FicBrasília 2007

FicBrasília, último dia

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SOMBRAS DE GOYA *

Na tentativa de uma biografia pouco convencional, a pretensa ousadia de Forman saiu pela culatra: é o filme mais desastrado do diretor, ainda que não totalmente desinteressante. Em vez de retratar Goya (interpretado com bastante timidez por Stellan Skarsgard), o cineasta preferiu compor personagens e situações que, de uma ou outra forma, remetem a temas recorrentes na obra do pintor. O problema é a forma como o filme fracassa na missão de humanizar esses tipos simbólicos, que não fazem muito além de representar ou a intolerância da Igreja Católica, ou a tirania de Napoleão, ou o sofrimento das vítimas da brutalidade alheia. Junte a isso um trabalho visual muito simplório, e eis um verdadeiro teste de paciência.

Eu ainda pretendia rever À prova de morte, mas entreguei os pontos. A bateria acabou.

FicBrasília, décimo primeiro dia + 1

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SMILEY FACE *

A eficiência do filme dependerá muito do quanto você não pode viver sem Anna Faris, que parecer ser a única razão da existência desta comédia (que resume-se a um quadro cômico alargado à exaustão). Dá para entender o descontentemento de muita gente – principalmente de quem esperava algo do nível de Mistérios da carne -, mas para os que têm em Faris uma espécie de guilty pleasure (eu + meia dúzia + Gregg Araki), esta periga soar como uma das comédias mais engraçadas e descompromissadas do ano. E (distanciamento crítico ativado) nem chega a ser um bom filme!

A CASA DE ALICE *

Por mais que tente um tipo sutil de observação do cotidiano, fica difícil descontar a estrutura esquemática da narrativa, que empurra todos os personagens para o Grande Clímax em que manias e segredos virão à tona da forma mais estridente possível. Eu passo.

+ 1

HITMAN – ASSASSINO 47 °

Mais uma adaptação de videogame, mais 90 minutos de imagens vazias na vida de um cidadão sem qualidades.

FicBrasília, décimo dia

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UM JOGO DE VIDA OU MORTE °

Certo, cinema também pode ser jogo de azar, mas existe Framboesa de Ouro para pior direção de arte? Como diria minha avó, brincadeira tem hora.

A VIA LÁCTEA **

Por mais que esta história de amor espirre angústia formal (a cineasta praticamente usa todos os formatos e maneirismos que tem a disposição), a narrativa faz questão de exibir tantos malabarismos, e de uma forma tão aflita, que não pude fazer muito além de aguardar desapaixonadamente pelo próximo número de mágica. A trama é prima-de-segundo-grau de A passagem, do Marc Forster (e infelizmente alguém precisava ter dito isso). Mas aí vai um baita elogio para compensar a comparação maldosa: Chamie filma o paraíso mais ou menos como o Godard de Nossa música.

FicBrasília, nono dia

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Por coincidência, um dia de brasileiros. 

DESERTO FELIZ *

Como Baixio das bestas, me deixou a impressão de que há sim um projeto formal – de longos planos, que explicitam a imobilidade de algumas situações -, mas ele nunca dá conta de tratar com complexidade as personagens, reduzidas a objetos (e essa é a palavra mais correta mesmo) de denúncia social. Fica a sensação de que existe um bom cineasta com pela consciência de uma forma narrativa, mas preso a maneirismos. O filme termina e ficamos sem um contato mais estreito com a protagonista – não sabemos quem ela é, apesar de notarmos toda a indignação do cineasta, inconformado com a forma como essa frágil heroína vive.

MUTUM ***

Até existe uma trama, mas o filme faz questão de caminhar paralelamente a ela – primeiro como se a observasse com certa distância, depois como se aproximasse dela com muito cuidado. Enquanto isso, a cineasta se deixa perder num mundo – que é de Guimarães Rosa, mas também simplesmente o dos códigos infantis. Apresentado em festivais internacionais ao lado de O céu de Suely e Cão sem dono, pode até deixar a impressão de que nosso cinema esboça até um movimento estético – e vai maravilhosamente bem, obrigado.

