Drake

top 10 | Os discos de 2011

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Está feito, meus chapas: depois de um processo aflitivo de seleção (mentira, foi facinho), começa aqui a minha retrospectiva de 2011. Papai Noel trouxe listas pra vocês. Listas. Como viveríamos sem elas?

Este ano, tentei resumir um pouco os meus rankings, sempre tão afobados e hiperbólicos. Em vez dos tradicionais top 20, desta vez teremos dois top 10 (um para os discos, o outro para os filmes), com menções honrosas. Será simples. Também prometo: textos mais curtos e menos dramalhão.

O que vocês não vão encontrar: discos brasileiros (poucos me empolgaram, e acho forçado escolher 10) e lamentações sobre a saúde da música pop (ao contrário do que dizem por aí, 2011 foi um ano que soou até muito atlético nos meus fones de ouvido).

No mais, nada do que aparecerá nos próximos parágrafos será grande novidade para os cinco leitores que acompanham este blog. Quem me conhece sabe que não sou o maior fã das surpresas de última hora.

O post é dividido em três partes. Começando com…

Não, obrigado (10 discos muito amados; não por mim)

Angles – The Strokes [hors concours: pior do ano]
Circuital – My Morning Jacket
El Camino – The Black Keys
The English Riviera – Metronomy
Father, Son, Holy Ghost – Girls
Hurry Up, We’re Dreaming – M83
Noel Gallagher’s High Flying Birds – Noel Gallagher
Suck It and See – Arctic Monkeys
21 – Adele
Wasting Light – Foo Fighters

10 outros discos (menções honrosas; em ordem alfabética)

Channel pressure – Ford and Lopatin
Goblin – Tyler, The Creator
Let England Shake – PJ Harvey
Megafaun – Megafaun
On a Mission – Katy B
Parallax – Atlas Sound
Replica – Oneohtrix Point Never
Sound Kapital – Handsome Furs
Tomboy – Panda Bear
Yuck – Yuck

Os melhores do ano

10 It’s All True – Junior Boys

Um disco sedutor, mas nunca de um jeito convencional. Talvez não seja fácil amar esta soul music acinzentada, quase tímida, sem melanina. Mas quando os galanteios de Greenspan e Didemus começam a fazer efeito, o que ouço é o som de uma banda criando os próprios rituais de conquista. E isso é raro.

9 Wounded Rhymes – Lykke Li

Numa temporada muito concorrida para as cantoras de temperamento forte (e vá lá: que é Zola Jesus?), quem me tirou do sério foi esta sueca de 25 anos, que escolheu o deserto de L.A. para encenar um rito de passagem musical. A beleza, não sem dor (transições têm disso), sobrevive à tempestade de areia.

8 Kaputt – Destroyer

Dan Bejar escreveu músicas melhores, em discos como Rubies e Streethawk. Nenhum outro, no entanto, resultou completo como Kaputt. E aqui estamos falando de uma obra: um álbum que cria uma atmosfera chuvosa, capaz de unir e engrandecer as canções. Um espaço à parte; um lugar pra Dan morar.

7 An Empty Bliss Beyond This World – The Caretaker

Poucas ideias me parecem tão poéticas quanto a deste disco de James Kirby: representar, com música, o esforço que fazemos para lembrar sensações que experimentamos no passado. As colagens do compositor nos levam a estações sublimes & medonhas da mente humana: uma viagem insólita, difícil, e única.

6 Bon Iver – Bon Iver

No anterior, For Emma, Forever Ago, Justin Vernon criou a imagem de um herói romântico, recluso, que escrevia canções tristes numa floresta. Em Bon Iver, ele cria um novo capítulo para essa fábula indie: o outsider sai lentamente de casa. E as paisagens que ele encontra, pra nossa sorte, são deslumbrantes.

5 Take Care – Drake

Talvez sem essa intenção, Drake gravou o disco pop mais desencantado (e importante) do ano: no script, o incrível caso do jovem entertainer que, nem bem começou a jogar o jogo do showbusiness, já não se impressiona com nada. “No fim, somos apenas eu, eu mesmo e meus milhões”, ele confessa. No fun.

4 We’re New Here – Gil Scott-Heron e Jamie xx

Apesar de ter sido levada muito a sério (a faixa-título do álbum do Drake, por exemplo, foi “roubada” daqui), esta coletânea de remixes flui com a alegria que é típica de uma mixtape de fã. Enquanto o velho Scott-Heron (morto em maio) comenta o mundo, o jovem Jamie se diverte. E é quase só isso.

