Discos
[chico buarque]
Hoje se vendem menos discos. Faz diferença?
Não, para mim não faz. Tanto é que fiquei sabendo mais ou menos dessas novidades durante as conversas de lançamento do disco. Então me foi apresentado um projeto de lançar o disco pela internet e eu não conhecia nada disso. E aí eu fui conhecer a realidade do mercado. Eu andava longe disso havia cinco ou seis anos e não sabia que tinha mudado tanto assim. A previsão do lançamento de um disco é, em termos numéricos, muito inferior agora. Então, tentei compensar a gravadora, de certa forma, pelo investimento que ela fez, colaborando no projeto de lançamento deles. Internet e aquela coisa do site e tal. Mas isso não é assunto meu. Eu, na verdade, cheguei a uma altura da vida que não preciso mais do disco para sobreviver. Eu já tenho basicamente aquilo que eu preciso, não tenho grandes ambições. Já tenho certa estabilidade financeira e não preciso ficar muito preocupado com isso. Meus discos vendem direitinho, tenho direitos autorais aqui e lá fora. Os livros vendem mais do que os discos, inclusive [risos].
Trecho de entrevista de Chico Buarque à revista Rolling Stone Brasil.
Superoito express (40)
4 | Beyoncé | 7
Faltou timing, é verdade. Mas, se existe um disco da Beyoncé que faria por merecer o nome Dangerously in love, é este aqui. E não muito por conta do clima de guerrinha dos sexos que embala o primeiro single, Run the world (Girls). Aliás, um hit tão colante, no esquema super-bonder (o chiclete mais gostoso que a M.I.A. não confeccionou em 2011), quanto enganoso. Não é, de forma alguma, um cartão de visitas confiável pro álbum. O perigo, nas canções, é de ordem sentimental: a protagonista deste drama não é a musa girl-power, mas um mulherão que peca por amar demais.
O gênero é melodrama. Melodrama pop. Melodrama sirkiano. Na faixa de abertura, Beyoncé geme de desejo, deitada nos lençóis cor-de-rosa do produtor The-Dream (e há um fortíssimo perfume kitsch em versos como “não entendo muito de álgebra, mas sei que um mais um é igual a dois”, da baladona 1+1). Logo depois vem a ressaca moral: em I care, lamenta não ser totalmente correspondida (“sei que você não se importa muito, mas eu ainda ligo”, avisa), enquanto o refrão vai desmoronando em guitarras pop-rock. A seguinte, I miss you (de Frank Ocean), tranca as portas do quarto: soa como um sussurro, uma declaração quase constrangedora de amor (e é uma pena que a faixa pareça incompleta, sem um terceiro ato).
Nas primeiras faixas, o disco vai se lambuzando nesse gel romântico com tanta convicção que soa coeso como nenhum outro que Beyoncé gravou. Depois, no entanto, chegam os argumentos para quem defende a ideia de que o álbum morreu. São tantas as expectativas comerciais em torno da cantora que ela não consegue manter o foco: recorre à inevitável cartilha brega de Babyface (Best thing I never had, broxante), vai ao songbook de Diane Warren (I was here, tão ruim que arrepia) e desce à pista de dança quando parece menos apropriado (ainda que Party, produzida por Kanye West, tenha algum músculo). O disco termina com dois bons singles: além de Run the world, tem Countdown. Que vão fazer sucesso, sim, como não? Mas que acabam denunciando o fracasso de Beyoncé: não foi desta vez que ela conseguiu gravar um ÁLBUM (e o triste é que, aqui, esse parece ter sido um objetivo levado a sério).
D | White Denim | 7
Deveria parecer uma progressão natural: uma banda de garage rock assmidamente saudosista – que concebeu um repertório inteiro replicando o som de ídolos bastardos do fim dos anos 1960 – resolve virar as páginas do calendário e gravar o que entende como o típico disco psicodélico setentista, com todas as dores, delícias e manias do período (espere, portanto, encontrar clichês de prog rock, jazz, blues, além de letras sobre drogas e fazendas). Em tese, é uma guinada até muito previsível. Mas ainda me parece surpreendente notar que aquele trio meio desleixado e galhofeiro (que já foi comparado a The Hives e White Stripes) se reinventou como um quarteto detalhista, até um pouquinho cerebral (o disco é praticamente uma homenagem completa, faixa a faixa, aos ídolos do grupo). Tudo o que eu não esperava deles era uma balada sóbria como Street joy. Que está aí prontinha para entorpecer o fã de Tame Impala, se é que eles ainda estão na sala (estão?).
