Eric Rohmer

Superoito rápido e rasteiro (2)

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Like you know it all | Hong Sang-soo | 4/5

Este é o segundo filme de Hong Sang-soo que vejo (o outro foi A mulher é o futuro do homem, de 2004). Daí que não posso encontrar as semelhanças entre este Like you know it all e o passado do diretor (são muitas, dizem). E não sei se me incomodaria com elas. O longa retrata situações muito corriqueiras — em resumo: um jovem diretor de cinema frequenta festivais e conhece pessoas  -, mas taí um diretor capaz de olhar para o cotidiano com curiosidade, espanto e a franqueza de um diário. Acredite: neste filme a rotina às vezes parece tomada pelo clima siderado de uma ficção científica.

A divisão da trama em duas partes complementares acentua a impressão de que existe um subtexto misterioso que observa/provoca os personagens. Nada que se aproxime de um tipo banal de misticismo (vide Um olhar no paraíso) ou de filosofices supostamente líricas sobre destino e acaso (vide O segredo dos seus olhos). O diretor é sutil demais para cair nessas armadilhas, e parece entender muito bem os limites e as particularidades do próprio estilo. Estou quase convencido de que seja o único cineasta em atividade que faça justiça às comparações com Eric Rohmer. Próxima parada: Mulher na praia, de 2006.

Lake Tahoe | Fernando Eimbcke | 3.5/5

Por coincidência, logo depois de Like you know it all assisti a outro filme que enxerga as coisas corriqueiras da vida por uma lente torta. Mas, enquanto Sang-soo cria uma atmosfera de leveza à livro de rascunhos (ou de crônicas), o mexicano Fernando Eimbcke desorienta o espectador com uma meta muito precisa: ilustrar a confusão sentimental de um menino metido num drama familiar. O diretor vai tirando lentamente o véu da narrativa (que começa com imagens de uma cidade quase fantasmagórica, filmada em longos planos) até revelar a solução do “mistério” num tom mais carinhoso e pessoal do que poderíamos ter previsto. Muito bonito, ainda que um tanto calculado.

O segredo dos seus olhos | Juan José Campanella | 2/5

O típico candidato que o Brasil inscreveria para concorrer ao Oscar: um drama esguio e posudo (com o “requinte” de uma produção do James Ivory) que me deixou com a maior vontade de assistir a um filme com alguma fluência. Apesar do gosto por melodramas, o forte do diretor de O filho da noiva não é a sutileza (e, nesse ramo, não se aprende muito depois de 16 episódios de Law & Order). É assim, meio no tranco, que ele dá baixa num roteiro complicado (rocambolesco seria um bom adjetivo), que alterna duas tramas em diferentes períodos de tempo, esboça uma reflexão sobre o processo criativo e tenta mesclar uma investigação policial a uma história de amor e obsessão. Existe vida nas cenas finais, mas o filme mal dá conta de carregar o próprio peso.

Percy Jackson e o ladrão de raios | Chris Columbus | 2/5

Quem precisa de um novo Harry Potter? Eu é que não. Este Percy Jackson é um brinquedinho tão oportunista que poderia ter sido engraçado — na trama, que parece uma paródia do último livro da saga de J.K. Rowling, três amigos têm que encontrar pedras misteriosas para salvar o mundo —, mas o mix de mitologia grega, RPG, cosplay, X-Men, Lady Gaga e AC/DC me deixou com saudades de A bússola de ouro. Sério: desta vez, nem os jovens nerds vão (se) aguentar.

Um sonho possível | John Lee Hancock | 2/5

Se Preciosa é o “feel bad movie” da temporada, Um sonho possível usa mais ou menos o mesmo material sensacionalista (o drama de um adolescente negro, obeso, marginalizado, quase catatônico, que encontra um fio de esperança sabe-se lá como) para criar um “feel good movie” para torcidas de futebol americano. Quando Sandra Bullock (interpretando Julia Roberts) vencer o Oscar pelo papel da “mulher branca e bondosa”, você vai testemunhar a maior sandice da Academia desde a vitória de Gwyneth Paltrow por Shakespeare apaixonado. Vai ser triste. Mas já é inevitável.