3 Helplessness Blues – Fleet Foxes

Esperávamos dos Foxes um segundo disco impávido. Mas Helplessness Blues é apenas o álbum que Robin Pecknold, 25 anos, conseguiu gravar: sincero tanto na carpintaria sonora (lindamente demodé) quando em versos cheios de incertezas, já com saudade de uma juventude que vai morrendo lentamente.

2 House of Balloons – The Weeknd

Admitam: é preciso ter pelo menos um pouco de talento para criar um disco tão amado e odiado. Se o mundo inventado pelo canadense Abel Tesfaye tem um quê de graphic novel, estamos falando de um Frank Miller menos brucutu: o contraste em p&b define o tom desta viagem noturna, que pode ser “lida” como um sintoma terrível do nosso mundo – mas também como autoficção de primeira linha. A música do ano, The Morning, está aqui.

1 James Blake – James Blake

O primeiro disco de James Blake poderia atender por Songs From a Room. Poderia. Porque, depois de lançar EPs muito elogiados (e que não incomodaram nadinha os seguidores da cena dubstep inglesa), o compositor resolveu estrear com um álbum que soa como uma certidão de nascimento: quando o ouço, imagino imediatamente um artista solitário dentro de um quarto, fazendo arte do zero, from scratch, para si. Não é mais o James Blake que conhecíamos, até porque um artista de verdade não é quem queremos que ele seja: nem as sombras digitais, a cacofonia cool, conseguem esconder o homem inseguro, iniciante, que chega ao palco desacompanhado e se apresenta diante da plateia. E assim o espetáculo começa.

Mixtape! | Novembro, noite e dia

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Nem estou acreditando, meus amigos: a mixtape de novembro sobreviveu à temporada silenciosa/sangrenta do blog e está aqui, inteirinha, entre nós. E ela é imprevisível, é incrível, é uma guerreira.

E é (tcharam!) diferente das outras.

Talvez vocês não lembrem, mas a coletânea de outubro era (reparem a ambição do blogueiro) uma trilha sonora pra um filme que não foi feito. A deste mês é mais, digamos, convencional: um apanhado de músicas que alegraram meu curto recesso por tempo determinado. 10 faixas, e só.

Tá, não é só isso: também é mais uma das minhas mixtapes lynchianas. É!

Porque, quando reuni todas as músicas, percebi que elas formariam dois EPs – um mais rebolandinho, puxado pro pop/hip-hop, e outro mais guitarrístico. Decidi, então, unir costurar as duas faces da moeda num CD que começa de um jeito (noturno), termina de outro (diurno) e nos surpreende com um solavanco estranho lá na metade. Vocês viram Estrada perdida? É um pouco assim.

Curto muito essa mixtape, de verdade – e acho que vocês deviam fazer o download das musiquinhas em MP3 para ouvi-las nos headphones enquanto caminham no parque. Por isso, desta vez não existe a opção de ouvir o disco aqui no site, em altíssima tecnologia e baixíssima fidelidade. Back to basics, certo?

Dentro do arquivo compactado vocês encontram, nesta ordem, Katy B, Childish Gambino, Thundercat, Drake (que está na foto do post), Beach Boys, Atlas Sound, Los Campesinos, Dum Dum Girls, Charlotte Gainsbourg e Real Estate. A lista de músicas está na caixa de comentários.

Por falar em comentários, não vou ficar pressionando ninguém a escrever opiniões gentis (ou não) sobre a mixtape. Todos estamos muito ocupados com as nossas vidinhas complicadas, né mesmo?

(Tô brincando: tentem comentar qualquer coisinha, ok? Abraço)

Façam o download da mixtape de novembro.

♪ | Take Care | Drake

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A Rede Social, de David Fincher, é o filme que passa na minha cabeça quando ouço o segundo disco de Aubrey Drake Graham, Take Care.

Eles não tratam, obviamente, do mesmo tema: o canadense, pra nossa infelicidade, não escreve músicas sobre cutucadas&retuitadas. Mas acredito que ele poderia estar (numa outra dimensão?) ali perdido entre os geeks extraordinários de Harvard: vestido num moletom surrado, crescendo e enriquecendo solitariamente diante de um Macbook Air.

