixonei terrivelmente nem pela estreia do quarteto, apesar de admitir (com um pouco de… frio na barriga?) que o disquinho está entre os mais importantes da década.

Quando o segundo disco deles era tratado como a última festa decente do deserto (tipo: não é tão legal repetir a mesma ladainha, mas eles podem!), eu lamentava: podia ter soado tão melhor!

O tempo fez deles uma espécie de gigante indie, mas continuo encarando o Franz Ferdinand como uma ótima banda de singles (Take me out, Matinee, Do you want to?, Walk away) que se convenceu de que consegue gravar bons álbuns.

Tonight, por exemplo, abre com dois hits perfeitinhos: Ulysses e Turn it on. Que soam extremamente agradáveis, dançantes e nota 10 até o momento em que se nota o quanto eles se parecem com todos os outros hits que a banda emplacou por aí.

Alex Kapranos, além de cínico e muito cool, é também bastante honesto em relação à grife sonora do Franz Ferdinand: “Seremos sempre uma daquelas bandas que soam iguais, não importa o que façam”, comentou. Taí uma descrição perfeita para Tonight. O álbum segue uma série de trajetos diferentes para, no fim da linha, chegar exatamente naquilo que esperamos do Franz Ferdinand.

Até aí, tudo bem: cada década tem o Ramones que merece, e, se até o Strokes não conseguiu abandonar o formato que o consagrou (e o Libertines praticamente se implodiu no processo), por que o Franz se safaria? O que vejo como problemático é que Tonight foi erguido com planos mirabolantes que nunca se concretizaram. Isso é legal?

Há alguns meses, Kapranos nos avisou que este seria um “álbum de dance music”, com “influências de dub e música africana” , com um “conceito pop” (inicialmente, o produtor seria Brian Higgins, do Xenomania) e canções “sobre a vida real”. Há um pouco disso tudo em Tonight (e as faixas Send him away e Can’t stop feeling realmente têm um quê afro na percussão), mas diluído num caldo exageradamente familiar.

É como se o Franz Ferdinand quisesse seguir em frente sem largar algumas barras de proteção – o que faz de Tonight um tipo bastante seguro de álbum de transição (e sinceramente espero que eles consigam completar essa transição sabe-se-lá-pra-onde).

Se o exagero de sintetizadores remete aos anos 1980 (sem as belas sacadas do Cut Copy ou o espírito kitsch de um Daft Punk), Tonight só será tomado como um álbum de dance music pela própria banda. Novamente, Kapranos se diz entediado, em busca de diversão (Ulysses é neo-Take me out), e, como letrista, segue atirando versos curtos, auto-irônicos, slogans que você memoriza na primeira audição. Há algumas novidades nas bordas de Tonight, mas a polpa continua rigorosamente conservada.

Para que não me acusem de má vontade, faço uma ressalva: o disco só diz a que veio nas três últimas faixas. Se há um “novo Franz Ferdinand”, ele está escondido aí: na poeira eletrônica que encerra Lucid dreams, na psicodelia fofa (essa sim, inspirada, com frescor) de Dream again e na baladinha acústica Katherine kiss me, que ainda assim fica parecendo lado B de single.

No mais, o álbum encerra as suspeitas de que o Franz Ferdinand faria justiça às comparações com o Talking Heads. De alquimistas eles têm muito pouco. Agora, para quem se satisfaz com o poder (inegável, vá) de um saboroso refrão sem sentido… Os hitmakers estão chegando.    

Terceiro álbum do Franz Ferdinand. 12 faixas, com produção de Dan Carey. Domino Records. 6/10

Ulysses – Franz Ferdinand

(Eu fico imaginando o quão interessante teria sido se o álbum soasse tão noturno e paranoico quanto sugere o videoclipe aí em cima… Mas ok, é um clipe sem grandes arroubos criativos, o que combina com a ocasião)