Um olhar do paraíso | Peter Jackson | 1.5/5

Acusem-no de qualquer coisa (e assinarei embaixo), mas não venham me dizer que Peter Jackson é um sujeito de poucas ambições. O homem é destemido. Depois de se apropriar de Tolkien e King Kong, ele resolveu cruzar a última fronteira e, deus!, filmar o infilmável: o paraíso, o “outro lado”, o indizível, a vida eterna e tudo o mais. Um olhar do paraíso é um objetivo gigantesco disfarçado de “filme pequeno”, daí minha decepção ao notar o quão verdadeiramente pequeno este filme é. O diretor aposta tudo (e ele sempre aposta tudo) num projeto que dificilmente daria certo: encontrar certa harmonia (ou pelo menos um desequilíbrio interessante) entre um thriller PG-13 e uma meditação new age sobre a morte. Acontece que o suspense simplesmente não está lá — e não consigo ver muita diferença entre os delírios de Jackson e aqueles quadros kitsch vendidos em feiras hippie (ou entre este filme e o mortífero Amor além da vida). A menina morta vive nos anos 1970, mas essa não me parece uma justificativa convincente para a overdose de CGI flower power.

Minha noite sem Rohmer

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Morreu o meu cineasta preferido. Eric Rohmer. 1920-2010.

Ele estava velhinho, 89 anos. Veio a notícia. Até fiz de conta que era engano. Daí soube que perguntaram: “Eric quem? Eric Romero?” E fiquei ali sem saber se o problema era comigo, que tratava aquele francês como uma espécie de pai, ou com os outros.

Não: pai seria um exagero (tenho dois e eles me bastam). Melhor seria dizer tutor, professor. Mestre. Rohmer não foi o único culpado por minha devoção ao cinema, mas ele me ensinou uma das lições principais. Que os filmes estão cheios de vida.

Os filmes de Rohmer me inspiraram a escrever sobre cinema, a entender algumas das minhas incertezas, a refletir sobre desejo e paixão, a experimentar uma juventude que não era a minha, a descobrir que eu não nunca soube exatamente o que fazer com as minhas férias, a tirar alguns dias na praia, a me apaixonar pelas ideias de garotas incrivelmente inteligentes, a travar longos diálogos com pessoas de ficção que soavam indecisas, frágeis, hesitantes, tolas e verborrágicas (às vezes insuportáveis) como eu.

É dificílimo, por isso, escolher um título que resuma a aventura. O próprio Rohmer admitiu que não estava preocupado com os filmes em si, mas com um conjunto de obra que se assemelhasse e um grande livro de contos. Ainda assim, sugiro um itinerário particular, que começa em Conto de verão (obra-prima sobre ter 20 e poucos anos) e segue com Minha noite com ela, O joelho de Claire, O amor à tarde, toda a série Comédias e provérbios numa maratona obsessiva, A inglesa e o duque (e os falsos dramas de época), A colecionadora e todos os outros, repetidas vezes.

Você, neófito, vai ser iluminado pela revelação de que Rohmer fez um só filme. E que essa história não termina, não vai terminar nunca.

As 4 aventuras de Reinette e Mirabelle ***

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“Se eu falar demais, você vai embora”, logo comenta Reinette – a menina do campo – à parisiense Mirabelle.

E essa é só uma amostra de como, nos anos 80, o cinema de Eric Rohmer era capaz de abraçar todo tipo de observação – das banalidades do cotidiano a questionamentos filosóficos, e aí inclua também um tipo leve de auto-ironia. Até o título do filme parece uma anedota: as quatro aventuras dessas duas amigas são momentos em que quase nada acontece. Notar o minuto de completo silêncio no amanhecer (a chamada “hora azul”), discutir sobre ética, brincar sobre a questão do valor que se dá à arte. Elas falam demais, como de hábito, mas nem por isso iremos embora.

Há temas recorrentes nos quatro “episódios” (“é preciso silêncio diante de uma obra de arte”, eis um deles), mas Rohmer mais uma vez não quer forçar nada: cada desafio colocado para as duas personagens tende a afinar uma amizade que, com o passar do tempo, ficará mais forte, mais complexa. É um filme sobre a construção de uma relação, e isso é muito. Mas tenho certeza de que ele será encarado por muitos como uma comédia ingênua empolada de girl talk. Ok, então vale pelo menos uma sessão dupla com À prova de morte, do Tarantino.