FicBrasília, oitavo dia + 1

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VIOLÊNCIA EM FAMÍLIA °

Em todo lugar, subúrbios são infernais – tentativas de emular John Waters, idem.

ANGEL **

O comentário generalizado à saída do cinema era “cadê Ozon?” – e, até certo ponto, não entendo de onde vem essa dúvida. O diretor se faz muito presente nesta adaptação de um romance dos anos 1950 que satirizava os intensos melodramas dos anos 1930 e 1940. É um tom que cabe muito bem num cinema obcecado pelo pastiche, mas vale notar que – apesar das afetações de sempre – Ozon não se limita ao decalque bem-humorado. A protagonista – uma escritora mediocre que faz sucesso com best sellers – é tratada não como caricatura, mas como uma mulher determinada e ingênua que criou um mundo de fantasias para habitar. Ozon se interessa pela determinação, e não exatamente pelo talento dessa celebridade. O filme, por fim, é a ilustração do rosado álbum de delírios da escritora.

+ 1

CONDUTA DE RISCO **

Aí está a forma mais complicada e modorrenta de narrar a trama mais simples. Agora, tente esquecer um pouco a trama (que caberia em meia hora de Law and order). No original, o filme se chama Michael Clayton, e o que tem de mais interessante está bem aí: no perfil de um homem em crise profissional, desesperado por encontrar um bom motivo para mandar tudo às favas. Claro que, no manual de conduta dos escritórios de advocacia, essa transição íntima será operada como uma explosão silenciosa, invisível. O filme pode até confundir austeridade com frieza, mas pelo menos guarda uma recompensa: em um longo e belo plano final.

FicBrasília, sétimo dia

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Estava bom demais para ser verdade. 

SKETCHES OF FRANK GEHRY *

Ainda nos 15 primeiros minutos de filme, Sydney Pollack admite não ser a pessoa mais adequada para dirigir um longa sobre o arquiteto Frank Gehry. Não é modéstia, já que há dois bons motivos para nos preocuparmos com o resultado: 1. Pollack não tem muita experiência com documentários, e nunca demonstrou interesse pelo formato, e 2. Pollack e Gehry são amigos. São limitações que podem ser identificadas na tela e não para o bem, já que o filme contenta-se com um perfil simplório (Pollack fica na superfície de todas as informações) e, para piorar, com pinta de homenagem deslavada (afinal, trata-se de um bate-papo entre dois amigos). Nos melhores momentos, os dois superstars dividem impressões sobre a dificuldade de fazer arte nas brechas do mercado. Agora, sério: qual foi a última vez em que Pollack (último filme: A intérprete) colocou verdadeiramente essa idéia em prática? Não agora, por exemplo.

A ERA DA INOCÊNCIA *

Denys Arcand anuncia este filme como o desfecho da suposta trilogia iniciada com O declínio do império americano e prolongada em As invasões bárbaras. Mas soa é como uma diluição cômica dos temas desse último longa. Novamente, o diretor fotografa o homem massacrado pela ineficiência das instituições, pela vigilância da patrulha do politicamente correto, pela proximidade da morte. O cidadão sexualmente castrado, que mal consegue esboçar reação contra a mediocridade alheia (em Arcand, o problema está sempre no outro). É uma espécie de Beleza americana para a classe média canadense, só que (como esperamos de Arcand) totalmente descrente no ser humano – a trama, aliás, fecha com o close num quadro de natureza morta. Antes de entregar tudo ao deus-dará, o diretor arrisca algumas piadas estranhas, como quando o personagem visita uma seita de adoradores de O senhor dos anéis (à Beto Carrero World) – e investe em delírios bizarros que incluem um Rufus Wainwright pagando mico em trajes de baile de carnaval. Não estou brincando.

FicBrasília, sexto dia

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VOCÊS, OS VIVOS **

Não sei se seria mero curto-circuito de referências, mas o filme insistentemente me levou ao habitat acinzentado e chuvoso do cartunista Will Eisner (e também da peça de Felipe Hirsch, Avenida Dropsie). Os sketches do cineasta – ora cômicos, ora brutalmente tristes – dependem de um trabalho de composição visual muito rigoroso, mas a narrativa é uma montanha-russa. Às vezes genial de tão estranha (toda a seqüência da casa em movimento, por exemplo), às vezes de um preciosismo modorrento, à bolha de sabão. Não sei ainda se gosto, mas não consigo deixar de admirá-lo.

