Disco triplo

Os discos da minha vida (16)

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A saga dos 100 discos que aterrorizaram a minha vida chega a um capítulo especialmente tortuoso, com álbuns mui tensos sobre aquele tema que, vocês sabem, nem curto muito: o amor, meus senhores, o amor.

Antes de abrirmos o pacote de torturas sentimentais, devo lembrar-lhes das regras do jogo: este é um ranking absolutamente pessoal. E que, por isso, parecerá um tanto incoerente e injusto aos olhos de quem se preocupa com coerência e justiça. Fica a dica: não se preocupem tanto, pelo menos não neste caso. É só uma lista, e prometo que ela vai fazer sentido no fim (pelo menos pra mim).

Mentira: não prometo nada. Este blog não promete nada. Neste blog, existe um cacto onde deveria haver um coração.

070 | Portishead | Portishead | 1997 | download

A vida em preto e branco. A vida na névoa. A vida num quarto trancado. E tudo o mais. Vocês preferem o primeiro e estão certíssimos, mas o segundo disco do Portishead é aquele que congela de forma mais assustadora a sensação de uma vida a perigo. Nada de paixões alegres, primaveris: o que se ouve nessas canções é o lamento de romances perdidos, das chances abandonadas, da posse e do medo de ficar só. Beth Gibbons interpreta a personagem principal deste drama bergmaniano com absoluta convicção (a crooner dos nossos pesadelos). Geoff Barrow e Adrian Utley criam a mise-en-scene de uma fita de horror gravada com fitas velhas de VHS. Fotografia granulada, sustos cruéis, álbuns arranhados. E, no fim da projeção, um enigma: como pode um disco tão coeso conter canções que soariam inesquecíveis em qualquer outra narrativa? Top 3: Over, Only you, All mine

069 | 69 love songs | The Magnetic Fields | 1999 | download

O disco triplo do Magnetic Fields é um inventário sobre o amor que, apesar da ambição monumental, soa irônico e caseiro – como um bom álbum de indie rock do fim dos anos 90. A diferença é que nenhuma banda de indie rock americana do fim dos anos 90 contou com um auteur tão destemido quanto Stephin Merrit – o homem que materializava ideias absurdas, ridículas, impossíveis. Eis um projeto extremamente detalhista, obsessivo, que dá a cada faixa um sentido, um conceito muito específico – conceitos esses que remete graciosamente a um ou outro gênero musical, a diferentes estados de espírito, a períodos da música americana, a amores saudáveis e doentios, aos sonhos e à estupidez dos românticos. O tipo de projeto louco que só se lança uma vez na vida, e como quem atira no breu: para nossa sorte, Merrit nos metralha com pequenas canções que amam demaisTop 3:  I don’t want to get over you, I shatter, Absolutely cuckoo.

Os discos da minha vida (5)

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Vamos a mais um capítulo do único, especial, napoleônico ranking dos 100 discos (isso, 100!) que atropelaram a minha vida. Não espere encontrar aqui um guia para os álbuns mais importantes de todos os tempos ou coisa que o valha. Não. Não é disso que estamos falando. Não é disso que estamos falando mesmo.

São dois por semana (vocês já sabem). E eles vêm com links para que você ouça os disquinhos e tente entender por que os danados puxaram o meu tapete.

Curiosamente (não fiz de propósito!), a dupla desta semana diz muito sobre o período em que vivo neste momento (como se você não soubesse…). No mais, são opostos que se atraem: uma descida ao purgatório; em seguida, um aviso reconfortante de que tudo vai passar. Carpe diem.

092 | The downward spiral | Nine Inch Nails | 1994 | download

Meus filmes de horror favoritos são aqueles que, sutilmente, acenam para o público com uma piscadela e nos avisam: ‘sabemos que isso é uma brincadeira diabólica, mas entenda que não estou levando muito a sério’. The downward spiral não é esse tipo de filme de horror. É o contrário: ele não desfaz a marra, não pisca, e por isso deixa a desconfiança de que o narrador pode ter sido contaminado pela angústia do monstro. Trent Reznor narra com tanta convicção o calvário de um homem autodestrutivo (da crise à tentativa de suicídio) que nos mancha de sangue. Que nos converte em cúmplices. Que nos mergulha no caldeirão. Alguns outros tentaram (White Zombie? Pantera?), mas é do Nine Inch Nails o disco mais cruel que já ouvi.

091 | All things must pass | George Harrison | 1970 | download CD1 CD2

Uma grande banda anuncia a separação e, no mesmo ano, um dos integrantes lança um álbum solo, triplo, que acaba por se impor como uma obra-prima. Quais são as chances? All things must pass tem um quê indulgente (no terceiro disco, uma jam que deve ser interpretada como um grito de alforria), mas não é nada que reduza o espanto provocado por este portfólio de Harrison. Enquanto Lennon foi à terapia (e produziu um dos discos mais tocantes de todos os tempos, aguarde-o neste ranking) e McCartney rendeu-se a pequenos prazeres, coube a Harrison defender a vocação dos Beatles para o pop monumental. Quando ouvi pela primeira vez, a sensação foi de alívio: o sonho não acabou.