Disco americano

Surfing the void | Klaxons

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Havia alguns sinais luminosos no disco Myths of the near future, de 2007, que piscavam em nossa direção e nos alertavam: atenção, vocês estão ouvindo uma banda especial.

Eles não eram assim tão numerosos assim (melhor disco de 2007, New Musical Express? Não). Mas estavam lá: na glicerina pop de Golden skans, na névoa cavernosa de Magick, nos delírios sci-fi de Atlantis to Interzone, na euforia meio pateta de It’s not over yet. Quando todas acendiam ao mesmo tempo, essas lamparinas formavam um ótimo álbum de singles.

Mais interessante do que isso: Myths of the near future parecia criar um túnel fluorescente entre dois planetas distantes — o indie-esquizo, onde vale tudo (de bandas como Super Furry Animals e Deerhoof), e um tom ambicioso, até imponente, beirando o ridículo, muito típico do prog rock (um truque que o Foals, por exemplo, operou com muita segurança no disco mais recente).

Eu mesmo nunca descobri se deveria levar o Klaxons a sério ou tratá-los como uns sacanas — acredito que essa confusão, muito saudável, acabou por valorizar a banda e o disco.

Mas o quarteto, talvez por ter se sentido obrigado a pagar o preço pelas expectativas exageradas que foram criadas em torno do disco, sucumbiu a um dos maiores clichês do rock: entrou em estúdio para gravar um “álbum difícil, experimental e denso”. Mais ou menos na mesma época em que o MGMT resolveu fazer a mesmíssima coisa. E pouco depois da jornada americana do Arctic Monkeys, muito parecida.

O filmezinho do Klaxons, no entanto, tem mais cenas de ação e suspense: o disco-enigma acabou rejeitado pela gravadora, faixas gravadas com o produtor Tony Visconti foram rejeitadas e, depois de litros de leite derramado, o bando de Jamie Reynolds foi a Los Angeles, se submeteu às torturas do produtor Ross Robinson (que, por trabalhos prestados para o Korn e o Limp Bizkit, foi chamado de “o poderoso chefão do new metal”) e fez um disco nervosão, pesadão e quadradão.

Surfing the void lembra um pouco Congratulations, do MGMT (é coeso, sólido feito paralelepípedo, com faixas que trombam umas nas outras), e Humbug, do Arctic Monkeys (é uma versão enlameada de faixas que o Klaxons já gravou). Mas soa mais frustrante, principalmente para quem esperava do Klaxons surpresas incríveis.

Aviso logo: elas inexistem.

Myths of the near future era um playground dos horrores, com brinquedinhos coloridos e deformados. Surfing the void é um moedor automático de carne. Cinzento. Não muito assustador (a menos que você tenha algum trauma de utensílios domésticos). E que vai moendo sem parar.

O disco começou como um projeto curioso (mostrar uma banda robusta, confiante, que encontrou um estilo e está com ele até o fim), mas não tem as melodias, as letras, o entusiasmo ou o espírito de aventura para justificar a suposta ousadia. Falando sério: se este disco é ousado, temos que reformar nossos conceitos e respeitar tudo o que o Soulfly gravou nos últimos 10 anos.

Pelo contrário: Surfing the void surpreende por mostrar uma banda descolorida, quase mecânica, tentando múltiplas combinações de Magick (o horror, o peso, o noise, a Macholândia marombada) com os temas amalucados de Atlantis to Interzone. Flashover, o primeiro single, é exatamente essa combinação (e acaba soando como uma faixa de A-Lex, do Sepultura. Isso é cool, amigo indie?). O disco nem chega a irritar, nem chega a machucar nossa sensibilidade (e era isso, aparentemente, o que eles queriam): soa apenas repetitivo, cansado.

A virulência do disco — que deveria provocar arrepios — soa maçante.

Se a ideia era afastar-se do rótulo “new rave”, o Klaxons conseguiu. Da mesma forma como o MGMT foi muito bem sucedido na missão de livrar-se das rádios e trilhas de seriados de tevê. Mas a que custo?

O MGMT se suicidou com um disco de rock psicodélico sessentista que podemos chamar de competente. O Arctic Monkeys foi à farra e tomou doses de stoner rock e outras substâncias ilegais (mais ou menos como quatro adolescentes que se fazem de adultos para entrar numa boate de strip-tease). Já o Klaxons parece entrar na festa errada com o acompanhante errado, no país errado e (pior) na hora errada.