Cults | Cults | 6.5
Não é uma história nova, sabe? Cults é a novidade nova-iorquina absolutamente adorável que amacia os nossos headphones neste outono gelado. Deveria, é claro, existir um prêmio para esse tipo de disco, que transforma a vida em algo muito mais simples e doce – numa canção açucarada de dois minutos. Mas, dissipado o encanto dos primeiros dates, este début fofo começa a soar um tantinho como aquela comédia romântica agradável-porém-ordinária. Entende o que quero dizer? Aquela que, apesar dos diálogos espertinhos e do turbilhão de afeto, perde um pouco da graça assim que notamos o quanto depende de um esquema narrativo que é mecânico, velho, e não tem alma. Go outside e You know what I mean estão à altura do primeiro disco do Pains of Being Pure at Heart, mas eu aposto que este duo boy-meets-girl vai dormir um soninho totoso no meu hard drive, de conchinha com as Pipettes e o I’m From Barcelona. Apenas mais um rostinho bonito?
Born this way | Lady Gaga | 6.5
Antes que me crucifiquem, preciso admitir que o novo da Lady Gaga é um avanço tremendo, quase inacreditável, em relação a seus discos anteriores. Porque antes, amigos, eu ficava com a impressão de existir duas Gagas: a popstar dos clipes e das revistas, que curtia uma avacalhação nonsense, e a cantora de hits tão convencionais (e medrosos, veja a contradição) quanto qualquer armação do Black Eyed Peas. Em Born this way, a imagem finalmente entra em sincronia com o som. O resultado dessa sobreposição, como não poderia deixar de ser, é um disquinho esquizofrênico, frenético, indeciso, tomado por falsas polêmicas e um desejo enorme de aparecer. Talvez nem tão pessoal quanto parece (na verdade, é apenas um álbum que combina com o visual mutante e os golpes de marketing de Gaga), mas um produto mais vívido que os anteriores. O que não justifica, porém, as crises histéricas mais irritantes: da faixa-título, que reprisa Express yourself sem piscar o olho para o público, a misturebas inaudíveis como Americano, o disco melhora muito na segunda metade, quando engole todos os excessos oitentistas que nem Brandon Flowers tem a pachorra de defender. Termina muito bem, com o saxofone viciante de Egde of glory. Mas é um caminho longo, cheio de lombadas e ranhuras, que pode nos levar a disquinhos um pouco menos tortuosos. Ainda assim, não há como negar: Born this way é o DNA de Gaga, a personagem.
Nostalgia, ultra | Frank Ocean | 6
Por falar em picaretagem pop, Frank Ocean leva o conceito de copy+paste a um outro patamar. Soulman da geração Soulseek, o rapaz sensível da gangue Odd Future lançou por conta própria este EP (de 14 faixas, vá entender) que tem a aparência de uma mixtape gravada às pressas para a namorada. Isso é o futuro? Pode ser que sim. Mas, se eu fosse a musa do sujeito, recomendaria urgentemente uns 20 discos interessantes para que ele não precisasse roubar as melodias de Strawberry swing, do Coldplay, e de Hotel California, do Eagles. Apelações à parte (e são muitas), fica difícil resistir aos amassos de Novacane, mais um indício de que o novo R&B vai seduzir o mundo com um charme marrento todo especial (Drake e The Weeknd estão na luta, mano). No fim do baile morno, entendi por que o homem preferiu rotular este disco com o formato EP: o melhor, o maior e o mais intenso, tenho certeza, está por vir (e vamos combinar de uma vez por todas, bróder: Coldplay não é um tipo muito saudável de nostalgia, ok?).
Os discos da minha vida (29)
A saga dos discos que incineraram a minha vida chega a um episódio muito-muito caloroso: dois clássicos da minha discoteca particular. Bolachinhas sagradas que ouço com cuidado, até para não evocar as santas melodias em vão.
God bless ‘em.
Antes que você novamente se confunda todo, deixe-me explicar as regras deste ranking fervente: são 100 álbuns, organizados numa ordem mui subjetiva que diz respeito apenas a este que vos escreve.
Se você perguntar “Tiago, qual é o critério desta bagunça?”, eu vou gaguejar, olhar para o teto e correr soluçando pro banheiro. Foi mal, gente, são normas sentimentais e sentimento a gente não explica, a gente sente, a gente experimenta, a gente vibra, etc.
