Estreia

The fool | Warpaint

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Ouço o primeiro disco do Warpaint e concluo: conheço este som de algum outro lugar. Já estive aqui, neste mundo, muitas vezes.

É uma sensação, não posso negar, de déjà vu. Estas canções me remetem imediatamente ao legado de Joy Division (as melodias são dark e os arranjos, angulosos), ao minimalismo sexy do The XX (a produção é arejada, lacunar), aos momentos mais soturnos do Sleater-Kinney (Emily Kokal canta como quem se recupera de uma cirurgia: expressa dor e cansaço).

Volto ao disco e a impressão permanece: esta banda de Los Angeles, formada por quatro mulheres, parece ter nascido de um caldo grosso – e escuro – produzido com o material genético de outras bandas derivadas do pós-punk e do goth rock do início dos anos 1980. Ouço pela quinta vez e descubro que me viciei nessa substância.

Talvez por isso ele se chame The fool. O tolo, no caso, sou eu.

Ainda não consigo descrever o que tanto me atrai na banda e no disco. E já foram dezenas de audições. Mas consigo afirmar (até porque não há o que fazer, estou apenas sendo sincero) que foram poucos os álbuns de estreantes que, em 2010, me obrigaram a duvidar das primeiras impressões e a quebrar lentamente minhas resistências. Há discos que nos transformam em seres indefesos.

Mas por que isso acontece, no caso? Antes que eu resolva essa pergunta de uma forma prática (apelando para a palavra mistério), vou tentar algumas explicações. A primeira delas é que o Warpaint cita os próprios ídolos elegantemente e, em alguns casos, de uma forma direta. É diferente de copiar sem apontar a fonte.

Um exemplo é Undertow, uma balada com um quê grunge (lembra algo dos primeiros discos do Belly, do Breeders), que parece roubar a atmosfera de Polly, do Nirvana (no refrão), antes de lançar um dos venenos do Warpaint – existe algo íntimo, frágil na interpretação de Emily que nos convence de que ela viveu verdadeiramente o que canta (mais para Elliott Smith do que para Courtney Love). “Qual é o problema? Você se machucou? Abriu os olhos e descobriu que era outra pessoa?”, ela pergunta. E não responde.

Outro exemplo é Baby, que usa um trecho de Long long long, dos Beatles, como uma ‘música incidental’ enquanto a vocalista parece homenagear o tom róseo dos ‘girl groups’ dos anos 60. Entre Beatles e Nirvana (e Joy Division, que paira sobre o disco), o Warpaint vai definindo um território musical onde a matriz melancólica pode se tornar inesperadamente melodiosa (McCartney), áspera (Cobain) e assombrada (Curtis). The fool nos surpreende sem abandonar esse “mundo” que a banda escolheu habitar.

É um disco de apenas nove faixas, produzido para soar uniforme e denso, mas que nunca se repete. Uma audição mais atenta revela diferenças marcantes entre Bees (que se permite sintetizadores, um certo verniz psicodélico, algo dançante) e Composure (que acumula coros infantis e loops robóticos, na linha de In rainbows, do Radiohead) – e, entra uma e outra, o transe que é Shadows, toda enevoada, um passeio numa cidade onde nada acontece.

Quanto mais se visita o território do Warpaint, mais se descobre o que ele tem de especial, de engenhoso, delicado. Digo especial porque, no caso, não dá para chamar de novo. Elas parecem saber disso. Quando opta por mostrar explicitamente de onde veio – e sem véus -, a banda assume um risco: você pode simplesmente desprezá-la como uma derivação de bandas melhores e populares; ou, e recomendo essa opção, você tem todo o direito de tratá-las como quatro mulheres que conhecem e respeitam o chão onde pisam.

Deixam, no fim do disco, uma impressão de franqueza. E não há tolice nisso.

