Filmes
[chuck palahniuk]
“Nos anos 1960 e 1970, os programas de culinária na televisão estimulavam uma categoria crescente de gente a gastar seu tempo vago e dinheiro com comida e vinhos. De comer, eles passaram a cozinhar. Guiados por especialistas em como fazer, como Julia Child e Graham Kerr, explodimos o mercado dos fogões Viking e das panelas de cobre. Na década de 1980, com a liberdade dos vídeos e CD players, o entretenimento passou a ser nossa nova obsessão.
Os filmes se tornaram um território em que as pessoas podiam se encontrar e debater, como fizeram sobre suflês e vinho na década anterior. Como havia feito Julia Child, Gene Siskel e Roger Ebert apareciam na televisão e nos ensinavam a ser óbvios. O entretenimento passou a ser o próximo ponto para investir nosso tempo e dinheiro.
Em vez do buquê, da safra e da lágrima do vinho, falávamos sobre o uso mais eficiente da voz em off, de uma história de fundo e do desenvolvimento do personagem.
Nos anos 1990, nos viramos para os livros. E, no lugar de Roger Ebert, entrou Oprah Winfrey.
Mesmo assim, a real e grande diferença era que podíamos cozinhar em casa. Não podíamos fazer um filme, não em casa. Mas podíamos escrever um livro. Ou um roteiro de cinema. E esses se transformam em filmes.”
Trecho do ensaio Você está aqui, de Chuck Palahniuk, no livro Mais estranho que a ficção.
Superoito express (34)
Tron: Legacy | Daft Punk | 6.5
Pode soar como uma trilha sonora muito funcional, daquelas que só fazem sentido quando anexadas às imagens do filme. Mas é um disco mais engenhoso do que isso: como de costume, o Daft Punk vai ao laboratório e altera a composição de gêneros já muito conhecidos. Em Discovery, a matéria-prima era a disco music. Em Human after all, os riffs de hard rock. Agora, a pompa cinematográfica de maestros como Maurice Jarre e Vangelis.
A orquestra de 85 integrantes não intimida os nossos robôs favoritos, que vão alternando elementos de música erudita com a eletrônica mais comercial. O mix não soa agressivo, pelo contrário (a sensação é de que já ouvimos esta trilha outras vezes), mas a ideia de recombinar vários clichês de soundtracks explica muito sobre os métodos da dupla. As faixas aterrissam aceleradamente – às vezes desembarcam sem que as notemos. Quase impossível amá-las. Mas brilham feito vagalumes.
Body talk | Robyn | 8.5
Quando escrevi sobre os dois ótimos minidiscos que Robyn lançou durante o ano, comentei que, unidos num mesmo pacote, eles dariam no grande álbum pop de 2010. Pois bem: aí está ele. As novas faixas deste Body talk redux podem não provocar dependência química, mas o set já soa como greatest hits. Pelo menos 80% das músicas entende o que há de mais poderoso na música pop: cumplicidade e catarse. Com arranjos introspectivos, seria um dos discos mais melancólicos da temporada (reparem nos versos sobre amores perdidos, crises de identidade, depressão e solidão). Mas o clima é festivo de doer. Blood on the dancefloor.
Come around sundown | Kings of Leon | 5.5
Remete aos dois primeiros discos da banda — sob uma brisa de country rock setentista —, mas o Kings of Leon continua gravando álbuns que me parecem unidimensionais: uma única ideia não muito particular aplicada repetidas vezes, com um estilo reto, plano, “honesto”. Ainda não me convence, mas fico muito satisfeito que eles tenham abandonado alguns dos artifícios dos álbuns mais recentes, principalmente aquele verniz genérico de “modern rock” que os transformou quase que numa boy band. De qualquer forma, aposto que muitos dos fãs vão tratar este disquinho amarelado, despreocupado, como uma pausa para admirar a paisagem. Tem lá alguma beleza.
Happiness | Hurts | 5
Uma estreia que sofre de excesso de informação, como se cada faixa tivesse a obrigação de servir como carta de intenções para a banda. Pior é quando se nota que a banda em si nada tem de extraordinário: apesar do hype da imprensa britânica, o duo de Manchester não é o primeiro (nem será o último) a atualizar o synthpop dos anos 1980 — no caso, mais para New Order do que para Pet Shop Boys. Três singles muito fortes (Wonderful life é daqueles que não se esquece nunca), mas deixa a sensação de que eles ainda precisam encontrar alguma tesouro no mar de purpurina. De qualquer forma, confirma a tendência da imprensa inglesa para superestimar projetos imaturos.
