Drive-By Truckers
Mixtape! | O melhor de dezembro
A mixtape de dezembro não é a mais coesa. Não é a mais tocante. Não é aquela que você vai levar para uma ilha deserta. Não é aquela que vai te levar ao espaço sideral. Não soa como um álbum (com todas as faixas amarradinhas umas nas outras). Mas tem um conceito muito forte e absolutamente original, que é: don’t worry, be happy.
Tá, é mentira.
Ou quase mentira. Meia verdade. Vocês sabem! Não consigo ficar contente 24 horas por dia! Não sou assim. Sou um sujeito mais blue do que o céu de Brasília em dia claro de verão, daí que este disquinho vai se tornando nublado até encerrar com uma canção que provavelmente vai fazer você chorar. Acontece.
A boa nova (e o que diferencia esta seleção daquela que você ouviu em novembro) é que toda a primeira metade da mixtape é bem risonha, quase abobalhada, com musiquinhas que me fazem sorrir. A abertura, com o Fujiya e Miyagi, é um achado. O Twin Shadow fala de um fantasminha que o persegue, mas é uma faixa pra dançar até o chão.
E tem até Kings of Leon. E aí vocês me perguntarão: mas Tiago, por que incluir uma música de uma banda de que você nem gosta? E eu explico de antemão: é que a faixa, além de simpática, resume todo o espírito da mixtape, que começa muito urbana e termina pra lá da roça (prestem atenção à letra da música, sobre um sujeito que quer levar uma mina de New York para o Tennessee). Mas tudo bem se você decidir deletá-la e seguir em frente.
Então sim, é a mixtape mais pop do ano. Muito agradável de ouvir. Muito oferecida. Muito dada. Você vai gravar e levar para curtir as férias sob o sol escaldante. E depois, em meados de janeiro, vai me agradecer. Anote aí.
Como não poderia faltar, tem Everybody needs love, do Drive-by Truckers. Que é autoexplicativa. E Fuck you, do Cee-lo Green. Que também é autoexplicativa, mas nada tem a ver com vocês, ó leitores tão simpáticos e educados.
O moço aí da foto é o Dan Bejar, que gravou meu disco preferido de dezembro (mas que só sai em 2011): Kaputt, do Destroyer.
O que mais posso dizer sobre esta coletânea? Talvez ela sirva de espelho para os meus dias (todas as outras serviram, por que não esta?). Talvez ela mostre que estou superando dramas e seguindo em frente. Talvez tenha algo a ver com o espírito natalino ou com o fato de que 2010 está finalmente evaporando (foi o pior ano da minha vida). Talvez seja apenas um disquinho com 10 músicas muito aconchegantes.
Enquanto vocês ouvem, tento me tornar um sujeito mais simples.
Antes do ano-novo, ainda devo aparecer aqui no blog com uma lista dos 10 discos brasileiros favoritos de 2010. Sejam pacientes, ok?
Vamos lá que só falta esta: faça o download da mixtape de dezembro aqui (a lista de músicas está logo ali na caixa de comentários).
E, se possível, depois de ouvir o CDzinho, invista cinco minutos do seu tempo para avaliar nossos serviços com um comentário gentil. Obrigado.
Go-go boots | Drive-by Truckers
O que faz um bom disco? De vez em quando me flagro inventando dogmas, equações mágicas que me ajudem a responder a pergunta. O que faz um bom disco?
Na minha lista de melhores do ano, percebo que sigo um padrão: prefiro os inventivos aos cuidadosos, os arriscados aos confortáveis, os confessionais aos impessoais, os surpreendentes aos previsíveis, os complicados aos rasteiros, os ambiciosos aos passatempos.
E assim vou levando este blog, apegado à certeza de que existe coerência nas minhas ideias.
Isso até o dia em que, é claro, chega um disco do Drive-by Truckers para bagunçar o Grande Esquema das Coisas.
E taí uma banda de rock que me mostra, de dois em dois anos, que devo ser um sujeito um pouco mais flexível. Que arte não é matemática. E que, antes de enfrentar e catalogar os discos, eu deveria tirar um tempo para experimentá-los.
Dito isso, devo alertá-los que Go-Go boots, o novo disco do Drive-by Truckers, é uma continuação de The big to-do, que eles lançaram no início de 2010. E reprisa um formato que, para a banda, se transformou num porto seguro. A moldura é a mesma. A aquarela também. Há alguma diferença, mas num detalhe ou em outro. Pensem num filme de Woody Allen e não em Stanley Kubrick.
Qualquer álbum do grupo reprova quando submetido ao meu questionário de exigências. Go-go boots não é inventivo, arriscado, confessional, surpreendente, complicado nem muito ambicioso. É, ao contrário disso tudo, um novo capítulo do western moderno que é a discografia dos Truckers.
Antiquado, vocês diriam. Talvez sim. As referências musicais da banda estão, em grande parte, no country rock dos anos 60/70. Eles defendem o vinil e os métodos analógicos de gravação. Têm fé na canção — com verso, refrão e uma longa trama a ser narrada. E amam o Álbum, esse bicho ameaçado de extinção.