Primeiro disco do Warpaint. Nove faixas, com produção de Tom Biller. Lançamento Rough Trade Records. 8/10

2 ou 3 parágrafos | Cabeça a prêmio

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Quando li o livro do Marçal Aquino, lembro que pensei o seguinte: 1. o romance daria um filme muito tenso, um legítimo thriller à brasileira (os capítulos são concisos, a prosa de Aquino provoca asfixia, o Brasil que aparece no papel é imenso e desolado etc), mas 2. esse filme custaria uma fortuna e, portanto, não seria feito.

A adaptação dirigida por Marco Ricca (3/5) resolve essa questão de escopo de uma forma muito prática e, às vezes, elegante: ele achata a trama (narrada de forma linear e em menos locações), mas mantém os personagens. Também preserva uma característica muito marcante do texto, que é a aproximação com o folhetim. Todos os elementos de uma boa novela das oito estão aqui – amores impossíveis, fuga, traições, assassinatos, intrigas familiares -, mas desnudados por uma câmera seca, por uma fotografia amarelada, por um diretor que dá tempo aos atores e parece se preocupar mais com os personagens do que com o desenvolvimento da ação. Nisso, lembra um pouco o Beto Brant de O invasor.

E é essa a maior diferença que noto entre filme e livro. No filme, a narrativa é mais frouxa – talvez de propósito, talvez por inexperiência de diretor estreante. A aflição de Aquino é como que dissolvida pela montagem. Outra característica que me incomoda é que, ao tratar todos os personagens de uma forma mais ou menos igualitária, o roteiro acaba subestimando aquele que se revela um dos mais importantes da trama: o capanga de Eduardo Moscovis merecia mais tempo na tela, até para identificarmos a agonia que engata a reviravolta final. No mais, uma estreia muito mais forte e bem sucedida do que eu esperava.

Avi Buffalo | Avi Buffalo

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(Um texto sobre o disco Avi Buffalo, da banda Avi Buffalo. Com anotações sobre Becoming a jackal, do Villagers)

(Não, não vou fazer isso sempre. Fiquem tranquilos)

Há muito tempo, talvez uns bons cinco anos, entrevistei o Todd Solondz. O cineasta. Vocês sabem quem. Ele é, de fato, um sujeito esquisito. Sim, um pouco como o Milhouse, amiguinho do Bart Simpson. E, mais importante do que isso, o homem parecia um tanto desconfortável.

Talvez estivesse incomodado com a cidade (Brasília é um susto, e é por isso que eu a amo), talvez com os jornalistas que o acossavam (gravadores em riste!), talvez com as perguntas enviesadas de uma repórter que o confundiu com o Larry Clark. Talvez, na hipótese mais curiosa, ele fosse daquele jeito mesmo. Suava ao responder às perguntas. Uns vinte minutos depois, já exausto, pediu uma garrafinha d’água e zarpou para o quarto do hotel.

Antes de sair, respondeu à inevitável questão sobre esse tal de cinema independente. Azar de quem perguntou. O tio geek estava farto, exausto, irritado, uma pilha. Daí que respondeu algo ríspido, quase uma cusparada (e traduzo o desabafo para o português, para poupar-lhe trabalho):

“Cinema independente? Bull-shit! Isso não existe! Isso nunca existiu! Isso é uma farsa! O único cineasta independente que eu conheço é o George Lucas, que tem grana pra filmar o que bem entende. Poupem-me desses clichês ridículos”, e foi (se não me falha a memória) isso.

Obviamente (e vocês, que são mais inteligentes do que eu, perceberam isso), trata-se de uma declaração tão inconsequente quanto muitos dos filmes do diretor de Felicidade. Também: uma declaração que, apesar de feia, tem um quê de verdade – como são os filmes do diretor de Felicidade.

O que acontece é que sempre penso nela, naquela declaração, quando ouço um disco “independente” que me parece tão cômodo quanto aquilo que esperamos de álbuns lançados por corporações do mal. É o Solondz no meu ouvido: rock independente? Bull-shit!

