Doubt
Dúvida
Doubt, 2008. De John Patrick Shanley. Com Meryl Streep, Philip Seymour Hoffman, Amy Adams e Viola Davis. 105min. 5/10
Vi o filme num grupo de cinco e, terminada a sessão, uma amiga minha (que, como 90% dos brasilienses, vai ao cinema cerca de quatro vezes por semana) lançou a pergunta: ‘e se Dúvida fosse um filme francês?’
A provocação colou: ficamos debatendo por uns 15 minutos, claro que naquele tom de gozação babaca e infantil que não cabe nem num texto de blog. Aí alguém sugeriu que (e perdoem a simplificação tola, ok?) um auteur francês provavelmente filmaria a tema com uma câmera em dúvida. E não como um drama redundante como este aqui.
Nenhum dos cinco gostou do filme. Eu não me irritei tanto assim. A fotografia de Roger Deakins, comprimida em salas e corredores e planos desalmados, me agrada bastante – pelo menos parece carregar uma ideia, um conceito. Algo que O leitor, por exemplo, nem sonha em alcançar. E quando digo que só a fotografia presta, isso me parece muito positivo num mundo abarrotado de filmes que não prestam em nada (hoje vi Operação Valquíria, desculpem o tom aborrecido).
A trama, adaptada de uma peça de John Patrick Shanley que fez sucesso e ganhou prêmios dentro e fora da Broadway, tende a provocar uma sensação de estranhamento que é desfeita no momento em que percebemos a herança teatral da encenação – e, nos momentos mais interessantes, Shanley transfere elementos do palco para a tela, numa transcrição curiosa, até (saudavelmente) desrespeitosa com quem acha que lugar de cinema é no cinema e lugar de teatro é no teatro.
E é, a exemplo do que se encontra no teatro, um jogo dividido radicalmente com os atores, que são os verdadeiros donos do filme (e aí alguns se saem melhores que outros; estou entre os que implicam com o overacting de Meryl Streep e não veem motivos para a indicação de Viola Davis ao Oscar).
O texto de Shanley possivelmente mantém o tempo da peça – outro fator de estranhamento -, mas, por deus, que texto é esse? O discurso/tese/sermão sobre dúvida é tão cristalino e superficial que o filme não abre margem para… meios-tons, incertezas, instabilidade. Não é engraçado? Era para ter sido engraçado? (E aí voltamos à conversa bobinha à saída da sessão).
No filme, a dúvida é tratada menos como um pecado e mais como um elo. Não estou interpretando nada, vejam. Isso o padre de Philip Seymour Hoffman nos explica logo nas primeiras cenas. Nos diálogos, o tema retorna didaticamente à tona, até descambar num desfecho que só funcionará para quem assistir ao filme como uma comédia camp.
Por mais que o longa não assuma um tom realista (a composição do ambiente religioso é tão cheio de paradoxos que o texto todo se aproxima de uma parábola, uma homilia ou algo do gênero), a composição da personagem de Streep me parece um equívoco. Não por estar deslocada em relação ao restante do elenco (se bem pensada, seria uma estratégia interessante para a narrativa), mas por ocupar as cenas como um carro-alegórico. Ela se transforma num símbolo de intolerância sem complexidade alguma, e por isso a cena final soa tão fake e risível. Pense na Cruela Cruel em um momento de crise de consciência.
Mas ah, sim, o filme é distribuído pela Disney. Isso explica tudo. (E, à amiga cinéfila, recomendei A questão humana).