Embryonic

The sparrow looks up at the machine | Flaming Lips

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Reparem o aviso, logo no início do clipe: “Atenção: o vídeo a seguir contém imagens inadequadas para crianças e adultos sensíveis”. Leram? Então cuidado. Esta louca sessão de tortura dirigida por Wayne Coyne e George Salisbury me lembrou os delírios do cineasta chileno Alejandro Jodorowski. Mas poderiam ser imagens captadas de sonhos dos personagens de 2666, o maravilhoso, arrepiante livro de Roberto Bolaño que estou lendo neste momento. Eis o Flaming Lips fase-Embryonic: se é para ser extremo, que seja até o fim.

Cosmogramma | Flying Lotus

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Querem ouvir uma fábula indie? Então lá vai.

Era uma vez o fim do mundo. Ok? O planeta acabou. Choveu demais, o asfalto tremeu, os vulcões ficaram estressadinhos, o sol cuspiu uma gosma fatal e só sobrou na Terra uma massa de asfalto, lixo, pen drives, cacos de vidro e cosméticos caríssimos. É triste, mas foi o que aconteceu.

Sim, claro, havia os sobreviventes.

Eles se recolheram em cavernas profundas, onde se instalavam numa tristeza sem fim. Estavam condenados a viver por pouco tempo, até que o oxigênio acabasse. E isso daria uns três meses, no máximo. Entre esses esquecidos, existia um sujeito ansioso, que não suportaria passar tanto tempo sentado numa pedra enlameada trocando ideias com gente desconhecida e transtornada. O que ele fez? Abriu o laptop, catou os pen drives quebrados e começou a costurar os arquivos fraturados de MP3. Enquanto a bateria do computador durou, criou as combinações mais sideradas. E matou o tempo antes que, finalmente, caísse morto.

O disco produzido por essa pobre alma foi algo muito, muito parecido com o que se ouve em Cosmogramma, o novo do Flying Lotus.

Steven Ellison, 26 anos, é o maluco da caverna. Prodígio em idéias inusitadas, estaria apto a liderar uma nova onda da eletrônica. Mas isso não vai acontecer. E não vai porque ele parece preocupado demais em satisfazer os próprios caprichos. Faz música quase que para consumo próprio, e aposto que se diverte mais com o processo criativo (a costura de referências, sons dissonantes, cacos sonoros) do que com o resultado dessas pirações.

Ele define Cosmogramma como o disco que, desde pequeno, sempre tentou compor. Com cheiro de infância. Não se espante, no entanto, se esse “álbum de lembranças” soar como o apocalipse. Não é tão aprazível quanto parece. Vocês vão ler elogios, por exemplo, sobre como FlyLo (não é uma graça?) cria um mix fascinante de John Coltrane, arte abstrata, fliperama, Aphex Twin e Radiohead. Mas poucos vão admitir que o primeiro contato com este disco é um pesadelo. Acreditem em mim: para quem não vive sem lufadas de melodia, será a experiência mais asfixiante desde Embryonic, do Flaming Lips.

Dito isso, existe uma compensação pelo esforço: com o tempo, Cosmogramma mostra a capacidade de se meter nos nossos poros. É um disco que não faz a menor questão de ser amado instantaneamente. Mas que merece ser amado, já que Ellison é um dos poucos artistas da cena independente que se interessam por procurar uma sonoridade tão fragmentada e mutante quanto é a nossa vida em 2010 (isto é: no fim do mundo). Ele procura. Está ainda procurando.

Desde Kid A, Thom Yorke tenta compor trilhas sonoras para essa paisagem angustiante e, não à toa, o homem faz uma participação neste álbum (o vocalista do Radiohead está em And the world laughs with you, esquisita demais para a soundtrack de Lua nova). Mas essa voz conhecida é só mais um elemento pop que Ellison combina com sons do ambiente, ruídos bizarros, linhas jazzísticas de baixo e filetes de orquestra. Algumas das ideias são tão originais que provocam sorrisos (em Table tennis, ele cria uma base percussiva com o som do atrito provocado por uma bolinha de ping-pong), outras são até suaves (Zodiac shit), outras nos atacam com um rolo compressor de bits bichados (como o comecinho da faixa de abertura, Clock catcher).

Essa “ópera espacial” (assim o disco é definido pela gravadora, Warp Records) pode ser tratada como o equivalente sonoro para um filme como Ruhr, do James Benning: as paisagens não são tão diferentes daquelas que encontramos no nosso cotidiano, mas o que nos deslumbra é a forma particular como elas são observadas. Um outro viés. E, como acontece com muitos filmes experimentais, este disco também será desprezado por uma parte do público que não quer (ou não consegue, e entendo esses) enfrentar as turbulências da espaçonave de Ellison.