Mas, se é assim, se todo maniqueísmo é ilusão, por que os selos independentes ainda despertam em mim infinita simpatia? Mais do que isso: por que eles evocam uma certa aura de pureza, de espontaneidade, como se fossem gerenciados por um bando de hippies que vive dentro de cabanas e se alimenta de frutas e peixe assado? E eu não sou o sujeito mais ingênuo. Eu também perdi a inocência quando descobri que meu pai e minha mãe resolveram fazer por conta própria o que deveriam ter encomendado à cegonha. Então… Por quê?

Bem-vindos, amigos, ao mundo de Avi Buffalo, uma banda californiana. E do Villagers, um projeto irlandês. Ambos saudáveis e esguios. Ambos agradabilíssimos. Ambos confortavelmente independentes.

A estreia do Avi Buffalo saiu pela Sub Pop, talvez o maior selo indie dos Estados Unidos. O do Villagers, pela Domino Records, um dos maiores da Europa. Antes que alguém me recrimine, são dois belos discos.  Você deveria tê-los no seu iPod.

Não existe, pelo menos não que eu saiba, um “som Sub Pop” ou um “som Domino Records”, mas, naturalmente, existe uma certa coerência na forma como os selos escolhem as bandas contratadas e lançam discos.

Sabemos, por exemplo, que a Sub Pop prefere álbuns concisos (quando lançaram o CSS, foram logo cortando as gorduras do disco) e, depois de um tufão chamado The Shins, procura bandas que sigam uma certa linha folky, dreamy, levemente psicodélicas: daí vieram Band of Horses, Fleet Foxes e, agora, Avi Buffalo.

E sabemos também que a Domino Records tem a capacidade de facilitar o acesso a outsiders: foi o que aconteceu com o Animal Collective em Merriweather Post Pavilion e com o Dirty Projectors em Bitte Orca. Outro dia mesmo, eles lançaram um disco elegantemente melodioso do Wild Beasts. O slogan do selo seria algo como “estranheza sim; mas com ternura”.

Becoming a jackal, do Villagers, parece ter sido formatado para nos fazer lembrar de Two dancers, do Wild Beasts. Da mesma forma como Avi Buffalo está coladinho ali em Oh, inverted world, do Shins, e no primeirão do Fleet Foxes. 

A história, portanto, funcionaria mais ou menos assim: se você gostou de Wild Beasts, ouça Villagers. Se curtiu Shins, vá de Avi Buffalo. Mais ou menos quando a Universal Music, digamos, tenta nos empurrar a nova Rihanna, o novo Kanye West. Não muda muita coisa.

O interessante, nos dois casos, é como as bandas lutam (discretamente) contra as expectativas criadas pelos selos. Sim, já que o Villagers não é o novo Wild Beasts e o Avi Buffalo não veio ao mundo (felizmente) para clonar os genes do Shins.

Daí que, resumindo, são dois discos no meio do caminho. Entre pontos de partida problemáticos (tudo o que eles deveriam ter feito era seguir caminhos já planejados) e alguns belíssimos desvios de rota. 

O do Avi Buffalo, por exemplo, aos poucos vai se transformando numa cria até muito convincente de Neil Young e Grateful Dead. Five little sluts é algo muito mais próximo de um Thurston Moore do que de um Band of Horses (é claro, amaciado pelos travesseiros da Sub Pop). E Avigdor Zahner-Isenberg, o prodígio de 18 anos que escreve essas canções, canta maltratando a faringe, sentindo cada nota.

O disco do Villagers – projeto do faz-tudo Conor J. O’Brien, de Dublin – parece mais adaptável à programação das rádios que veiculam as baladas de Damien Rice e Jamie Cullum. Como o Wild Beasts, Conor vai do mundano ao bizarro. A primeira faixa, I saw the dead, resume esse equilíbrio: o compositor nos convida para entrar num porão onde vivem crianças mortas. Na faixa seguinte, avisa que está vendendo a alma (e, aparentemente, somos nós os compradores). 

É um personagem forte, esse homem atormentado, esse lone ranger, essa pobre alma assombrada por sabe-se lá quantos fantasmas.

