Everything in between

Superoito express (31)

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Grinderman 2 | Grinderman | 8

Ouvi este disco enquanto eu lia o livro A morte de Bunny Munro, de Nick Cave, e admito que até confundo um com o outro. O personagem do romance é um vendedor de cosméticos mulherengo, amoral, que sofre uma crise terrível após a morte da esposa — começa a sofrer todo tipo de alucinação, cai no caldeirão da culpa, ainda que não consiga se livrar dos vícios que sempre amou. Cave acompanha esse homem de meia-idade (quase-morto) como se escrevesse um roteiro para Jim Jarmusch, com uma lente distanciada, um tanto irônica e sacana, porém cúmplice. Impossível não encontrar esse anti-herói em Grinderman 2.

Acredito até que, na banda, Cave se sente ainda mais livre para exercitar esse talento de ficcionista. Mais ainda do que nos discos do Bad Seeds, ele cria um ambiente bolorento, decadente, com atmosfera de filme B (um noir de quinta categoria, digamos), onde os personagens se movimentam. Nesse ponto, é um disco ainda mais cinematográfico do que a estreia do Grinderman: as faixas são longas e “desarrumadas” o suficiente para evocar imagens de estradas vazias, madrugadas que cheiram a enxofre, quartos de hotéis com teias de aranhas — cenas de crimes. O disco soa até como o “produto final”, criado a partir do livro (que seria o roteiro). É o “filme” de Cave. E um filme que nos entretém e nos maltrata a um só tempo.

Business casual | Chromeo | 7

Aviso: a primeira audição deste disco pode ser absolutamente frustrante para quem conhece projetos como o Les Rhythmes Digitales (de Stuart Price) — que, há mais de 10 anos, já contrabandeava o electropop mais artificial dos anos 1980 com essa mesma dosagem de afeto e humor. A impressão é de que o Chromeo chega tarde, perde o timing da piada — e o pior é que todas as faixas do álbum respeitam exageradamente os limites que a dupla criou para um estilo que não tem nada de extraordinário. Dá uma certa preguiça de ver onde essa história vai dar. Mas, para minha surpresa, ela não é casinho de uma noite só: sob a aparência, os canadenses escrevem canções duráveis, verdadeiras e, nesse ponto, eles acabam lembrando o Phoenix pré-It’s never been like that (principalmente de Alphabetical, um disquinho subestimado de que gosto muito). Uma faixa como Don’t walk away, por exemplo, não deve ser levada como brincadeira: é compromisso, e vai durar.

Crush | Abe Vigoda | 6.5

O Abe Vigoda vem da mesma cena californiana de noise e pós-punk que revelou o No Age. Mas, enquanto o No Age tenta alternar zoeira e doçura num modelo que lembra os discos lançados pela Sub Pop no fim dos anos 1980 (e o novo, Everything in between, vai equilibrando esses dois traços sem muitos sustos), os colegas acabaram fazendo um disco também bipolar, mas de uma forma totalmente diferente. Crush é claramente um disco de transição — em parte, a banda experimenta com sintetizadores secos, duros, à Joy Division; em outra parte, fazem o feijão-com-arroz lo-fi, com orgulho de ser tosco. Essa indecisão soa espontânea, mas também dá uma ideia de desleixo que não combina muito com os novos rumos que eles estão tomando.

Wilderness heart | Black Mountain | 6.5

Por falar em bipolaridade… O Black Mountain passa por um conflito ainda mais complicado, já que os canadenses tentam crescer e aparecer, sem se virar um Kings of Leon. O equilíbrio é dificílimo, e eles ainda não o encontraram (procuram desde o anterior, In the future). O triste é que eles são competentes no que fazem, entendem muito bem alguns símbolos do rock psicodélico dos anos setenta (a faixa Radiant hearts, uma balada de quebrar corações, mataria o Robert Plant de orgulho), mas não conseguem vencer a impressão de que eles ocupam uma espécie de segunda divisão do indie rock, talvez reverentes demais aos ídolos. Acaba que não faz muita diferença ouvir este disco ou qualquer outro lançado nos anos 1970 por bandas que sumiram na sombra de um Neil Young, de um Greatful Dead. Mas, apesar disso tudo, está longe de ser um disco medíocre.

PS: A mixtape de setembro, que me orgulha muito, chega nesta quinta-feira, dia 30, um pouco mais cedo do que o habitual. Entre 18h e 19h. Espero vocês, ok?

Everything in between | No Age

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Digamos que você, leitora deste blog, saiu para dançar com as suas amigas e acabou conhecendo uma pessoa especial. Por volta das três da madrugada.