Entenda o seguinte: são os discos que, de certa forma, fizeram de mim um homem mais plano. Uma pessoa mais humana, mais vertebrada, mais gente. Manja? Então. E desculpe se pareço meio meloso hoje – é que acabei de sair de um desses fins de semana que amaciam nosso coração, um desses fins de semana que convertem assassinos mancos (não era meu caso, tou usando exemplo!) em missionários pacíficos, em ativistas ecológicos.
Não me culpem. Está tudo bem. Tudo azul. E não pensem em abandonar o blog por conta disso. Vai ficar bom. Vai ficar melhor. Vai ter bolo!
Antes que eu me afogue de vez no meu idílio (e taí uma das 1001 coisas que você precisa fazer antes de morrer: se apaixonar), continuamos com a longa caminhada rumo ao meu disco-xodó-number-one, que vai aparecer aqui sabe-se lá quando (talvez no dia de São Nunca, há!). E, se você não conhece estes dois discos aqui, o download é obrigatório, sem desculpa. Certinho? Então tá (e me despeço usando minhas mãos pra fazer o sinal da pomba da paz, té mais).
044 | Stankonia | Outkast | 2000 | download
Ouvi tantos discos de hip-hop que não há como fazer a soma, e (em algum momento eu teria que admitir isso, que seja agora) fui sim um daqueles adolescentes cagalhões que invejam os negões do rap por motivos que nem eles – os adolescentes cagalhões – conseguem explicar. Mas eu poderia resumir todos os meus discos preferidos do gênero neste aqui, Stankonia. Tudo o que admiro no hip-hop (e no Outkast) está contido nestas 24 faixas: fúria & franqueza, poesia & putaria, invenção & curtição, graça & troça. Os discos de Big Boi e Andre 3000 são incontroláveis e excessivos por natureza (e é disso que gostamos), mas este aqui faz do caos uma espécie de parque temático, um saboroso bufê de mil opções. Um disco que deseja loucamente nos atiçar com sons e ideias que talvez não tenhamos ouvido em outro lugar – e faz de tudo para cumprir um objetivo que, honestamente, me parece um dos mais dignos quando se fala em música pop. Top 3: Ms Jackson, So fresh so clean, B.O.B.
043 | Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band | The Beatles | 1967 | download
Quando eu era um moleque e precisava de orientação para não me preder na Beatlecity, meu pai sempre foi o meu pastor. E ele dizia o seguinte: “Sgt. Pepper’s soa como o melhor disco do mundo, todos estão certos. Mas não ouça muito. Que enjoa.” Daí que talvez eu tenha ficado com medo dos riscos de me apegar demais ao álbum. No catálogo do fab four, é o que menos ouvi – mas cada audição, talvez como uma recompensa pela parcimônia, provoca em mim o efeito brutal de um descobrimento. A mais recente, quando comprei a versão remasterizada do CD, me deixou às lágrimas, percebendo detalhes que eu não havia reparado antes. Nem sei se eu deveria incluir este disco no ranking porque não faço ideia se já o entendo. E não há exagero nisso: todos os outros discos dos Beatles me parecem tangíveis. Este aqui soa perfeito, por isso intocável, por isso misterioso. Não sei se enjoa (talvez sim: é um álbum preciso, mas composto por canções barrocas, exuberantes, que talvez cansem quando não se está no espírito para guloseimas de mil folhas), mas continuo seguindo a recomendação do meu pai. Ouço sim. De vez em quando. Top 3: A day in the life, She’s leaving home, Good morning good morning.
Public strain | Women
Moro perto de uma livraria enorme. Uma megastore, dessas que vendem discos, bonecos de plástico, revistas, sanduíches de salmão, jornais, DVDs, cartões de boas festas, milkshakes e, antes que eu me esqueça, livros.
A loja é uma das principais atrações (talvez a principal) do shopping que abriram aqui na região. Nos fins de semana, está quase sempre lotada. As filas dão voltas entre as bancadas de madeira. É uma imagem que me agrada: muita gente comprando muitos livros. Sempre me pergunto se eles, esses livros, são lidos. Infelizmente, aposto que não.
Se todos os compradores de livros lessem os livros que compram, as pessoas seriam mais interessantes.