Mas, tal como o Avi Buffalo, o que há de singular nessa sonoridade é arredondado por uma produção que deixa tudo nos devidos lugares. A produção vende o disco muito bem. Faixas como Home e Pieces justificam a indicação do disco ao Mercury Prize: são corretas e, se você estiver no clima, tocantes.

Por curiosidade, eu gostaria de ouvir um disco do Avi Buffalo que não passasse pelo crivo da Sub Pop. E um álbum do Villagers sem a grife da Domino Records. Outro dia mesmo, eu comentei por aqui que as pressões de grandes gravadoras às vezes estimulam os nossos ídolos a nos surpreender. Nesses dois casos, no entanto, eu queria muito menos: o que eles fariam se tivessem toda a liberdade do mundo?

Talvez nada muito melhor do que isso. Veja o George Lucas. Mas seria um desafio.

Avi Buffalo. Primeiro disco do Avi Buffalo. 10 faixas, com produção de Aaron Embry. Lançamento Sub Pop. 7/10

Becoming a jackal. Primeiro disco do Villagers. 11 faixas, com produção de Conor J. O’Brien e Tommy McLaughlin. Lançamento Domino Records. 7/10

The ArchAndroid | Janelle Monáe

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Lembro do dia em que meu pai me apresentou a um disco dos Beatles. Era Rubber soul.

Já na metade do lado B — em Wait ou If I needed someone —, ele deslizou a agulha do vinil, interrompeu zunido da vitrola e ficamos ali, nós dois, em silêncio. Um menino de oito anos e um homenzarrão de trinta. Ele queria fazer uma pergunta séria, mas meu pai é (e sempre foi) uma pessoa que hesita antes de tomar qualquer atitude. Ele hesita. E é o que ele faz.

“Você percebe alguma coisa diferente neste disco?”, meu pai perguntou (e, já naquela época, eu sabia quando ele estava se esforçando para soar adulto. Era um desses momentos).

E eu, ainda transtornado pela experiência (e um pouco entediado: oito anos!), pensei em duas respostas idiotas. Logo em seguida, desisti de ficar tentando.

“Não percebo, pai. Quer dizer, percebo alguma coisa diferente. Mas não entendo”, e ainda cogitei acrescentar um “sou apenas um menininho babaca de oito anos, não me ensinaram o bê-a-bá da música pop, passo as tardes jogando Atari e lendo Pato Donald”, mas seria um golpe baixo. Meu pai queria queria me tratar de igual para igual e eu estava tentando me adequar à encenação. Próximos capítulos: trocaríamos ofensas sobre o jogo de futebol e conversa fiada sobre as coxas da empregada.

“Repare bem, filhão: este disco tem tudo o que você precisa saber sobre música. Tudo. Tudinho dentro de um disco. A primeira música é diferente da segunda, que é diferente da terceira. Uma coisa incrível! E aí você se pergunta: mas como essa banda conseguiu incluir to-das as invenções mais loucas do mundo dentro de um só disco? Foi o que aconteceu, Tiago: eles inventaram tudo, e fizeram tudo. Não é maravilhoso?”

(Meu pai, é claro, ainda não faz ideia de quem foi Frank Zappa).

Com o passar do tempo, me senti obrigado a concordar com aquele raciocínio meio inacabado, cheio de arestas: os Beatles são os Beatles e, de fato, eles inventaram um bocado de coisas.

Mas o que me intrigou (e acredito que meu pai foi o primeiro a atiçar essa enorme angústia) foi notar que, na média, a música pop se comportava exatamente como um contraponto àquele disco extraordinário que ouvi aos oito anos: em vez de surpresas e reinvenções, a maior parte dos álbuns que eu ouvia soava previsível, limitada, tão medrosa e hesitante quanto o meu pai.

Se os Beatles são o Grande Exemplo de uma banda bem-sucedida, por que as bandas não pareciam entender que, entre uma e outra faixa de um disco como Rubber soul, mora a filosofia da aventura, do risco, da ousadia, de rejeitar o conforto e tentar tudo (às vezes, tudo ao mesmo tempo)? Por que elas, as bandas, pareciam subestimar as possibilidades do pop?

