Ford and Lopatin

♪ | Replica | Oneohtrix Point Never

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Daniel Lopatin lançou dois belos discos em 2011: Channel Pressure, com Joel Ford, e este Replica. O Oneohtrix Point Never é o projeto principal do músico – o ganha-pão, enquanto que o Ford & Lopatin passa como uma espécie de hobby de fim de semana. Aparentemente, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

A sonoridade do Oneohtrix não deixa muita margem para malentendidos: é experimental (há quem a chame de ambient, há quem use o rótulo drone: você decide), e exige um ouvinte disposto a se arriscar num território que desconhece. Já o Ford & Lopatin brinca com chavões da música pop: pode dar a entender, por isso, que é uma bobagem oitentista qualquer (e os chapas dos sintetizadores não estão nem um pouco preocupados em desfazer o equívoco).

Mas essa separação entre os projetos (que, em revistas de música, aparece de uma forma até automática) esconde uma semelhança entre eles: nos dois casos, o que eu percebo é a habilidade de Lopatin para criar álbuns cujas identidades musicais se impõem com muita autoridade, graças ao rigor como define um tom específico (de uma mise-en-scéne?) que envolve todas as faixas. Sem precisar, para isso, forçar a barra e apelar para o didatismo.

Esse talento já estava claro em Channel Pressure (um disco mais sobre nostalgia e memória que sobre os anos 80), mas em Replica ele fica ainda mais evidente por conta dos contrastes entre cada uma das músicas/experiências: o piano da faixa-título, por exemplo, fica ainda mais bonito quando notamos que tem uma importância específica dentro do roteiro da obra – que provoca um efeito de deslumbramento por estar ali onde está, entre faixas tão assombradas, tão destroçadas (idem para a selvageria que invade a abertura, Andro, nos segundos finais).

É como num filme abstrato de terror, sem trama, que nos confunde e às vezes nos irrita (Inland Empire?): mas que, quando chega ao fim, deixa a impressão de fazer perfeito sentido.

E (repare como a última faixa funciona com elo perfeito entre os dois discos) aposto que soa ainda mais interessante numa sessão dupla com Channel Pressure.

Sexto disco do Oneohtrix Point Never. 10 faixas, com produção de Daniel Lopatin. Lançamento Mexican Summer/Software. 79

Mixtape! | Agosto, die young

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A mixtape de agosto, que agora vocês têm em mãos, me tomou de surpresa. Primeiro porque ela soa mais coesa (e intrigante!) do que eu previa. E, em segundo lugar, por um motivo que só descobri depois de ter ouvido o CDzinho pela terceira vez: ele se tornou muito mais cinzento do que a coletânea que eu planejei.

Acidentes acontecem, pois bem. E esta mixtape, oh sim, aqui me parece um belo acidente.

Logo depois que gravei o CD, me decepcionei um pouco com o resultado: parecia disforme, desajeitado. Depois percebi que ele fazia todo sentido. E exclamei, aqui comigo: “Uau! Ficou incrível!”. Hoje, neste último dia de agosto, estou certo de que é a melhor mixtape que apresentei neste nobre espaço on-line.

Mas essa é apenas a minha opinião, ok? Vocês têm todo o direito de xingar muito na caixa de comentários, é claro.

Deixe-me explicar o processo: esta mixtape começou como uma coletânea de hip-hop/R&B, e foi se transformando em algo totalmente diferente. Noto que existe uma camada de tristeza, talvez mal estar, ao redor destas canções. Não é uma mixtape eufórica como a de julho, e não funciona muito bem em academias de ginástica.

Acho até que, se vocês prestarem atenção, o disquinho contará a historinha de um amor violento que deu terrivelmente errado. E tem outra coisa: durante o mês, me peguei conversando muito (com minha família, amigos) sobre o medo que as pessoas têm de envelhecer, e sobre como às vezes se tenta prolongar a juventude (sem sucesso, obviamente). Talvez o disco seja um pouco sobre isso (e, por coincidência, tem uma música chamada Die young).

Sem mais divagações, então: este CD contém faixas de Richmond Fontaine, The Weeknd, Girls, Stephen Malkmus & Jicks, Kanye West & Jay-Z, Cities Aviv, Ford and Lopatin, EMA e Gillian Welch (para o Guilherme Semionato, que às vezes visita este blog). O melhor está no fim: a foto acima, portanto, é do Moonface.

A lista de músicas está na caixa de comentários.

Há duas formas de ouvir o CD: aqui no blog e fazendo o download. Eu sugiro a primeira opção (com músicas editadas e lustradinhas), mas a segunda é sempre muito válida (eu mesmo prefiro ouvir essas mixtapes enquanto caminho por aí). Espero que vocês gostem, e, se possível, deixem comentários.