Para quem os conhece, o efeito desse método que nunca se altera é a sensação de conforto e familiaridade. Logo na primeira audição, Go-go boots me fisgou sem que eu soubesse por que. Deve ser sido a voz de Mike Cooley, nosso caubói levantando areia no deserto. Ou os versos gentis de Petterson Hood, que não se deixam abrutalhar nem pelas tragédias mais terríveis.
O disco novo segue o projeto do anterior: conta, na maior parte das faixas, histórias de crime e castigo. Mas o conceito não é seguido rigorosamente. Uma das músicas que se destacam — talvez por parecer mais otimista do que todas as outras que eles já gravaram — se chama Everybody needs love. E não soa como uma ironia.
O que se nota no disco é um Patterson Hood trabalhando pesado, criando climas sinistros e narrativas espinhosas (Used to be a cop, sobre um homem que perde tudo, é um roteiro de curta-metragem; Assholes é o lamento cheio de alma que Ryan Adams queria ter escrito) enquanto Cooley e Shonna Tucker preferem apertar o botão do fucking around.
O bom é que, mesmo irresponsável (no bom sentido), Cooley acaba escrevendo algumas das faixas mais fortes do disco — e todas mais para o country do que para o country rock. Pulaski, por exemplo, é um belo conto sobre uma menina interiorana que se frustra e se perde na Califórnia.
Been there, done that.
Esses e outros clichês, lembrem-se, foram quase todos criados pelo próprio Drive-by Tuckers, em discos como Decoration day (2003) e a obra-prima Brighter than creation’s dark (2008), que Hood dedica a John Ford. A banda entende que alguns filmes devem parecer mais monumentais que outros.
Não gosto do termo, mas Go-go boots é o que chamam de “obra menor” (ainda que, com 14 faixas, tenha a dimensão de um longa-metragem). Quase nenhuma faixa se destaca no cenário e as referências de rhythm and blues acabam por se diluir quase que completamente, ainda que o conjunto da obra me pareça de uma dignidade acima de qualquer discussão.
O que acontece? Acredito que, no caso do Drive-by Truckers, o que me atrai é a convicção como a banda defende um ponto de vista. Se esse olhar não muda, por que os discos deveriam soar surpreendentes?
Quando ouço um disco do Drive-by Truckers, deixo meus dogmas de molho. Eles soam como álbuns envelhecidos, irrelevantes no meu Grande Esquema das Coisas, encalhados em lojas de discos decadentes frequentadas por fãs de Grateful Dead e Neil Young. E que, quando na vitrola, produzem ruído macio, acolchoado. Veludo puído. Película riscada. De alguma forma, matam a nossa saudade.
Bons discos também são feitos disso.
Nono disco do Drive-by Truckers.14 faixas, com produção de David Barbe. Lançamento ATO Records. 7/10
Mixtape! | O melhor de março
Como diria B.B. King, a mixtape de março é for the ladies. Uma jukebox muito fina, ocasionalmente delicada (e fofa, em alguns trechos). Sei que esta afirmação pode parecer muito arrogante, mas não sou de guardar segredos: é a melhor coletânea amadora de todos os tempos.
Vocês não acreditam em mim, não é? Então aguardem.
O meu disco favorito de março é, aliás, de uma dama muito fina e valentona: o triplo (triplo? Triplo!) Have one on me, de Joanna Newsom. Mas, como a moça já apareceu na coletânea do mês passado, ela cede lugar ao sujeito estranho da foto acima: Dan Snaith, Mr. Caribou, é o autor do segundo grande disco de março: o flutuante Swim, que (lá vai outro segredo!) já entrou na minha lista dos 10 de 2010. Não sou o único fã: os bróderes doFranz Ferdinand rodou quatro faixas do disco antes do show que fizeram aqui em Brasília. E neles vocês confiam, não é? Pois é.
Mas vamos logo à melhor mixtape amadora de todos os tempos, ok? Reconheço que essas águas de março são até calorosas. Eu estava ouvindo as coletâneas dos meses anteriores e notei que são todas um tanto deprês, coisinhas tristes (mas muito bonitas, é claro). Resolvi juntar algumas músicas que não estragassem o nosso dia – e que, nos momentos mais elétricos, servissem para adeptos de bicicletas ergométricas e outros aparelhos de ginástica.
Foi com esse espírito saúde-é-o-que-interessa que comecei a definir as faixas. Mas aí percebi que, nas minhas mixtapes, tristeza é acorde maior. Essa minha tão típica indecisão resultou num CD em três movimentos: ele começa bem sacolejante, se embrenha numas guitarradas ruidosas e termina feito sussurro. Importante: soa escancaradamente agradável do início ao fim. Tem o lamento (muito tocante) de Rufus Wainwright, os adoráveis bebuns do LCD Soundsystem e do Drive-By Truckers, além de MGMT, Gorillaz, Lightspeed Champion, jj (com uma homenagem arrepiante ao Lil Wayne e ao The Game), She & Him…
Para manter uma certa discrição, a lista de músicas está ali na caixa de comentários (espero que os arquivos durem um pouco mais do que os anteriores). Sugiro que vocês ouçam o CD na ordem que eu defini. Garanto que desse jeito (e apenas desse jeito) ele fazer sentido.
Faça o download da mixtape de março aqui (ou, se preferir, aqui).