Drops | Mostra de São Paulo (2)

!!! O estranho caso de Angélica | Manoel de Oliveira | 4/5 | Os trechos mais fantasmagóricos talvez surpreendam os devotos de Oliveira (efeitos especiais!), enquanto que os mais verborrágicos e teatrais talvez entendiem o fã de filmes de fantasia. É, sim, um filme estranho, que nos obriga a lembrar de Méliès e Hitchcock (e até de Apichatpong Weerasethakul, outro que sai à procura de imagens mágicas) – e, nos melhores momentos, cria um túnel misterioso que nos leva a uma época distante, quando os filmes encenavam os delírios humanos de uma forma inocente, com truques singelos. Aos 101 anos, Manoel de Oliveira retorna a essa infância do cinema. Não podemos fazer muito além de acompanhá-lo, entre o espanto e a admiração.
!!! O mágico | L’Illusionniste | Sylvain Chomet | 4/5 | A animação do diretor de As bicicletas de Belleville poderia ter se contentado em ser apenas uma homenagem belíssima a Jacques Tati (o longa adapta um roteiro do escrito pelo mestre), mas vai um pouco além disso ao rever temas de filmes como Meu tio e Playtime (sobretudo as dificuldades de adaptação a um mundo moderno impessoal, frívolo; o personagem principal, um mágico à moda antiga, é uma réplica de Hulot) com um clima chuvoso, desencantado. Mais do que se inspirar em Tati, Chomet sente saudade.
Nostalgia da luz | Nostalgia de la luz | Patricio Guzmán | 3/5 | Num doc em primeira pessoa, que talvez queira nos lembrar algo de Chris Marker e Varda, Guzmán cria uma relação até curiosa entre os astrônomos que investigam os segredos do universo no Atacama e as mulheres que, naquele mesmo deserto, procuram os vestígios dos desaparecidos políticos da ditadura militar chilena. Mas, apesar da afetuosidade do projeto e da obsessão do diretor pelo tema (e desconte aí: eu sempre me rendo a esses discursos emotivos), a ideia me parece um tanto curta e forçada – e, no mais, uma desculpa para um desfecho supostamente poético, mas óbvio.
Cirkus Columbia | Danis Tanovic | 2/5 | O diretor de Terra de ninguém retorna ao lar… talvez cedo demais. Muito pouco me interessa neste folhetim sobre o cotidiano numa pequena aldeia bósnia à véspera da guerra. Pais, filhos, políticas, cor local etc. A última cena deveria dar um tom de gravidade ao filme, mas só reforça o esqueminha convencional que Tanovic nos 110 minutos anteriores.
Não me deixe jamais | Never let me go | Mark Romanek | 3/5 | Uma love story antiquada como aquelas que encontramos em adaptações de Jane Austen, mas encenada num contexto de ficção científica (nesta realidade alternativa, a clonagem de humanos é praticada diariamente). Não é com ingenuidade, no entanto, que Mark Romanek adota o visual rococó de uma típica fita de época: ele faz com que o espectador se sinta confortável o suficiente para entender o desconforto de personagens, que também ocultam um terrível mal-estar sob a aparência de normalidade. Quem adapta o romance de Kazuo Ishiguro é outro escritor: Alex Garland.
No Twitter | 14-31 de julho
Uma compilação dos comentários-relâmpago sobre séries e filmes que postei no Twitter recentemente. Em alguns casos, com adjetivos e interjeições que não couberam nos 140 caracteres. Nesta edição, novamente, só filmes (que não ando com paciência pra séries). Com faixas-bônus, como sempre.
Salt | Phillip Noyce | 3/5 | Um bom filme de ação cuja maior esperteza é brincar com a persona mutante da Angelina Jolie. Não imagino outra atriz nesse papel. Mas pena que não chamaram Brian de Palma para ciceronear a moça.