O SOL ***

Uma grande surpresa, já que tenho sérios problemas com os dois outros filmes do Sokurov sobre ditadores – pelo que lembro, o Hitler de Moloch mal sobrevivia a uma encenação enlameada e aborrecida, que chama exageradamente atenção para si. Aqui, a excelente interpretação de Issei Ogata para o imperador Hirohito já resolve muitos dos vícios do cineasta. O personagem tem alma, e estamos conversados. O trabalho com o digital, que rende uma fotografia toda em tons sépia, também impressiona – mas, felizmente, não ofusca o retrato íntimo de um líder em transição, prestes a abandonar a pompa divina para entregar-se ao culto a ídolos de cinema, à investigação do mundo natural, a caixas de chocolate, à cultura pop norte-americana. Humano, acima de tudo.

Three times ****

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O primeiro Hou Hsiao-Hsien que vejo, e meu amigo…

Ele dirigiu quase 20 longas-metragens, que infelizmente ficam escondidos no breu que separa distribuidores desatentos de cinéfilos que não sabem o que estão perdendo. É aquele velho problema: se o cineasta não trabalhasse com uma lentidão (totalmente justificada) no trato com as imagens, seria cultuado por um público bem maior. Em resumo: a sessão desse filme foi uma espécie de ritual secreto abarrotado de chineses (caídos de pára-quedas de um coquetel) e três ou quatro gatos-pingados conquistados pela aura de importância (totalmente justificada) criada em torno do diretor.

E o filme? Três histórias de amor, em três períodos históricos diferentes, em três registros complementares. A primeira, tomada por uma certa maresia, é como uma lembrança doce de adolescência – estamos nos anos 1960. A segunda é adulta, doída, com personagens empacados em papéis sociais – em 1911, e recursos de cinema mudo. O terceiro chega a 2005 em compasso frenético de incertezas, de trânsito veloz, de identidades totalmente borradas. É cinema com tantas possibilidades de aproximação, e filmado com tanto esmero, que obriga um punhado de revisões. Se alguma boa alma decidir lançar em DVD por aqui, será meu filme de cabeceira. Em película e com potentes caixas de som, é experiência que não se esquece.

FicBrasília, quarto dia + 1

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Tente aliar um festival de cinema com uma rotina estressante: você terá pouco tempo para escrever sobre filmes que mereceriam páginas a fio. Peço desculpas antecipadas, e aí vão minhas desprezíveis contribuições ao debate.

JOGO DE CENA ****

Seria o Coutinho definitivo? Para um fã incondicional de Santo forte, difícil chegar a essa conclusão. Mas está bem claro como o cineasta revisa aqui várias marcas do próprio cinema – que muda de filme a filme, mas permanece igual, centrado na oralidade, na narração de histórias – e dá um belíssimo passo adiante quando expõe a grande questão sugerida pelos filmes anteriores: se toda entrevista é uma encenação, quais seriam as engrenagens desse jogo? A comparação entre supostas confissões e a interpretação de atrizes conhecidas já daria pano pra manga (há o momento antológico em que a atriz se emociona, mas a “dona da história” não), mas Coutinho empurra o conceito adiante até nos deixa abandonados, sem saber em quem acreditar. É um monumento erguido sobre uma estrutura absolutamente simples, e um dos melhores filmes de 2007.

SEMPRE BELA ***

Buñuel ficaria orgulhoso com uma homenagem tão leve e tão perversa.

+ 1

BEE MOVIE **

Se movimenta mais ou menos como um bom episódio de Seinfeld, com uma trama que se desdobra em situações imprevisíveis e às vezes arranha um tipo de cinismo muito amargo. Começa como a história de uma abelha inconformada com a necessidade de trabalhar até morrer. Esse herói sai ao mundo e encontra uma mulher. Parece estar apaixonado por ela, mas o que vem a seguir? Um filme de tribunal sobre roubo de mel, seguido de um panfleto ecológico sobre equilíbrio na natureza. Não é a típica animação da Dreamworks, mas o design continua uma beleza de se admirar.