Por mais que se queira tratar Drake como apenas mais uma celebridade do R&B, existe algo incomum (e novo) nesse cantor de 25 anos – traços de temperamento que talvez não serão percebidos de imediato por quem trata a música pop comercial americana como um conjunto de fórmulas necessariamente burras e datadas. É que, como os personagens de A Rede Social, Drake não se surpreende com nada: e até o dinheiro (e estamos falando de muito dinheiro) se tornou um valor subjetivo demais para livrá-lo do desencanto. É como se ele tivesse nascido exatamente após o fim de uma festa.

Take Care segue, sim, uma série de convenções do gênero. Não é um disco arredio, de forma alguma. Tem um punhado de convidados especiais, que possivelmente trocaram arquivos de mp3 via e-mail, e recorre a um repertório de tramas (sobre fama, mulheres, telefonemas constrangedores e a amizade dos bróder) que já nos parece corriqueiro. Mas, análise superficial por análise superficial, A Rede Social também pode ser visto como um filme de gênero: um teen movie universitário dos anos 80 com, digamos, diálogos mais velozes e uma subtrama à la fita de tribunal. Ou não?

Quando convidou Trent Reznor (do Nine Inch Nails) para compor a trilha de A Rede Social, David Fincher avisou a ele que a música teria um papel essencial no projeto: ela apontaria para uma camada discreta de sentidos que não estava tão visível no roteiro. No que Reznor, atento à conotação soturna do texto, escreveu as harmonias cinzentas que não encontramos numa comédia de John Hughes. Pois a qualidade dessa colaboração é semelhante à que se nota entre Drake e os produtores/compositores Noah “40” Shebib e The Weeknd.

Enquanto Shebib alarga os espaços vazios das faixas (Over my dead body, que abre o disco, até assusta pela falta de ornamentos: parece uma versão demo), o The Weeknd (o apadrinhado mais famoso do cantor) divide com Drake a mise-en-scene noturna das mixtapes House of Balloons e Thursday. Essas plataformas sonoras acaba por reforçar, mesmo indiretamente, o que existe de mais instável nos versos de Drake. E, apesar de o cantor insistir que está tudo bem, este não é um disco tranquilo.

A sensação de que o melhor sempre já passou (e já havia passado antes mesmo do disco de estreia, Thank me later, cuja faixa principal atendia por Over), e de que não há mais sonho possível (who will survive in América?, perguntaria Kanye West), vaza sem que ele perceba. Num álbum supostamente confessional (o espírito de blogueiro pós-chute-na-bunda afasta o Drake das ‘mentiras sinceras’ do The Weeknd), há muito a ser lido nas entrelinhas. “No fim das contas, somos só eu, eu mesmo e meus milhões”, ele diz, em Headlines. Uma conclusão que Mark Zuckerberg possivelmente curtiria.

É nesses momentos de tensão forma/conteúdo que Take Care nos lembra como a música pop (a melhor música pop) pode soar, ao mesmo tempo, oportunista e oportuna, superficial e profundamente contemporânea. A colaboração entre Rihanna, Jamie xx e Gil Scott-Heron (na faixa-título) talvez resuma todos os belos curtos-circuitos do disco: um hit cheio de ranhuras, um dubstep farofento que parece oscilar entre o conforto absoluto e uma leve sensação de que alguém entrou no estúdio e, aos 45 do segundo tempo, subverteu o mix. “Vou tomar conta de você”, diz o refrão. Soa um pouquinho irônico.

Entre R. Kelly e James Blake (e mais para a egotrip de My Beautiful Dark Twisted Fantasy que para as dores de cotovelo de 808’s and Heartbreak), Drake conseguiu criar um disco megacorporativo e ultracomercial, mais confiante e ainda mais pragmático que o anterior. Não há como abandonar, no entanto, uma persona cheia de conflitos e incertezas, que garante ao álbum uma corzinha triste e bem atual; um blue-metálico, apesar dos holofotes quentes e dos efeitos especiais: “Parece que me importo, mas só diante das câmeras”, Drake confessa. E, na real, alguém se importa?

Segundo disco de Drake. 18 faixas, com produção de Noah “40” Shebib e outros. Lançamento Universal Music. 82

House of balloons | The Weeknd

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“Saiam da sala!”, nossa professora ordenava, num tom irônico de madrasta malvada, quando nos passava os exercícios que exigiam total concentração. Era engraçado. Não conheci outra que odiasse tanto a sala de aula: para essa senhora de rosto quadrado e centenas de dentes, as melhores ideias surgiam lá fora.

