Fim de ano

10 discos brasileiros de 2010

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Escrever sobre discos brasileiros neste blog, para mim, é complicado. Faz algum tempo que não me meto com eles.

Com os internacionais, sinto que tenho uma liberdade maior para bolar os textos que bem entendo. Fico com a impressão de que, quando escrevo sobre os álbuns daqui, assumo uma responsabilidade que vai além das intenções deste blog.

O que pode ser uma grande bobagem, eu sei, mas é o que acontece. E estou bem assim. Este blog não é uma revista de música, não é um suplemento cultural, não é um release, não faz parte de nenhuma cena. É apenas o lugar onde estico as pernas quando volto do trabalho.

Mas, para não fugir totalmente da onça, fiz uma listinha com os discos brasileiros que mais gostei de ouvir em 2010.

Este ranking foi criado em dois momentos. Primeiro, a partir dos discos nacionais que ouvi durante o ano, no trabalho. Depois, durante o mês de dezembro, quando finalmente acertei contas com a montanha de álbuns que deixei passar nos meses anteriores. Eu poderia ter feito um top 20 – bons discos ficaram de fora. Mas preferi uma seleção um pouco mais rigorosa, só com aqueles 10 que mais me impressionaram.

Se eu fizesse uma lista de melhores do ano que incluísse discos nacionais e internacionais, apenas o primeiro colocado entraria no meu top 20.

Então vamos, que estou falando demais.

10 | Escaldante banda | Garotas Suecas

Um disco de soul music que, quando toma embalo (em faixas geniosas como Ela e Ninguém mandou), soa como o bootleg psicodélico que um discípulo talentoso de Jorge Ben poderia ter gravado no início dos anos 70.

9 | Do Amor | Do Amor

Talvez um passo maior que as pernas, mas e daí? Um disco que quer ser tudo de uma vez só, gravado com o entusiasmo e a ansiedade de quem quer nos conquistar completamente logo no primeiro encontro. Haja amor.

8 | Calavera | Guizado

De longe, parece um vale-tudo psicodélico. Quanto mais nos aproximamos do disco, no entanto, mais ele nos convence de que nenhuma loucura é gratuita. Firme tanto nos momentos de transe quanto de lirismo (e O marisco é uma das grandes canções do ano).

7 | Emicídio | Emicida

Tem tudo o que esperamos de uma boa mixtape de hip-hop: os exageros, as arestas, os projetos inacabados e as ideias brilhantes. O caderno de esboços de um rapper que não confunde contundência com sisudez. E que deixa a impressão de ainda estar se aquecendo para a briga.

6 | Aos abutres | Lestics

O country/folk rock abrasileirado do Lestics pode soar singelo, mas me espanta como a banda nos emociona com os elementos básicos da canção. Gravado em esquema caseiro, um disco sem data de validade. Nas nuvens é minha música preferida de 2010.

5 | Eu menti pra você | Karina Buhr

Se a delicadeza é a chave para a maior parte dos discos de cantoras brasileiras (de Vanessa da Mata a Tulipa Ruiz), Karina toma o caminho do atrevimento. Um disquinho corajoso até quando fala macio, e hilariante quando aplica o deboche para o bem da nação (no funk Ciranda do incentivo, delicioso copo de veneno).

4 | Watson | Watson

Não é um disco sobre Brasília, mas quem vive por aqui vai encontrar um retrato muito atípico da cidade, que se infiltra nas canções sem que percebamos. Um lugar estranhamente comum, com tardes silenciosas de domingo, conversas de bar e bandas que se apresentam para ninguém. Pena que o mercado independente brasileiro ainda é tão deslumbrado com o Sudeste: este é o álbum de rock mais franco do ano.

3 | Feito pra acabar | Marcelo Jeneci

É a unanimidade de 2010, mas prefiro encarar esta estreia apenas como a bela certidão de nascimento de um autor. Eu preferiria um álbum um pouco mais curto, com outra ordem de músicas (o início me parece um marasmo) e uma capa menos genérica. Mas esse sou eu reclamando por pouco. O que Jeneci conseguiu é o bastante: fez um disco muito pessoal, mas que parece conter todo o espírito de uma geração que ficou órfã do Los Hermanos, ainda flutuando em lirismo, gentileza e acordes amáveis.

2 | Efêmera | Tulipa Ruiz

É um début que me parece mais coeso e seguro do que o de Marcelo Jeneci, ainda que os dois pertençam ao mesmo mundo (até os títulos se complementam). Em todas as canções, Tulipa consegue criar uma atmosfera de leveza e intimidade que nos desarma. “Vou ficar mais um pouquinho para ver se acontece alguma coisa nessa tarde de domingo”, ela avisa, logo no começo. O álbum é esse entardecer.

1 | Amigo do tempo | Mombojó

Depois de um disco retraído, cuidadoso demais (Homem-Espuma, de 2006), o Mombojó volta a se largar no furacão. Amigo do tempo retoma as liberdades de Nadadenovo, mas nada de reprise: escrito por uma banda menos ingênua, mais lírica, ainda disposta a se perder e se reinventar. “Não sou mais quem fui. Sinto perigo em qualquer lugar”, dizem, em Casa caiada. Crescer é um mistério. E é exatamente nesse ponto que a história começa a ficar boa.

Mixtape! | O melhor de dezembro

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A mixtape de dezembro não é a mais coesa. Não é a mais tocante. Não é aquela que você vai levar para uma ilha deserta. Não é aquela que vai te levar ao espaço sideral. Não soa como um álbum (com todas as faixas amarradinhas umas nas outras). Mas tem um conceito muito forte e absolutamente original, que é: don’t worry, be happy.