E não quero dar uma de sabichão: eu mesmo fico arquitetando pilhas e mais pilhas de calhamaços nos cantos da sala, na mesa de centro, no deck da tevê. Tenho livros que escoram a minha cama e que caem na minha testa enquanto durmo. E são obras às vezes abandonadas no primeiro capítulo, lidas na pressa, devoradas pela metade ou simplesmente pobres almas ainda intactas, virgens.
As pessoas compram livros que não leem. Compram pensando que, no futuro, talvez consigam lê-los. Compram por comprar. Compram pela capa. Compram para matarem a fome de comprar. Não sei. O que interessa (e chegaremos logo ao disco do Women, prometo) é que esse tipo de amor estranho, interrompido, tão instantâneo quanto passageiro, não consumado, era raro na nossa relação com os discos. Sublinho: era.
Quando compramos um CD, quase sempre o ouvimos na íntegra, mesmo que sem muita cuidado. Ouvimos quando estamos dirigindo, ouvimos na festa ou enquanto penduramos roupas no varal. Lembro que, antes da internet, eu comprava um CD e ficava horas, dias, destrinchando o conteúdo da bolachinha prateada. Era uma análise quase microscópica, quase obsessiva. Como se eu decidisse ler A metamorfose, do Kafka, 20 vezes numa tarde.
Acredito que, hoje, essa história toda mudou. Os discos se tornaram tão virtuais (e literalmente virtuais, como diz o dicionário: existem apenas em potência) quanto os livros. Talvez ainda mais, já que pescamos na web (essa megastore) dezenas, centenas, todos, absolutamente todos os que queremos ouvir, e às vezes os abandonamos pela metade, ou sequer nos damos o trabalho. Há casos em que nos esquecemos deles. Há casos em que escolhemos um disco a esmo e apostamos nele, meio que ao acaso. Confiamos na sorte.
Não sei se é assim que acontece com você. Mas é o que acontece comigo. Em 2010, ouvi 78 discos. Mas nem imagino em quantos esbarrei sem dar muita importância. Tenho certeza de que, em 1994, ouvi cerca de 10% dessa quantidade de discos, mas prestei muito mais atenção a cada um deles.
E isso é bom ou ruim? Melhoramos ou pioramos? Não sei. Só sei que a tecnologia alterou a nossa relação com a música (e principalmente na nossa, ouvintes compulsivos) e esse desejo de urgência – queremos ser conquistados pela capa, pelos primeiros parágrafos, no máximo pelo primeiro capítulo – também deve ter modificado a forma como se cria música pop. Se alguém decidir escrever uma dissertação sobre o tema, eu gostaria de lê-la.
E o Women é um bom pretexto para essa conversa toda porque me parece uma cria e um ruído desse ambiente pós-web. O primeiro disco, de 2008, tinha apenas 29 minutos. E a sonoridade dos quarto canadenses, abrasiva, parecia compactada ao máximo, zipada em minicanções (ou miniprovocações, minitorrentes noise) de um, dois minutos de duração. É um disco que provoca impacto.
Lembro de ter lido algumas discussões em meios literários sobre como as narrativas curtas, em miniatura, espelham a vida alucinada que levamos nas cidades. A estreia do quarteto era um bom argumento a favor dessa ideia.
Não foi, no entanto, um disco que me interessou a longo prazo. Ouvi algumas vezes e guardei. Depois esqueci dele. Por isso comecei ouvindo pelas beiradas este novo álbum da banda, que só vai ser lançado em setembro. Tropecei nele três ou quatro vezes, enquanto ia digerindo outros discos no meu iPod. E sempre que isso acontecia, sempre que eu tropeçava nele, era como se eu tivesse batido o dedão do pé num pedregulho. O Women pode ser ainda uma banda imatura, mas sabe nos impressionar com um som cortante, que nos arranha.
Então nem preciso alertar: Public strain é um disco “difícil”, que amplia as narrativas curtas da estreia da banda e fica oscilando entre as guitarras agudíssimas e dissonantes de um Sonic Youth (fase Murray Street, Sonic nurse) e algumas paisagens sonoras que lembram drone, ambient e outras pirações que irritam muita gente. E é um álbum que parece agonizar. As guitarras se desencontram a todo momento, soam como se desafinadas, estridentes, e criam uma atmosfera rarefeita de desespero. Um deserto vermelho.
O som áspero nos pega de imediato. Mas este é um disco que se beneficia do ouvinte mais atento, aquele que compra o livro e vai corajosamente até o fim.