E, se bem lembro, os meninos e as meninas quase nunca estávamos entre quatro paredes. Sempre sentados no canto da quadra esportiva, nos corredores, perto da lanchonete, no canteiro lisérgico (coloridíssimo) da pré-escola. Caderno, lápis e oxigênio. Não é por pouco que sinto tanta saudade da minha sétima série, da professora de português, da arquitetura vazada do colégio, do cheiro de tinta fresca que eu reconheceria se o prédio ainda estivesse de pé. Não está.

O importante para este texto, antes que eu me perca, tem a ver com uma dessas lições ao ar livre. Era um exercício simples: teríamos que observar a paisagem e escrever um parágrafo em primeira pessoa. Moleza. Levei 15 minutos para cumprir a tarefa, entreguei a folha e fui comer um salgadinho na cantina.

Antes que eu devorasse a coxinha de galinha, porém, a mulherona quadrada apareceu no refeitório. “Tiago, o que é isto?”, e ela parecia intrigada. Não entendi o motivo do espanto e suspeitei que eu não tivesse compreendido a lição. Será que troquei as bolas? Será que escrevi o que não devia? Será que tropecei em alguma proibição secreta? A coxinha esfriava.

“Me explique isto aqui, Tiago: ‘O dia está bonito, o sol brilha com muita força…” (e, enquanto ela recitava meu parágrafo infeliz, eu lamentava mentalmente o textinho absolutamente ordinário; mas era tudo o que eu conseguia naquele momento, naquelas condições, me perdoe) “… e as crianças brincam na pista asfaltada que dá para a W3. O vento brinca com os meus cabelos, que caem na minha testa e tampam minha visão.” Nesse momento, ela parou.

Fiquei esperando o restante, o fim da punição. Era um texto vergonhoso, eu sabia. Ficaria pior. Mas ela interrompeu a leitura e ficou admirando meu rosto – que, por sua vez, admirava um ponto de interrogação invisível.

“O que você quis dizer com isso, Tiago?”, ela quis saber.

“Não sei sobre o que cê ta falando, tia”, eu desconversei.

“O vento brincou com seus cabelos, foi? Os seus cabelos caíram na sua testa, foi? Mas que cabelo, Tiago? Que cabelo?”

(naquela época, eu pedia para que o barbeiro caprichasse na máquina 4).

Não havia muito cabelo, é verdade.

Eu poderia ter arrumado várias explicações para a minha licença poética, mas nenhuma seria aceitável. Então, no desespero, saquei uma resposta que me surpreendeu:

“Não sou eu aí no texto, tia. É meu eu-lírico”.

A explicação deu tão certo, colou tão bem colada que, daí em diante, a professora me adotou como aluno favorito. Eu, o número 1, parecia entender os mistérios da literatura. Eu, o especial, sabia me mover no pântano da ficção.

É claro que eu era nadaa daquilo. Eu tinha 12 anos. Eu escrevia bobagens. Eu era um farsante, um sortudo, um joguete do destino. Mas a reação entusiasmada da professora acabou me ensinando que devemos desconfiar dos textos escritos em primeira pessoa (e dos pré-adolescentes com crises de autoestima). Eles mentem. Eles trapaceiam. Eles nos engabelam.

Pois bem.

Lembrei dessa historinha tola quando procurei (e não encontrei) informações sobre o The Weeknd, a “banda” (deveríamos chamá-lo assim?) que está grudada na barra da saia do meu iTunes há algumas semanas, feito menino órfão. Ela não quer, não vai me abandonar enquanto eu não a adote para sempre.

O que me atrai nessa narrativa em primeira pessoa chamada House of balloons é o quanto ela parece pouco confiável. Uma grande mentira, certo? Tudo o que dizem sobre o The Weeknd é o dono do projeto atende por Abel Tesfaye. Ele é canadense. E o Drake, nosso herói sentimental do R&B, curte tweetar elogios para o sujeito.

Se você fuçar um pouco mais no Google, porém, vai descobrir que o terreno é mais movediço. Há quem diga que Abel é o pseudônimo de alguém conhecido, um rapper famoso ou quase-famoso. Há quem diga que ele não é canadense. Há quem diga que ele é um personagem de ficção. Boatos. Intrigas. Folhetim.