Ele, a tal pessoa especial, tem uma tatuagem engraçada no ombro, usa umas costeletas bem aparadas, não cheira a perfume de cinco reais, soa misterioso (mas não ameaçador), tem uma boa pegada, é másculo (mas não tosco), é inteligente (mas não esquisito) e conhece algumas das músicas que você gosta de ouvir.

Isso é, infelizmente, tudo o que você consegue lembrar daquela madrugada.

Não consta na sua memória, no entanto, o momento em que você ditou o seu número de telefone para ele. No dia seguinte, ele liga. Vocês marcam um outro encontro. Desta vez, pela manhã. Acertam um passeio no parque ou em algum outro lugar cheio de pessoas e cachorros.

Enquanto toma banho, você ainda pensa: talvez teria sido melhor preservar a lembrança de uma noite perfeita a arruiná-la com um encontro diurno medíocre. Mas entende que os encontros diurnos medíocres são inevitáveis quando se conhece pessoas especiais às três da madrugada.

No parque, você confirma as suspeitas. Descobre que se encantou por um sujeito não exatamente raro: a tatuagem engraçada era um símbolo oriental, o papo não soa tão enigmático e, no fim das contas, ele conhece poucas das músicas que você gosta de ouvir. Mas, com o tempo, você passa a se afeiçoar por uma pessoa talvez mediana, talvez cheia de imperfeições visíveis à luz do dia, mas que talvez a conquiste com o passar do tempo, de uma forma menos transcendental e mais concreto.

Você volta para casa frustrada porém esperançosa. E, digamos, começa a ouvir o disco novo do No Age, Everything in between. Que, de uma forma estranha, parece resumir os acontecimentos daquela manhã.

Ou algo assim.

Como nos relacionamentos amorosos, o rock também é capaz de despertar encanto nos primeiros encontros (quando estamos bêbados e carentes) e de nos obrigar a rever nossas impressões à luz da manhã seguinte.

Resumindo (antes que este blog se transforme num consultório sentimental): Everything in between é o “disco diurno” do No Age. O álbum em que a banda se revela finalmente humana, imperfeita, talvez mundana demais. Nouns, o anterior, era o “disco noturno”.

Nouns era um álbum breve, preciso, nos mostrava apenas os elementos mais sedutores e intrigantes do temperamento da banda (formada por Dean Spunt e Randy Randall): o noise pop cuidadosamente sujo (quase blasé), os espasmos de ambient, as lembranças enternecidas do pré-grunge, a impressão de que o disco caberia bem numa exposição de arte contemporânea (e, de fato, foi parar no MoMA).

Everything in between soa menos turvo. Bem menos turvo, na verdade. É um álbum mais direto, menos enevoado, que abre com três faixas que poderiam ter se tornado hits se o ano de 1991 continuasse pulsando em algum canto da América. Para bom entendedor (e fã do Sonic Youth), é como se o No Age tivesse gravado um Sister e, logo depois, um Goo. Isto é: para nosso azar, eles pularam o Daydream nation.

Mas esse salto do No Age nos revela uma banda mais tangível. É como se, de uma hora para a outra, Dean e Randy se transformassem em vizinhos nossos. Uns chapas muito agradáveis, muito esforçados, mas que não despertariam grande admiração.

Essa “humanização” da banda passa por um processo complicado: a maior parte das músicas se adaptam a modelos mais convencionais de canção (Glitter chega a provocar assombro — com uma produção mais polida, poderia ser usada em séries de tevê) sem abandonar a rispidez sonora e os zunidos percussivos que marcaram os discos anteriores da banda. E as letras apontam para um olhar menos juvenil, mais sóbrio, para “as decepções e os triunfos da vida” (é como eles próprios as explicam, no site da Sub Pop). As faixas ambient ficam escondidas no fim do repertório, meio que ressabiadas.

O próprio disco acaba entregando explicitando essa proposta mais despojada: seja no título (uma forma direta de dizer que o álbum reúne canções gravadas num determinado período, sem ambições conceituais ou algo do tipo), seja na forma como os samplers barulhentos são ‘esculpidos’ em canções mais ou menos triviais. Tudo descomplicado.

É claro que os defensores mais apaixonados (aqueles que se prepararam para encontrar neste disco diurno resquícios do noturno) vão se apegar a esse tom terno, franco. Com repetidas audições (e no volume alto como ouvimos álbuns do Dinosaur Jr), as canções vão mostrando um charme duradouro, talvez um tanto singelo, mas que nos convence de que elas merecem atenção.

Terminamos o disco (e o dia) assim: frustrados porém esperançosos. Era essa a banda por quem nos encantamos? Não. Mas, muito possivelmente, é este o No Age de carne e osso.

Terceiro disco do No Age. 13 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Sub Pop. 7/10