Public strain (tenso já no título) só começa a soar minimamente palatável lá pela quarta audição, quando começamos a notar a lava de melodia que corre abaixo das camadas de pedra. É aí que se descobre, por exemplo, o dedilhado quase doce de Locust Valley (que tem até refrão, procure lá), o mantra metálico de Heat distraction, o torpor tristíssimo de Venice lockjaw, a linha de baixo quase soul de Narrow with the hall (bem de perto, lembra My girl ou não lembra?), etc.
Fui deixando este disco aparecer de vez em quando e, hoje, ele é papel de parede para os meus dias de apreensão, de desconforto. São muitos esses momentos, daí a necessidade que sinto de retornar ao primeiro parágrafo deste caderno de rasuras e ouvir tudo novamente, repetidamente, como se essas canções quebradiças soubessem tudo o que estou vivendo.
Eu as recomendo, portanto. Com cautela, porém. Caso você as abandone pela metade ou as rejeite por antecipação, eu entenderei. Mas vá lá: guarde-as para um outro dia. Há livros no meu quarto, livros que não li, que provavelmente me pregariam bons sustos, que provavelmente me entenderiam. São feras que dormem, à espera do ataque.
Segundo disco do Women. 11 faixas, com produção de Chad VanGaalen. Lançamento Jagjaguwar Records. 8/10
Superoito express (22)
Infinite arms | Band of Horses | 6
O disco de estreia do Band of Horses, o muito promissor Everything all the time (2006), apontava dois caminhos para este grupo de Seattle: um mais aventureiro, feito de pedrinhas brilhantes (em grandes momentos como The funeral e The Great Salt Lake, que merecem entrar em qualquer coletânea de achados da Sub Pop), outro mais mundano (o country rock de Weed party, baladas delicadas e inofensivas como I go to the barn because I like the). Me parece um enorme desperdício, mas, de lá para cá, a banda mostrou mais interesse por essa segunda trilha (agradável, pop) e menos por aquela outra (misteriosa, imprevisível).
Infinite arms confirma essa preferência e, por isso, pode fazer do Band of Horses um mascote indie muito querido e popular (e indie é força de expressão, já que a bolachinha tem o selo da Columbia). É um álbum de melodias infinitamente graciosas, com toques sutis de psicodelia californiana (Compliments é um encontro de Brian Wilson com Greatful Dead, com a assinatura inconfundível do produtor Phil Ek) e versos sobre amor e nostalgia. Uma doçura (um tanto aguada, mas uma doçura). E que não cheira a produto falsificado – como o Wilco de Sky blue sky, taí uma banda que se emociona com o soft rock. Vamos assobiar juntos! Mas que dá pena ver uma banda tão talentosa se acomodando nesse sofá confortável e quentinho, isso dá. O próximo disco nos mostrará se eles estão no time do Grizzly Bear ou do Kings of Leon.
Pigeons | Here we go Magic | 7.5
E por falar em aventura… É quase certo que, em 2010, o Here we go Magic não vai vender nem 1% dos discos do Band of Horses. E, se quisesse, este quinteto de Nova York escreveria um álbum inteiro com love songs de partir o coração (eles conseguem: ouça Casual, lindíssima). Mas eles preferem caminhar na areia movediça. Este Pigeons faz questão de nos espantar (e de bater asas para bem longe) a cada faixa: começa como uma brincadeira com a psicodelia britânica do fim dos anos 60 (Hibernation e Collector), é ejetado aos anos 90 (Casual lembra Radiohead), prova do indie americano (Surprise tem um quê de Pinback) e recicla as loucuras de Brian Wilson em clima ambient (Vegetable or native). Tem isso e mais. O disco termina e ainda não sabemos direito que banda é esta. Uma boa sensação.
High Places vs. mankind | High Places | 7
O segundo disco do High Places desmente muito do que (achávamos que) sabíamos sobre este duo de Nova York: Rob Barber e Mary Pearson não querem ser conhecidos como os hipsters esquisitões que vivem trancados numa estufa gelada, em contato apenas com a natureza e com um laptop. High Places vs. mankind soa mais urbano e humano: On giving up, por exemplo, se aproxima do trip hop lânguido que Goldfrapp fazia no início da carreira (já She’s a wild horse e Canada usam e abusam de orientalismos fake). Não é uma transformação radical, mas a floresta mágica do High Places guarda mais segredos do que imaginávamos.