!!! Kinatay | Brillante Mendoza | 4/5 | Uma câmera destemida, que não se esconde de nada, mas nunca inconsequente: a todo momento, Mendoza questiona as escolhas do personagem principal (um rapaz “inocente” que se torna cúmplice de um assassinato) e divide com o espectador a sensação de mal-estar provocada por atos de violência. Uma viagem ao inferno da alma, acima de tudo.
!!! Pom Poko (1994) | Isao Takahata | 4/5 | Um dos animes mais populares no Japão é também um dos melhores que vi. E um dos mais delirantes. A ideia é de Hayao Miyazaki, e contém lições ecológicas tão bem sacadas quanto as de A Princesa Mononoke. Depois dessa (e de O túmulo dos vagalumes), me associo de vez ao fã-clube do Takahata.
!!! 5 centimeters per second | Makoto Shinkai | 4/5 | Dizem que Shinkai é o novo Miyazaki, mas me parece um cineasta “à flor da pele”, herdeiro de Kar-wai (até na sensação de torpor provocada pelas imagens, que são deslumbrantes). Ao mesmo tempo, um discurso muito franco e emotivo sobre os amores de adolescência – você pode ter se esquecido disso, mas eles eram intensos assim.
O bem amado | Guel Arraes | 2/5 | Não li a peça nem vi a novela, mas o filme me pareceu uma longa série de tevê condensada num “especial” de duas horas – formatado por um editor com aversão ao silêncio e adoração por diálogos rápidos e espertinhos.
No Twitter | 9-14 de maio
Uma compilação dos comentários-relâmpago sobre séries e filmes que postei no Twitter durante a semana. Em alguns casos, com adjetivos e interjeições que não couberam nos 140 caracteres.
Robin Hood | Ridley Scott | 2/5 | Esta versão aborrecida da lenda transforma todas as outras adaptações em fantasia bocó. Eu fico com a fantasia bocó. (Mas a última cena de batalha me impressionou: grau de brutalidade que não se encontra em livros para crianças).
O preço da traição | Chloe | Atom Egoyan | 2/5 | Egoyan chega ao fim da linha: Atração fatal com verniz autoral. Desta vez, nada de converter lixo em reflexão.
Querido John | Dear John | Lasse Hallström | 1/5 | Dramalhão medonho para fãs de Crepúsculo. Não tem vampiros, mas duvido que corra sangue nas veias do parzinho principal.
Lost | s06e15: Across the sea | 2.5/5 | Um megaflashback bíblico (lição do dia: a culpa é da mãe) com várias respostas que mereciam ter ficado em segredo. Deus!
V | s01e11: Fruition | 2/5 | Os visitantes alienígenas ameaçam, os rebeldes matutam estratégias de resistência. E é assim há uns cinco episódios.
Glee | s01e18: Laryngitis | 3/5 | ‘Você é Top 40, eu sou Rhythm and Blues’. Boa. No fim, eles assassinam One, do U2. Quase tantas intrigas amorosas quanto um episódio de Grey’s anatomy.
Justified | s01e06: The collection | 3/5 | Eu não me importaria nada se largassem as tramas policiais na sala de edição e transformassem a série num drama intimista (mas admito que ainda não consegui entrar na brincadeira).
FlashForward | s01e19: Course correction | 3/5 | Mais um daqueles episódios corridos, alucinados que mostram o quanto os roteiristas desta série veneram 24 horas.
Superoito rápido e rasteiro (2)
Like you know it all | Hong Sang-soo | 4/5
Este é o segundo filme de Hong Sang-soo que vejo (o outro foi A mulher é o futuro do homem, de 2004). Daí que não posso encontrar as semelhanças entre este Like you know it all e o passado do diretor (são muitas, dizem). E não sei se me incomodaria com elas. O longa retrata situações muito corriqueiras — em resumo: um jovem diretor de cinema frequenta festivais e conhece pessoas -, mas taí um diretor capaz de olhar para o cotidiano com curiosidade, espanto e a franqueza de um diário. Acredite: neste filme a rotina às vezes parece tomada pelo clima siderado de uma ficção científica.
A divisão da trama em duas partes complementares acentua a impressão de que existe um subtexto misterioso que observa/provoca os personagens. Nada que se aproxime de um tipo banal de misticismo (vide Um olhar no paraíso) ou de filosofices supostamente líricas sobre destino e acaso (vide O segredo dos seus olhos). O diretor é sutil demais para cair nessas armadilhas, e parece entender muito bem os limites e as particularidades do próprio estilo. Estou quase convencido de que seja o único cineasta em atividade que faça justiça às comparações com Eric Rohmer. Próxima parada: Mulher na praia, de 2006.
