Eddie Vedder
Astro coast | Surfer Blood
Em fotos como esta e esta, o Surfer Blood deixa a impressão de ser uma banda formada por rapazes de 20 e poucos anos que resolveram defender o revival das jaquetas e blusas quadriculadas (de flanela?).
Não sei se a moda vai pegar. Mas ok, talvez a tendência venha para o bem. Tenho uma assim mofando no meu armário. No mais, antes isso do que ombreiras e gloss.
O curioso é que eu, que mergulhei numa promoção da C&A em 1992 e saí de lá igualzinho ao Eddie Vedder, não sinto saudades dos anos 1990. Por que o Surfer Blood parece sentir? Talvez seja uma espécie de síndrome, isso — a fascinação que algumas pessoas sentem por períodos que não viveram intensamente. “Eu trocaria minha vida medíocre pela experiência de dançar pelado na fazenda de Max Yasgur!” Esse tipo de sentimento.
Os jovens adultos do Surfer Blood habitam o mesmo rasgo temporal onde vivem o No Age (obcecado pelo noise rock de 1989, 1990) e o Japandroids (ah, se a vida fosse um disco antigo do Dinosaur Jr!). Também recriam uma década com o olhar distanciado de quem não participou da festa, mas com a afetuosidade de quem gostaria verdadeiramente de ter participado.
No disco, os anos 1990 são sintonizados numa espécie de halo, uma névoa. Reaparece nas guitarras cheias de ecos e camadas, num guitar rock lo-fi (que lembra o clima dos primeiros discos do Pavement), em riffs pegajosos (com um quê de Pixies, Nirvana) e uma atitude despreocupada, informal, que parece ter sido decalcada de um álbum do Superchunk. O disco foi quase todo gravado num apartamento universitário — e, mais importante do que isso, soa como se tivesse sido.
É bem verdade, no entanto, que os anos 00 passam por uma fresta. O calor da Flórida parece ter derretido o ranço de uma banda que, doce, também pega emprestadas as miniaturas sessentistas do Shins, do Band of Horses — e sabores tropicais à Vampire Weekend (em Take it easy, principalmente). Aposto que hoje, neste exato momento, alguém na Sub Pop está se chicoteando insistentemente por não ter percebido a existência deste grupo.
Daí vocês têm toda razão em notar que não há nada novo ou particular no Surfer Blood. É verdade. Talvez o estilo ainda esteja em fase embrionária, não sei, mas o que alegra na banda é o entusiasmo como essas referências são digeridas, adaptadas, transformadas em canções impecáveis. Neste início de ano, ouvi poucos discos que soam tão coesos e poderosos, como uma onda que nunca quebra na areia. As grandes estreias costumam deixar essa impressão: a de um repertório selecionado após anos e anos de depuração. Não há uma única faixa que eu deixaria de molho (e juro que, quando colocar um ponto final neste post, vou voltar a ouvi-lo porque já estou com saudades).
A encenação retrô (se é que podemos chamar os anos 90 dessa forma) pode parecer superficial, mas o Surfer Blood tem canções que poderiam sobreviver em qualquer outro modelito. Que culpa temos nós se eles estão enfeitiçados pelos discos do Built to Spill e por episódios de Twin Peaks? Talvez seja uma fase estranha. Acontece. Mas desconfio que, quando eles começarem a curtir Animal Collective e trocar as camisas quadriculadas por acessórios floridos, vão fazer um disco de rock psicodélico tão saboroso quanto este aqui.
Mesmo que em 2020, vá saber.
Primeiro disco do Surfer Blood. 10 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Kanine Records. 8/10