XXY ***

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O único traço sensacionalista neste filme (cuja protagonista é uma hermafrodita de 15 anos) é o título. Talvez por isso o filme acabe por se revelar uma tão grata surpresa. Se a premissa sugere o perfil de uma personagem marginalizada, a diretora supera as expectativas ao usar esse chamariz – aliás, uma bela sacada de marketing – para tratar de questões mais amplas sobre sexualidade e afetividade. Mais que tudo, é filme que lida com a adolescência de uma forma muito franca, e a trata sobretudo como fase de indefinições e experiências – a personagem principal nada mais seria que um caso extremado de dramas que quase todo mundo vive. As atuações de um elenco de desconhecidos são tão boas (pra ter uma idéia, Ricardo Darín é um dos atores menos destacados em cena) que fica muito simples aceitar tipos que poderiam ter soado caricaturais ou pouco críveis. É o caso raro de filme que, ao final da projeção, nos faz querer conhecer mais sobre os personagens e os atores que os interpretam.

FicBrasília + 2

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Rapidinho, comentários homeopáticos. Minha vida está tão corrida e tão estranha que estou entre jogar meu carro num poste, tirar um atestado médico falso e pedir asilo político na Somália. Enquanto nada disso acontece, vejo filmes. Vamos logo, então.

FicBrasília – Primeiro e segundo dias

O AMOR NOS TEMPOS DO CÓLERA °

Um elenco latino reunido na Colômbia em uma adaptação de García Marquez… em inglês? A opção do idioma não chega a ser um dos maiores problemas do filme (o universo do escritor ganhou tons carnavalescos e turísticos que remetem às saudosas novelas da Rede Manchete), mas lima todo o trabalho do escritor com a linguagem – o que resta é nada além de uma síntese enfadonha para um grande romance. O resumão deverá servir apenas a vestibulandos atarefados.

PINTORA AOS 4 ANOS ***

Sei que vou estar sozinho nessa, mas é um belo filme. Um tanto superficial, como de praxe na média dos documentários norte-americanos que chegam por aqui, só que bem menos banal do que dá a entender. Começa como um ensaio meio didático sobre arte moderna, mas acaba por se revelar a odisséia de um documentarista na tentativa (fracassada) de desvendar os mistérios que se escondem na sala de estar de uma família aparentemente saudável. Por fim, retorna ao tema inicial de uma forma bem mais complexa, já metido em intensa confusão, sem a menor condição de ir atrás de um desfecho para a história. Diante de tantos novos elementos em jogo, como recomeçar o raciocínio?

SAVAGE GRACE *

Se a história é tão fascinante, por que é tão tortuoso narrá-la?

4 MESES, 3 SEMANAS E 2 DIAS ***

Não consegui pensar nas comparações que muita gente identificou como óbvias (irmãos Dardenne?) diante de um filme com essa enorme capacidade de imprimir intensidade e urgência em cada cena. Há como pensar no contexto social das personagens e na condição histórica de todo um país, mas depois, depois. Enquanto o filme corre, tudo fica à margem dessa dedicação de buscar a radiografia mais vigorosa de pequenos momentos.

CANÇÕES DE AMOR **

Se Honoré ouve essas músicas no iPod enquanto caminha por Paris, precisa urgentemente comprar os álbuns do Phoenix ou do Air. No mais, agrada pela liberdade como brinca com as convenções do gênero sem com isso deixar de soar adorável, otimista – o que não apaga minha impressão de que esse cinema gira em falso.

+ 2

AS LEIS DE FAMÍLIA **

Mais solto que Abraço partido, ainda leve feito pluma, feito ar, feito biscoito de água e sal.

A LENDA DE BEOWULF **

Não é só truque, já que este filme realmente precisa dos efeitos digitais mirabolantes para criar um universo. E é uma aventura cheia de pequenas estranhezas – da sensualidade à flor da pele ao fato de que o terceiro ato da narrativa é separado do segundo por um espaço de 50 anos. Zemeckis em fúria hormonal.