O que deu errado?

Sem querer forçar comparações absurdas (mas já forçando!), o primeiro disco de Janelle Monáe soa como se tivesse sido criado por uma menininha que, sem contato com os produtos mais mecânicos do pop, ouviu um disco dos Beatles (ou do Frank Zappa, ou do Love, ou uma ópera-rock do The Who) e decidiu escrever algumas canções. Nos 68 minutos de duração, a palavra que quica é liberdade.

E é assustador perceber que, em 2010 (o ano em que faríamos contato!), esse disco aventureiro acaba soando como um filho único. Um caso excêntrico. Uma anomalia.

Os críticos se espantam com a variedade de gêneros musicais e comparam o álbum a outros “patinhos feios”, tão raros se transformaram em referências de “creative writing”: The love below, do Outkast, Sign o’ the times, do Prince, Odelay, do Beck (eu incluiria nessa lista Hello nasty, do Beastie Boys, ainda que o disquinho tenha sido penalizado pelo tempo). O que deveria ser norma — faça o que você quiser, como John ensinou! — passa como exceção. Infelizmente.

Mas The ArchAndroid está aí para nos lembrar que o pop é um país mais vasto do que a sala de estar do Timbaland (ou o umbigo de Kanye West).

A narrativa nos engana a cada dobra de página. Começa com arranjos de orquestra à High Llamas (uma cama de melodias sessentistas pós-Smile) e vai se adequando a alguns padrões do hip-hop mais radiofônico (Dance or die é um hit até bem genérico), entrando e saindo dos trilhos de um típico álbum de musa-soul-que-curte-indie-rock.

O alcance é tão largo (de rhythm and blues a folk britânico, Janelle vai experimentando uma dezena de nichos e combinações improváveis) que ele às vezes soa como um “book fotográfico” muito pomposo, uma maratona sem fim. Nas primeiras audições, fiquei um pouco desconfiado: o excesso de referências não seria uma forma de desviar nossa atenção para o fato de que as canções não são exatamente extraordinárias?

Sim e não. Honestamente: faixas como Locked inside (num clima tropical, alegrinho) e Wondaland (mais doce que um pote de pasta de amendoim) soariam quase gratuitas num disco da Santigold ou até da Madonna. Mas a graça está na forma como Janelle vai organizando e desorganizando essas faixas, num fluxo louco de informações que acaba por nos desorientar.

É simplesmente incompreensível, por exemplo, a inclusão de uma faixa como Make the bus, que é uma música do Of Montreal, interpretada pelo Of Montreal e que poderia estar em qualquer disco do Of Montreal. Divertida, mas o que ela faz num álbum conceitual inspirado em ideias do afrofuturismo que narra a saga de um androide messiânico?

(O lançamento recente que mais se aproxima deste, em aflição e atitude, é Hidden, do These New Puritans. Acredite)

E o desfecho do disco, que vai se desintegrando nas sombras de um filme noir? Não combina coisa nenhuma com um batidão como Cold war (puro Gnarls Barkley) ou com o romantismo cool de Say you’ll go. São três, quatro, cinco álbuns sacados das paradas de sucessos e convertidos num único Frankenstein.

Entendo por que Janelle vive repetindo a palavra ‘schizo’. Esquizofrenia pop é o rótulo mais adequado.

Depois da quinta audição, e recomendo que você continue tentando!, o álbum me parece muito mais coeso do que eu imaginava. As peças se encaixam graciosamente e o que se destaca é uma voz curiosa, mutante. Um olhar. Se este disco deve ser encarado como um cartão de visitas, ele diz o seguinte: não vou chegar a lugar algum e esta é a graça.

Meu pai entenderia. Eu ainda estou me sentindo como um menininho de oito anos.