Talking to you, talking to me | The Watson Twins | 6.5
As irmãs Watson passam por uma transição delicada neste novo disco. Já na capa, o álbum adota um verniz “adulto contemporâneo” que parece mais apropriado a uma Sheryl Crow do que a uma Jenny Lewis (e muito longe do tom revisionista de Rabbit fur coat, o belo álbum que elas gravaram com Lewis). Mas elas vestem esse novo modelito sem muito desconforto: a soul music modernosa de Harpeth River soa como uma tentativa de vendê-las ao público da Amy Winehouse (e baladas jazzy como Forever me vão agradar aos fãs de Norah Jones), mas elas conseguem envenenar essas fórmulas radiofônicas com versos dark e interpretações elegantes. O melhor fica por último: Modern man pede bênção ao Radiohead de In rainbows e nos prega uma surpresa aos 45 do segundo tempo. O recado: elas se venderam, mas continuam muito vivas.
Superoito express (13)
Em diferentes sabores e formatos.
Album | Girls | 8.5 | …Que, se fosse um filme, ganharia um título picareta em português, do estilo ‘Retratos de uma vida’. A estreia do Girls é direta e franca, mas acaba soando muito ambiciosa pelo esco do projeto: trata-se de um intenso álbum de fotografias que, em grande parte, exorciza sentimentos adolescentes (rejeição, frustrações amorosas, insegurança, uma aflição sexual meio destrambelhada e garotas, garotas, garotas). Conhecer a história de Christopher Owens — que forma o duo com JR White — não é necessário para gostar de uma banda que parece resumir o que há de especial em alguns dos nossos ídolos (de Elvis Costello aos primeiros discos do Sonic Youth). Mas saber que Owens passou a infância e boa parte da adolescência adestrado pelos dogmas do culto radical Children of God preenche as lacunas de canções como Lust for life e Hellhole ratrace, que tratam o rock como uma espécie de válvula de escape para as dores do mundo. Pura catarse. E soam verdadeiramente sinceras. Um dos álbuns mais emocionantes do ano, fácil.
Popular songs | Yo La Tengo | 7 | Mais um capítulo da tranquila maturidade do Yo La Tengo. E, se isso soa entediante (em alguns momentos, não há outra forma de definir um estilo que parece mesmo estagnado), é interessante como a banda consegue convencer mesmo quando explora velhos truques. A primeira parte do disco (que vai até a faixa 9) é de uma segurança matadora: como se o trio compusesse novos standards para o lo-fi dos anos 1990 (Nothing to hide é perfeita para quem gostou dos discos mais recentes do Dinosaur Jr). A segunda metade, mais experimental, não soa tão memorável, ainda que mostre uma banda sem freios (e isso, nessa altura, é pra lá de bom).
See mystery lights | YACHT | 7 | A partir do momento em que nos convencemos de que não é um novo disco do LCD Soundsystem, tudo termina bem (e The afterlife é uma delícia).
JJ nº 2 | JJ | 6.5 | Eurotrip exótica que dá água na boca de indie americano. Armadilha pra turista. Mas a paródia de 50 Cent (Ecstasy) é uma graça.
Heartbeat radio | Sondre Lerche | 6 | Um disquinho bonitinho, agradavelzinho, extremamente previsível e limitado (quase um Ron Sexsmith) e… Bonitinho e agradavelzinho.
The blueprint 3 | Jay-Z | 5.5 | Mais um capítulo da entediante maturidade de Jay-Z. Nesta altura, está claro que ele deve dedicar-se a histórias que não são necessariamente dele (como no álbum American gangster, que era jóia) e parar de acreditar que existe interesse no cotidiano de um rapper milionário e ególatra (e sério, quem se importa com a “morte do auto-tune”?). Ainda assim, nem tudo é Big Brother (e o bagaço dos Neptunes e do Timbalandem algum sabor).
Love 2 | Air | 5 | Só não é uma total decepção porque o Air ainda tenta encontrar formas de sabotar uma sonoridade que virou grife cedo demais. Mesmo com toda boa vontade do mundo, porém, não dá para negar que é um dos discos mais fracos da banda (talvez o mais fraco, já que soa como decalque, diluição de estilo). E me espanto quando noto que toda a reputação do duo se sustenta num só álbum (o excelente Moon safari), numa coletânea de singles (Premiers sympthomes) e em alguns momentos da trilha de As virgens suicidas. Os outros quatro discos não sabem para onde ir – este aqui segue a tradição.