Lake Tahoe | Fernando Eimbcke | 3.5/5
Por coincidência, logo depois de Like you know it all assisti a outro filme que enxerga as coisas corriqueiras da vida por uma lente torta. Mas, enquanto Sang-soo cria uma atmosfera de leveza à livro de rascunhos (ou de crônicas), o mexicano Fernando Eimbcke desorienta o espectador com uma meta muito precisa: ilustrar a confusão sentimental de um menino metido num drama familiar. O diretor vai tirando lentamente o véu da narrativa (que começa com imagens de uma cidade quase fantasmagórica, filmada em longos planos) até revelar a solução do “mistério” num tom mais carinhoso e pessoal do que poderíamos ter previsto. Muito bonito, ainda que um tanto calculado.
O segredo dos seus olhos | Juan José Campanella | 2/5
O típico candidato que o Brasil inscreveria para concorrer ao Oscar: um drama esguio e posudo (com o “requinte” de uma produção do James Ivory) que me deixou com a maior vontade de assistir a um filme com alguma fluência. Apesar do gosto por melodramas, o forte do diretor de O filho da noiva não é a sutileza (e, nesse ramo, não se aprende muito depois de 16 episódios de Law & Order). É assim, meio no tranco, que ele dá baixa num roteiro complicado (rocambolesco seria um bom adjetivo), que alterna duas tramas em diferentes períodos de tempo, esboça uma reflexão sobre o processo criativo e tenta mesclar uma investigação policial a uma história de amor e obsessão. Existe vida nas cenas finais, mas o filme mal dá conta de carregar o próprio peso.
Percy Jackson e o ladrão de raios | Chris Columbus | 2/5
Quem precisa de um novo Harry Potter? Eu é que não. Este Percy Jackson é um brinquedinho tão oportunista que poderia ter sido engraçado — na trama, que parece uma paródia do último livro da saga de J.K. Rowling, três amigos têm que encontrar pedras misteriosas para salvar o mundo —, mas o mix de mitologia grega, RPG, cosplay, X-Men, Lady Gaga e AC/DC me deixou com saudades de A bússola de ouro. Sério: desta vez, nem os jovens nerds vão (se) aguentar.
Um sonho possível | John Lee Hancock | 2/5
Se Preciosa é o “feel bad movie” da temporada, Um sonho possível usa mais ou menos o mesmo material sensacionalista (o drama de um adolescente negro, obeso, marginalizado, quase catatônico, que encontra um fio de esperança sabe-se lá como) para criar um “feel good movie” para torcidas de futebol americano. Quando Sandra Bullock (interpretando Julia Roberts) vencer o Oscar pelo papel da “mulher branca e bondosa”, você vai testemunhar a maior sandice da Academia desde a vitória de Gwyneth Paltrow por Shakespeare apaixonado. Vai ser triste. Mas já é inevitável.
Um olhar do paraíso | Peter Jackson | 1.5/5
Acusem-no de qualquer coisa (e assinarei embaixo), mas não venham me dizer que Peter Jackson é um sujeito de poucas ambições. O homem é destemido. Depois de se apropriar de Tolkien e King Kong, ele resolveu cruzar a última fronteira e, deus!, filmar o infilmável: o paraíso, o “outro lado”, o indizível, a vida eterna e tudo o mais. Um olhar do paraíso é um objetivo gigantesco disfarçado de “filme pequeno”, daí minha decepção ao notar o quão verdadeiramente pequeno este filme é. O diretor aposta tudo (e ele sempre aposta tudo) num projeto que dificilmente daria certo: encontrar certa harmonia (ou pelo menos um desequilíbrio interessante) entre um thriller PG-13 e uma meditação new age sobre a morte. Acontece que o suspense simplesmente não está lá — e não consigo ver muita diferença entre os delírios de Jackson e aqueles quadros kitsch vendidos em feiras hippie (ou entre este filme e o mortífero Amor além da vida). A menina morta vive nos anos 1970, mas essa não me parece uma justificativa convincente para a overdose de CGI flower power.