Por mim, tanto fez. Sinceramente. A obscuridade do The Weeknd (cuja mixtape House of balloons foi lançada de graça na web e, note a ironia da coisa, é tão coesa que não parece em nada com aquilo que entendemos por mixtape) conta como um fator de interesse, um elemento de suspense. É. Nada é o que parece ser (a menos que alguém comprove o contrário). Tenho centenas de razões para assegurar que o personagem principal das músicas não é o autor dessas canções.

O menino de cabelos longos, vocês sabem, era e não era eu.

As nove faixas desse disco são narradas por um homem noturno, febril, lascivo, que se pendura de balada em balada como um animal eternamente faminto, empapuçado de dólares, álcool e cocaína. “Confie em mim, garota. Você quer ficar alta com isso”, ele promete, já na faixa de abertura. E depois tem mais: “Ele é quem você quer. Eu sou quem você precisa.” O Don Juan veste Prada.

Nesta mixtape, o mundo é observado através da percepção turva desse narrador-rimbaudiano: já na primeira música, ele soa entediado. É muito dinheiro, e “o dinheiro é o motivo” (em The morning). “Você trás as drogas e eu levo a minha dor”, ele avisa (em Wicked games). A festa começa, a festa termina, e o que resta é a sensação de que estamos congelados num plano em preto-e-branco, sob luzes frias. Tudo se move e estamos um pouco tontos e tristes.

Ouço o disco duas, três vezes, e a impressão me parece definitiva (ainda que não seja): esse narrador totalmente confiante, solto no mundo, violento e estilhaçado, não poderia ter escrito canções tão simétricas, elegantes, calculadas, que equilibram lindamente hip-hop, soul music e goth rock e parecem (isso sim) ter nascido após dezenas de madrugadas perdidas dentro de estúdios de gravação.

Eu apostaria que Abel é tão nerd, tão branquelo e frágil quanto os meninos do The XX ou quanto James Blake. Não apostaria que é um bom vivant movido por instinto e estrondo (mas posso estar errado; e a graça, meus amigos, está nesse mistério).

House of balloons é um disco de detalhes reluzentes, e um trechinho dele (talvez o mais brilhante) explica por que ele só poderia ter sido criado por um produtor muito sóbrio e obsessivo: a forma absolutamente precisa como o sampler de Happy house, da Siouxsie and the Banshees, é adaptado no refrão da faixa título. Nada menos que sublime (e há um trecho de Beach House igualmente arrepiante).

Ou a forma como a entonação de Abel em The morning – sussurros para uma noite maldormida – acaba contradizendo (ou, pelo menos, assombrando) versos sobre dinheiro e farra. “Eu faço essas paredes vibrarem como se estivessem grávidas de seis meses”, ele promete. Mas soa como se as paredes o ameaçassem– e elas desabam.

O enigma engrandece, alarga, enevoa o disco (da mesma forma como os segredos do Belle and Sebastian tornavam If you’re feeling sinister um álbum muito mais saboroso; nos sentíamos à vontade para moldá-lo da forma como bem entendêssemos) até transformá-lo, por fim, numa obra de ficção muito bem engendrada.

Percebo o personagem-narrador e noto o autor, que nos acena com melodias, arranjos, samplers e um trabalho de produção delicadíssimo, de sensibilidade incomum, sinistro e emotivo em igual medida.

Outro dia, vimos aqui em Brasília um filme brasileiro, O céu sobre os ombros, que parte do princípio de que os atores devem interpretam eles próprios. É um curto-circuito de ficção e documentário: os atores escolhem episódios do próprio cotidiano, que serão encenados para o filme. Numa das cenas, uma personagem transsexual, prostituta, transa com um “cliente” dentro do carro, diante de um semáforo. Não fica claro, no filme, se o sexo ocorreu de verdade ou se foi encenado. As imagens apenas sugerem: o espectador que se vire com elas.

Ao fim de sessão, uma repórter não resistiu e, curiosa para vencer as barreiras impostas pelo filme, foi perguntar à transsexual se a cena havia sido encenada ou não. Ao que ela veio com uma resposta ainda mais intrigante: “Foi tudo totalmente ensaiado”, ela disse. E arrematou: “Contratamos um ator pornô, fomos à rua, transamos de verdade, mas ele nem gozou. Tudo ficção.”

