Ensino

Trecho | Sobre a crítica

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“Não temos o hábito de debater na escola, educadamente, como parte do processo mesmo de aprendizagem. Diferentemente do que ocorre em outras culturas, não faz parte da nossa experiência educacional argumentar, defender um ponto de vista, fundamentar uma opinião, procurar exemplos que a ilustrem, desenvolver um raciocínio para convencer o outro. Não aprendemos a, em seguida, parar para ouvir, ponderar, pesar os argumentos alheios, avaliá-los, ver em que medida eles devem ser refutados ou podem ser aceitos. Não nos ensinaram a construir sínteses nem consensos. Qualquer discussão entre nós descamba logo para o pessoal, o agressivo, o hostil. Vence quem ganha no grito.

A crítica é parte integrante do universo artístico quando ela própria, de alguma forma, participa da criação – e por isso é necessária. Um texto criador não se esgota numa leitura de dicionário ou filológica, que decifre o sentido literal do que nele está escrito. A crítica digna desse nome, criadora, usa a linguagem de tal maneira que explora a obra, aberta e cheia de sentidos, naquilo que a criação tem de profético, de certo modo. Ajuda a compor essa criação, a lhe dar sombra e volume, sem medo de submergir na coexistência de sentidos que caracteriza a linguagem artística, uma linguagem simbólica e trabalhada.

Dessa forma, a criação só tem a ganhar com o exercício de uma crítica desse tipo. Uma crítica nascida de uma espécie de provocação feita pelo texto comentado, um estímulo sedutor que desperta no crítico o desejo de escrever, ele também. Uma crítica que, por participar da criação, tem muito mais a ver com o prazer de pensar e de escrever do que com o poder de condenar ou exaltar que caracterizam um juízo final.”

Ana Maria Machado, em Silenciosa algazarra.