Feitiço do tempo
top 100 | Os filmes da minha vida (12)
Neste episódio natalino, o ranking dos 100 filmes que iluminaram minha vidinha apresenta dois longas-metragens apetitosos, para nutrir a sua ceia.
Feliz Natal e até logo mais.
078 | Fargo | Joel e Ethan Coen | 1996
Vi este Coen no cinema, numa época em que eu queria escrever como Rubem Fonseca e dirigir filmes tão geniais quanto Pulp Fiction. Desde então, mudei muito (não sei se pra melhor), mas o desfecho de Fargo ainda segue em alta no meu ranking secreto das cenas mais bonitas do mundo. Eu teria que revê-lo para saber se ainda se sustenta como o meu favorito entre os filmes dos cineastas, mas isso é desimportante: hoje, lembro muito dos personagens e pouco das reviravoltas da trama (o que talvez explique sobre a força do filme).
077 | Feitiço do Tempo | Groundhog Day | Harold Ramis | 1993
Revi esta comédia tantas vezes que, ironicamente, às vezes a impressão era de que eu estava preso num Dia da Marmota cinematográfico (“vivi” o filme repetidamente, ainda que, a cada revisão, sempre descobrindo alguma novidade nele). Por um longo período da minha vida, a identificação com o herói de Bill Murray era total: eu me sentia um sujeito incapaz de crescer e aprender, mesmo quando cometia os mesmos erros duas, três, cinco vezes. Depois, quando parei de me incomodar com esse espelho, consegui notar o que existe de engenhoso no filme – não o truque de roteiro, mas a transformação sutil de um personagem.
2 ou 3 parágrafos | Shrek para sempre
O primeiro Shrek, hem, que baita alarme falso: a animação, lançada em Cannes em 2001, nos prometia uma disputa criativa muito interessante entre a Pixar (associada à Disney) e a PDI/Dreamworks. Mas a brincadeira perdeu a graça. A Pixar dominou o formato (e seguiu em frente) enquanto que a Dreamworks passou a reviver aquele ano de 2001, mais ou menos como o personagem de Bill Murray em Feitiço do tempo: um dia exatamente igual ao outro.
Não que o estúdio de Jeffrey Katzenberg tenha se afogado em desleixo. Como treinar o seu dragão, Kung fu Panda e Bee Movie são filmes até cuidadosos, mas nada que se compare a um Ratatouille, a um Wall-E, a um Up – Altas aventuras. Cruel mesmo, no entanto, é comparar os dois “carros-chefe” dos estúdios: as séries Toy story e Shrek. No primeiro caso, a tentativa de crescer junto com o público; no segundo, a repetição mecânica de ideias que deram certo.
Ao contrário de Toy story 3, Shrek para sempre (2/5) deixa a impressão de um episódio mediano de um seriado de tevê que, após três temporadas, perdeu o viço. A narrativa segue um modelo-padrão de programas televisivos (com uma inspiração distante, e muito rasteira, de A felicidade não se compra): o herói passa por um momento de crise que transfigura o mundo em que ele vive – ao fim da trama, porém, a normalidade é reestabelecida. No caso, a normalidade é a vida em família, o matrimônio. Quando o ogro resolve abandonar o home-sweet-home e se lambuzar na solteirice, ele é duramente penalizado. Lição conservadora (e incômoda) da semana: os finais felizes são infinitamente felizes para quem se conforma com as convenções.