Minha professora de português, estou certo, entenderia.

Primeiro disco do The Weeknd. Nove faixas, com produção de Don McKinney e Illangelo. Independente. Baixe em www.the-weeknd.com. 8.5/10

Mixtape! | O melhor de junho

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A mixtape de junho é mais ou menos (eu disse mais ou menos) um passeio na praia. A de maio, vocês lembram, era ruidosa e fantasmagórica. Desta vez, eu queria um pouco de leveza.

É claro: não encontrei o que eu estava procurando.

Mas encontrei mais ou menos isso, o que é raro. O mês de junho foi estranho. Ouvi muitos discos, mas poucos grandes discos. E álbuns de gêneros muito diferentes, daí a dificuldade de montar uma coletânea coesa. Quando percebi que seria impossível, relaxei. 

Me vi obrigado, então, a descartar as canções de um dos melhores discos desse período, Before today, do Ariel Pink’s Haunted Graffiti. E encontrei uma brecha (aos 45 do segundo tempo) para o meu favorito, Public strain, do Women (e são eles na foto ali em cima). Teenage Fanclub, The-Dream e Major Lazer foram alguns que ficaram de fora.

É a vida.

Gravei o CD e, só depois, descobri que ele contava uma historinha. Que vai assim: era uma vez sujeito muito agoniado que pegou os dois filhos pequenos pelo braço, acomodou os petizes no carro e saiu para um rolê na praia. Os três beberam água de coco, tomaram banho de praia, tostaram ao sol, olharam as gaivotas e, no fim da tarde, quando voltaram para casa, o sujeito percebeu que a vida continuava triste. The end.

Traduzindo: o disquinho começa com um desabafo mui tenso da nossa serelepe Robyn, depois cai dentro da fofura mórbida do The Drums, e aí o sol abre um pouco (mas nem tanto, vemos nuvens aqui e ali) com The Black Keys, The Roots, Blitzen Trapper, tudo num clima gostoso de rádio FM. Aí bate um pouco de melancolia (que ninguém é de ferro) na interpretação dodói do Record Club (St. Vincent + Beck + Liars + Mutantes) para Never tear us apart, do INXS. Que é uma coisa fofa.

Depois de um entardecer ao som de Arcade Fire, a noite vai chegando e escurecendo tudo: Menomena e Drake. Na volta para casa, Women. A despedida deprê é com o How to Destroy Angels. E the end.

Aposto que você vai ouvir pela primeira vez e pensar: “é a mixtape mais frouxa do ano”. Lá na terceira audição, você vai reconsiderar a opinião e concluir que esta é uma das melhores mixtapes que você ouviu. As primeiras impressões podem ser cruéis, vá por mim.

Um alerta: não a ouça enquanto faz exercícios físicos. Tentei e não funciona. Nesse caso, prefira a mixtape de maio.

E, se possível (é possível, vá!), comente algo sobre o que você ouviu. Nem que seja um “esta mixtape está bem mais ou menos“. A tracklist tá logo ali, na caixa de comentários.

Faça (hoje mesmo!) o download da mixtape de junho: aqui ou aqui.

Thank me later | Drake

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Você conhece Drake? Então está na hora.

Até porque, nos próximos meses, será impossível não reconhecê-lo por aí. Nas rádios. Na MTV. Nas trilhas de cinema. O rapaz tem bons amigos (Lil Wayne, Jay-Z, Kanye West, Timbaland, The-Dream, T.I., Alicia Keys), vem no embalo do marketing da Universal Music e está prestes a lançar um disco de estreia que, se tudo der certo, o transformará num astro do R&B.

Está escrito.

O plano, aparentemente, é fazer de Drake um novo Usher, um novo The-Dream, um novo sexymothafucker (e é provável que isso aconteça). Mas, é claro, não é por isso que você precisa conhecê-lo.

Dou três motivos:

1. Na mixtape So far gone, lançada no ano passado, a terceira música é uma balada robótica, na linha do Kanye West de 808s and heartbreak, chamada Successful, que virou single e rodou até no VH1. A faixa seguinte é uma versão para Let’s call it off, de Peter, Bjorn and John. Isto é: o sujeito não ouve qualquer coisa.