Tá, é mentira.

Ou quase mentira. Meia verdade. Vocês sabem! Não consigo ficar contente 24 horas por dia! Não sou assim. Sou um sujeito mais blue do que o céu de Brasília em dia claro de verão, daí que este disquinho vai se tornando nublado até encerrar com uma canção que provavelmente vai fazer você chorar. Acontece.

A boa nova (e o que diferencia esta seleção daquela que você ouviu em novembro) é que toda a primeira metade da mixtape é bem risonha, quase abobalhada, com musiquinhas que me fazem sorrir. A abertura, com o Fujiya e Miyagi, é um achado. O Twin Shadow fala de um fantasminha que o persegue, mas é uma faixa pra dançar até o chão.

E tem até Kings of Leon. E aí vocês me perguntarão: mas Tiago, por que incluir uma música de uma banda de que você nem gosta? E eu explico de antemão: é que a faixa, além de simpática, resume todo o espírito da mixtape, que começa muito urbana e termina pra lá da roça (prestem atenção à letra da música, sobre um sujeito que quer levar uma mina de New York para o Tennessee). Mas tudo bem se você decidir deletá-la e seguir em frente.

Então sim, é a mixtape mais pop do ano. Muito agradável de ouvir. Muito oferecida. Muito dada. Você vai gravar e levar para curtir as férias sob o sol escaldante. E depois, em meados de janeiro, vai me agradecer. Anote aí.

Como não poderia faltar, tem Everybody needs love, do Drive-by Truckers. Que é autoexplicativa. E Fuck you, do Cee-lo Green. Que também é autoexplicativa, mas nada tem a ver com vocês, ó leitores tão simpáticos e educados.

O moço aí da foto é o Dan Bejar, que gravou meu disco preferido de dezembro (mas que só sai em 2011): Kaputt, do Destroyer.

O que mais posso dizer sobre esta coletânea? Talvez ela sirva de espelho para os meus dias (todas as outras serviram, por que não esta?). Talvez ela mostre que estou superando dramas e seguindo em frente. Talvez tenha algo a ver com o espírito natalino ou com o fato de que 2010 está finalmente evaporando (foi o pior ano da minha vida). Talvez seja apenas um disquinho com 10 músicas muito aconchegantes.

Enquanto vocês ouvem, tento me tornar um sujeito mais simples.

Antes do ano-novo, ainda devo aparecer aqui no blog com uma lista dos 10 discos brasileiros favoritos de 2010. Sejam pacientes, ok?

Vamos lá que só falta esta: faça o download da mixtape de dezembro aqui (a lista de músicas está logo ali na caixa de comentários).

E, se possível, depois de ouvir o CDzinho, invista cinco minutos do seu tempo para avaliar nossos serviços com um comentário gentil. Obrigado.

Os discos da minha vida (20)

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Semana delicadíssima para a saga dos 100 discos que estouraram o champanhe da minha vida: entre as festas de Natal e ano-novo, muita gente bronzeada está tirando férias, viajando, curtindo a praia, desligando computadores, afogando pen-drives e respirando ar puro. O que é triste: este blog, que costuma receber cinco ou seis visitas diárias, já se sente muito só.

Os que saíram pra curtir a vida vão perder um capítulo especialmente inspirado desta série interminável de posts. Vale por um dia inteiro de sol, mate leão e sanduíche natural (ok, não vale tudo isso, mas vamos fazer de conta que sim).

Por coincidência (e tudo aqui é mera coincidência, reparem), dois discos que me pegaram mais ou menos na mesma época, quando eu era um garoto de 14 anos que amava os Simpsons e a revista Rolling Stone.

Sim, eu vestia camisas de flanela meio pobretonas, adquiridas na C&A. Mas as coisas não eram tão estereotipadas assim (e o outro disco do post mostra que havia algo de complexo naquele tempo bom que não volta nunca mais).

062 | In utero | Nirvana | 1993 | download

A primeira audição foi um terremoto. Minha irmã trancou a porta do quarto, minha mãe avisou que eu estava passando dos limites e meu padrasto me chamou para uma conversinha. Eu mesmo demorei para sobreviver a um disco que soava como uma cirurgia dentária (sem anestesia). Era uma época em que as bandas de rock disputavam para ver quem gravaria o álbum mais enfezado. Kurt Cobain, mais uma vez, venceu. In utero registra com secura (saudades de você, Steve Albini!) o pessimismo dos depressivos, a agonia dos suicidas, a aflição dos obsessivos. Síndromes de uma geração. “A fúria adolescente rendeu muito bem, agora estou entediado e velho”, Cobain admitiu, aos 26. Era como nos sentíamos: velhos, e cedo demais. Top 3: Heart-shaped box, Serve the servants, Pennyroyal tea.

061 | Paul’s boutique | Beastie Boys | 1989 | download

O disco que adaptou o Beastie Boys aos anos 90 (Check your heads, de 1992) me levou a este álbum de 1989 que é, talvez sem chance de discussão, o manifesto do trio por uma colagem pop sem freios ou vergonha na cara. O medley final, B-boy Bouillabaisse, cria uma conexão entre o hip-hop dos anos 1980 e o lado B de Abbey Road, dos Beatles. Por que não? Produzido sem os padrões de polidez da época (saudades de vocês, Dust Brothers!), o disco é uma confusão de samplers e hinos adolescentes que primeiro nos sufoca e depois nos deslumbra. Uma prévia para Odelay, do Beck, e para todos os outros discos pop dos anos 1990 e 2000 que fizeram da reciclagem (e do contrabando de ideias) uma arte. Top 3: Hey ladies, Shake your rump, Shadrach.