Faça o download da mixtape de agosto

Ou ouça aqui:

Vídeos do VodPod não estão mais disponíveis.

Superoito express (42)

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Watch the throne | Jay-Z & Kanye West | 72

Parece que há algo muito errado, até defeituoso, quando os dois rappers mais poderosos do mundo se encontram para gravar um disco de 46 minutos de duração. Sabemos que, no hip-hop americano, o excesso faz parte do jogo (e não será difícil encontrar mixtapes com mais ideias que um álbum quádruplo de rock). Mas taí a surpresa de Watch the throne: é conciso, e não tão desconjuntado quanto prometia ser.

E, mais chocante que tudo isso, nem tão ambicioso quanto alguns de nós prevíamos. É como se Kanye West (de My beautiful dark twisted fantasy, 68 minutos) e Jay-Z (de The blueprint 3, 60 minutos) aproveitassem a ocasião para nos mostrar que nem sempre são os chefões controladores e obsessivos que dão a entender. Às vezes eles se divertem. E Watch the throne soa mais como feriado (é leve, até rasteiro em alguns momentos, sem tantos desafios para a dupla) que como um dia pesado de trabalho.

Pode soar decepcionante, para quem esperava um “statement” sonoro (como o primeiro The blueprint) ou uma epopeia sentimental (à altura de My beautiful dark twisted fantasy). Watch the throne é menos, bem menos – e nem consigo notar momentos verdadeiramente delirantes ou surpreendentes (ainda uma ou outra faixa brilhe com força: New Day, que relê Nina Simone via autotune, e That’s my bitch, com um Bon Iver irreconhecível). Noto o contrário: Kanye e Jay-Z se divertindo dentro da zona de conforto que criaram para eles.

E, se eu deveria sim ter me animado mais com essa ideia (um bom disco de Kanye ou de Jay-Z supera quase tudo o que se ouve nas rádios), o resultado me parece uma “victory lap” esquecível. Eles podem, eles fazem, mas este disquinho deixa um pouco de saudade dos discões que eles às vezes nos entregam – sim, os de 60 minutos.

Channel pressure | Ford & Lopatin | 79

Se Channel pressure é mesmo um tributo à poplândia dos anos 80, então o que vejo é Tron meets War games: o game da paranoia, como se o Muro de Berlim ainda estivesse de pé (e como se ainda estivéssemos todos esperando pela explosão nuclear e/ou pelo desembarque dos ETs de Spielberg). Mas tem bug neste sistema: aos poucos, o disco desta dupla americana se revela não somente uma festa retrô para trintões, mas um daqueles álbuns irônicos de electropop, nos moldes de Discovery (do Daft Punk) e United (do Phoenix), que usam a sucata nostálgica como material para uma criação que diz respeito ao tempo presente. Poucos discos soam tão atuais: principalmente no jeito despreocupado como flutua de estação em estação, dos excessos grotescos ao acorde mais singelo, quase brega (e Emergency room, acima disso tudo, é uma das músicas mais viciantes do ano). Modular o passado com uma aparelhagem toda nova: eis o desafio deste belo joguinho.

Instrumental mixtape | Clams Casino | 78

Clams Casino é o produtor de Nova Jersey que, dizem, cria no porão da mamãe a sonzeira oh-tão-sexy de rappers como Lil B, Soulja Boy e Mobb Deep. Esta mixtape instrumental, que ele distribui na web, mostra que o palavreado dos colegas às vezes atrapalham a arte do sujeito. De tal forma que ninguém vai sentir falta de vocais em faixas que nos surpreendem de 30 em 30 segundos e, por isso, nos entretém (aliás, é uma marca do estilo de Clams: bolar associações improváveis entre ritmos e gêneros, do rock progressivo à soul music setentista). It’s a keeper. Mas acho que seria interessante descobrir como ele se viraria num disco concebido para não ser acompanhado por vocais: aí sim, provavelmente estaríamos falando de um dos grandes álbuns do ano.

Electronic dream | araabMusik | 78

Se a mixtape de Clams Casino às vezes soa sortida como uma jukebox, a estreia do produtor Abraham Orellana (ou araabMuzik) impressiona por uma atmosfera de quase claustrofobia: quando paro de ouvir o disco, ainda fico com a imagem de um quarto pequeno e negro, fuzilado de minuto a minuto por flashes de estrobo. Tal como nos discos do The-Dream, o que temos é um produtor tentando agressivamente impor um estilo: que, apesar de não ser tão marcante ou original quanto ele acredita que é, cria uma tela específica, com limites muito bem definidos, e um temperamento que se reconhece de imediato. Para um primeiro disco, é de uma coesão incrível. Ainda acho, no entanto, que araabMusik criou uma mise-en-scene poderosa, mas à procura de um bom elenco de canções — poucas, acima de tudo Streetz tonight, ficam na minha memória quando a festa termina.