2. O refrão de Successful (muito simplezinho, até: “tudo o que quero ser é bem-sucedido”) não vem embalado no tom fanfarrão típico dos novos-ricos da black music, mas, surpreendentemente, existe nele uma certa melancolia, como se o intérprete da canção soubesse que o sucesso é doce e amargo.

3. Drake é um ator de 23 anos, ex-astro teen de seriado de tevê. E canadense.

Se nenhum desses argumentos parece suficientemente forte para que você dê uma chance ao moço, então não há nada a ser feito. Provavelmente, o álbum não vai colar. Não é sua praia. Vá por mim. Não perca o seu tempo.

Para começo de conversa, o disco soa conservador: não rejeita um modelo muito típico de R&B, pelo contrário. É quase um disco-de-gênero, songs for the lovers com alguma marra hip-hop. Nada que Kanye West, The-Dream ou Jay-Z não tenham feito. E Thank me later pode até ser ouvido dessa forma: como um álbum pop muito eficiente, coleção de hits, tudo nos devidos lugares, arquive entre Justin Timberlake e Rihanna.

O instigante na história, no entanto, é como Drake pega esse formato industrial e, sutilmente, se apropria dele. Sutilmente. O tom desiludido como o vocalista – que se chama Aubrey Graham – interpretou Successful é a colcha sonora do disco. Um fantasma que está sempre lá.

Há artistas que só se decepcionam com o sucesso lá pelo quarto álbum de estúdio. Pois a primeira música de Thank me later, Fireworks, abre com versos como “o dinheiro mudou tudo” e “meus 15 minutos de fama começaram há uma hora”. Novamente, Drake soa dúbio, na contramão das estrofes: a letra celebra a boa fase, o “sonho”, mas não existe alegria alguma na interpretação. A melodia é mecânica, cheia de lacunas e ecos.

Estranho.

Felizmente, todos os produtores – e são muitos! – parecem entender esse perfil introspectivo do cantor, que vai flutuando sobre névoa de teclados e efeitos metálicos. Nas primeiras faixas (as melhores do disco), não há festa: Drake narra dramas familiares (a separação dos pais, aos cinco anos), decepções amorosas e transformações da idade adulta. O sucesso não cura nada disso, e ele sabe disso. “Do que tenho medo? Isso deveria ser meu sonho. Mas todas as pessoas olham para mim e dizem a mesma merda: ‘você prometeu que nunca mudaria'”, ele desabafa, em The resistance.

A soul music de pesadelo atinge a catarse logo na quarta música, que se chama (olha aí) Over. Nesse ponto, Drake beira a esquizofrenia. “Conheço muitas pessoas que eu não conhecia há um ano. O que aconteceu? Fizemos de tudo ontem à noite, mas não lembro de nada. O que estou fazendo? O que estou fazendo?”, ele pergunta. Em seguida, porém, muda o discurso: “Eu estou me divertindo, estou vivendo a vida, e vou continuar assim até o fim.”

O hit é narrado com uma atmosfera dramática, tensa, que os produtores Boi-1da e Al Khaliq pressionam ao limite. O videoclipe mostra Drake fuzilado por canhões de luz, sozinho em um quarto de hotel.

Já ali, na quarta faixa, dá para concluir que Drake tem o “algo mais” que falta a muitos aspirantes ao trono do R&B: o intérprete paira acima dos produtores, das canções, de tudo. O álbum soa coeso, quase uniforme, porque é um retrato do cantor (ou talvez do personagem que o ator criou para si).

Na segunda metade, esse clima asfixiante das primeiras músicas vai se dissipando, ora em faixas mais animadinhas como Find your love (produzida por Kanye West), ora quando o “padrinho” Lil Wayne entra em cena, em Miss me. Mas até aí o show é de Drake. Em Miss me, o que fica na memória não é o falatório nonsense de Wayne, mas o apelo infantil, carente do vocalista. “Você vai sentir minha falta quando eu for embora?”, ele pergunta.

Superprodução programada para cumprir expectativas de uma indústria, Thank me later equivale a uma fita de fantasia dirigida por Sam Raimi: sob os efeitos especiais, há um coração que bate.  

Primeiro disco de Drake. 14 faixas, com produção de Lil Wayne, Birdman, 40, Al Khaliq, Boi-1da, Crada, Francis and the Lights, Jeff Bhasker, Kanye West, No I.D., Omen, Swizz Beatz, Timbaland e Tone Mason. Lançamento Universal Music. 7.5/10