Primeiro disco de Janelle Monáe. 18 faixas, produzidas por Roman GianArthur, Chuck Lightning, Janelle Monáe, Nate “Rocket” Wonder e Kevin Barnes. Bad Boy Records. 8.5/10

Superoito express (18)

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Gorilla manor | Local Natives | 8

Quando ouvi este disco de estreia do Local Natives pela primeira vez, admito que não me animei muito: este quinteto de Los Angeles exibe as próprias referências musicais com o entusiasmo meio ingênuo de um adolescente que, na parede do quarto, pendura cartazes coloridos das bandas favoritas. Daí que não é preciso bater um papo com sujeitos para entender que eles amam os climas misteriosos dos discos do Radiohead, o (falso) descontrole do Pixies, o transpop do Talking Heads (via Vampire Weekend), a emotividade do Arcade Fire e os ventos interioranos de uma balada do Band of Horses. Tudo muito bonito e organizadinho. Mas não seria o caso de abandonar esta banda e ir direto às fontes?

A resposta é um grande não. O “problema” é que, pelo menos para a parte do público que acompanhou o rock dos anos 90 e 00, Gorilla manor despertará tamanha familiaridade que poderá provocar dois tipos extremos de reação: amor imediato ou desconfiança. Dê uma chance ao amor, ok? E note como é interessante a forma como eles conseguem interpretar as próprias referências com muita franqueza, como quem revira as gavetas, escreve uma carta de amor aos ídolos e pede passagem.

Dito isso, taí um début elegantemente ambicioso, com uma obra-prima irresistível (Airplanes, que é tão emocionante quanto Funeral, do Band of Horses), canções obsessivamente buriladas e, mais importante, o ânimo daquelas bandas que apostam tudo em planos incríveis, gigantescos, talvez ridículos. Nisso também lembra Arcade Fire (ou Guillemots, hein?). Fiquemos com a boa lembrança.

Black noise | Pantha du Prince | 7

Nunca entendi o que há de tão extraordinário ou particular na microeletrônica de Hendrick Weber — e olha que tentei os dois discos anteriores dele, que oscilam entre o sublime e o letárgico —, mas Black noise me obrigou finalmente a entrar na sintonia do alemão. Não é um álbum tão acessível quanto parece (a participação de Panda Bear em Stick to my side, a música mais pop que o Pantha du Prince já gravou, pode provocar interpretações equivocadas), mas faixas como Lay in a shimmer e Behind the stars mostram um estilo que se torna mais compacto, seguro e melodioso sem perder a carga de invenção que sempre esteve associado a ele. Para quem gostou do disco mais recente do Four Tet, é um desafio que vale todo o esforço.

Falling down a mountain | Tindersticks | 6.5

Este álbum do Tindersticks, um dos mais sortidos da banda, me decepcionou um pouco — talvez por ter me lembrado de como o Lambchop se apropria de referências mais ou menos parecidas (country, folk, soul music, lounge, easy listening) e, com elas, faz discos infinitamente mais enigmáticos do que este. Falling down a mountain soa como uma tarde de férias na companhia de Stuart Staples, confortável e até despretensioso, com um ar de trilha sonora (reflexo da experiência de Staples no ramo) e até momentos de pausa na habitual melancolia (Harmony around my table é o susto da vez). Não dá pra recusar um disco desses, mas não me peçam para cair de amores por ele.

Turn ons | The Hotrats | 6

Pelo menos por aqui, eram grandes as expectativas para este projeto de Gaz Coombes e Danny Goffey (ambos do Supergrass) que, com produção de Nigel Godrich (Ok computer, Sea change), se dispõe a reinventar maravilhas como I can’t stand it (Lou Reed), Big sky (The Kinks) e E.M.I. (Sex Pistols). Mas acaba que Turn ons soa como muitos álbuns do gênero: as versões não trazem nenhum insight muito particular e fica a impressão de que as homenagens renderiam mais em palco (e aí todos cantaríamos juntos e haveria drinks de graça e choraríamos de emoção e seria o melhor dia das nossas vidas) do que em disco. A boa sacada: Bike, do Pink Floyd, com neon e glitter.