Mas faça o teste: quanto mais nos afastamos dos cenários que nos são familiares, o voo de FlyLo vai ficando mais exótico e bonito. E atenção: lá de longe, dá até para ouvir o som do mundo explodindo.

Terceiro disco do Flying Lotus. 17 faixas, com produção de Steven Ellison. Lançamento Warp Records. 8/10

Embryonic | The Flaming Lips

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flamingEmbryonic é o tipo de disco que eu gostaria de ouvir de uma banda como o Flaming Lips. Corajoso, inclassificável, taí um objeto exótico que nos obriga a olhar torto para ídolos que julgávamos conhecer bem. Fico muito tentado a soltar uma daquelas horrorosas comparações, apressadas. Mas não vou me censurar: é, pelo menos em matéria de efeito-surpresa e estranheza inicial, o Kid A deles.

Ainda assim, e apesar de esperar de Wayne Coyne exatamente esse tipo de provocação, há algo no álbum que parece girar em falso. É um épico torto, talvez sufocado pela própria ambição (mas vocês sabem que dou valor a esse tipo de esforço).

De uma forma ainda mais radical que o Radiohead (e o My Morning Jacket, fase Z), o Flaming Lips quer que viremos a página. A fase da psicodelia multicolorida e saborosa — que brilhou com força em The soft bulletin, de 1999, e apagou-se no repetitivo At war with the mystics, de 2006 — chegou ao fim. Já no título (mais apropriado a um álbum da Björk), Embryonic promete um renascimento.

Promete e cumpre. O disco quase não deixa que sintamos o conforto de uma banda madura, com mais de 30 anos de vida. É como o début de alguns moleques que passaram muitas madrugadas ouvindo o art rock do Liars e as experiências lisérgicas do Deerhunter nos headphones.

Além de contar como o disco mais experimental e alienígena da banda desde Zaireeka (que, ainda que dividido em quatro CDs que deviam ser ouvidos simultaneamente, soava mais melodioso que isto aqui), Embryonic explora algumas referências do rock de vanguarda de uma forma cerebral, às vezes até distanciada, sem muito calor ou emoção. É quase sisudo. Uma pedra lascada.

Em entrevistas, Coyne citou o Álbum branco, dos Beatles, e Physical graffiti, do Led Zeppelin, como influências decisivas para que a banda escolhesse o formato de um CD duplo (e poucos formatos parecem tão fora de moda). Ele explicou a opção como uma forma de abrigar o desejo por um álbum “desfocado”, que atirasse em várias direções. Depois de ouvir o disco quatro ou cinco vezes, ainda não consigo notar essa diversidade toda. Os 73 minutos de duração permitem que a banda alongue as canções e se esparrame em jams etéreas, que citam Miles Davis, Frank Zappa, John Lennon e Thom Yorke.

Mais que ambicioso, é um disco pesado — ele obriga que sintamos os quilos de “importância” de cada uma das experiências da banda (e algumas, inacabadas, acabam soando como versões entorpecidas de lados B de Soft bulletin). Talvez por isso, pelo menos para mim, seja difícil retornar ao disco por puro prazer — sempre fico com a impressão de que a banda quer me provar algo. Desesperadamente.

É que, na missão de anular as próprias marcas registradas e começar de novo, o Flaming Lips subestima a forte base melódica que sempre esteve presente nos discos deles — desde o ruidoso início de carreira — e prefere apostar em atmosferas rarefeitas que nos levam imediatamente às paisagens de Kid A, só que substituindo a fúria sombria de Yorke por um tipo de melancolia mais introspectiva, aí sim desfocada (mas fico me perguntando: quase 10 anos depois, não seria o momento de virarmos também essa página?).

Dito isso, devo reforçar que Embryonic é sim um disco muito interessante, que mostra nossos heróis entregues à aventura, soltos no mundo, eternamente jovens. É pegar ou largar. As linhas de baixo são viagens à parte. Há faixas excelentes, como Convinced of the hex, a tensa See the leaves (algo como 15 step, do Radiohead), Sagittarius silver announcement (R.E.M. no moedor de carne) e a linda Powerless, que vai se arrastando delicadamente até nos atacar de surpresa. As participações de Karen O e do MGMT se camuflam no papel de parede. Não interessam.

O que está em jogo neste disco grande é o futuro de uma banda de rock. E o Flaming Lips não se rende: mergulha de barriga, vai ao tiroteio sem colete. Não se deixa domesticar. Ouço música por causa de bandas como essa. Eu quero tudo isso. Mas, até que eu me acostume com ele, posso encarar este disco apenas como um embrião?

Décimo segundo álbum do Flaming Lips. 18 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Warner Music. 7/10