Dizendo assim, parece um disco terrível. Mas não. É apenas mediano. É apenas passável. A capa, por exemplo, é ótima (veja num tamanho ampliado). E, em duas faixas (Venusia, que vai deixar os produtores de True blood salivando, e Cypherspeed), a banda mostra que sabe usar os anabolizantes de Robinson para criar momentos de tensão que reforçam o clima de paranoia (alienígena?) que encobre o álbum. São hits sobre o futuro, mas que apontam para 1998, 1999. Extra astronomical, por exemplo, parece reciclar Setting sun, do Chemical Brothers.

Velha dúvida, novamente: estão de gozação? Ou estão falando sério?

Surfing the void é, como eles nos avisaram, denso. O que talvez, em certos círculos, será considerado um avanço em relação a uma estreia imprevisível e sem rumo (e deliciosa, mas who cares?). Desta vez, o Klaxons sabe muito bem o que quer: surfar no vazio. Um vazio barulhento. Um vazio de becos pouco iluminados. Um vazio enfeitado com adesivos de ETs e naves espaciais. Um vazio muito agressivo. Mas, quando o disco termina, o que nos espera?

Exatamente.

Segundo disco do Klaxons. 10 faixas, gravadas em Los Angeles com o produtor Ross Robinson. Lançamento Polydor. 5.5/10

Superoito express (19)

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Plastic beach | Gorillaz | 7

O terceiro disco do Gorillaz pode não ter provocado as expectativas de um Homem-Aranha 3 ou de um Matrix revolutions (até o quadrinista Jamie Hewlett mostrou certo tédio com a ideia de bolar novas aventuras para o quarteto-cartoon), mas, felizmente, Plastic beach não é o típico desfecho frustrante de trilogia. Na verdade, deixa até a impressão de que a filosofia-Gorillaz pode sobreviver aos personagens de desenho animado — que, admita, já perderam a graça.

E que filosofia é essa? Os álbuns dessa “banda de mentirinha”, roteirizada por Damon Albarn, sempre aproveitaram o clima de brincadeira engraçadinha para provar que colaboração não é necessariamente sinônimo de confusão (isto é: nem todo disco superpovoado de convidados especiais deve soar desgovernado como um projeto do N.A.S.A.). Demon days — com De La Soul, MF Doom, Dennis Hopper, um coro de crianças… — era o Império contra-ataca de Albarn: o episódio sombrio que justificou a saga. E depois?

Plastic beach é um pouco como O retorno de Jedi: mitologia diluída, um tanto oportunista. Mas leve, divertido. Segundo Albarn, é o “disco mais pop” do Gorillaz. Curiosamente, não encontrei nenhum hit do porte de Feelgood Inc (e Snoop Dogg abrindo o disco? Fala sério!). A salada transglobal exagera um pouco no curry (faixas como White flag exploram orientalismos à Quem quer ser um milionário), mas testa sabores inusitados. O melhor deles é o encontro de Gruff Rhys e o De La Soul em Superfast jellyfish. Some kind of nature, com Lou Reed, daria um ótimo ringtone. Já as sóbrias On melancholy hill e Broken mostram que, se dependesse de Albarn, os macaquinhos adotariam um figurino mais soturno. Hora de crescer? Eu não me incomodaria. (Clique aqui para ouvir o disco, na íntegra, em streaming)

Sisterworld | Liars | 6.5

E não é que o Liars, a banda de rock mais instável da geração 2000, escreveu um disco enxuto e acessível (é o “disco americano” deles), que pode ser descrito como um cruzamento (meio doentio, vá lá) do Nick Cave de Murder ballads com o Sonic Youth do fim dos anos 1980? Agora entendo por que o trio decidiu nomear o disco anterior simplesmente de Liars: o estilo que eles cristalizaram lá em 2007 (alternância de agressividade e delicadeza, transe percussivo à krautrock e versos de pesadelo) volta num formato ainda mais compacto. Não é um disco decepcionante, longe disso, mas desprovido dos enigmas e das provocações que conquistaram os fãs de Drum’s not dead, por exemplo. Não sei se o Liars conseguirá sobreviver na pele de uma típica banda indie. Mas, enquanto eles tentam, ficamos com o meio-termo satisfatório de faixas como Scissor e Goodnight everything.

Fight softly | The Ruby Suns | 6.5

O caso do quarteto neozelandês é um pouco mais arriscado: se o Liars tenta encontrar a expressão mais precisa de um estilo, o Ruby Suns tem a ambição de alargar a sonoridade do disco anterior (Sun lion, de 2008), que devia algo à onda “freak folk” dos Estados Unidos. Para evitar comparações, a banda de Ryan McPhun se aproxima da psicodelia tropical de um Islands, com faixas que se desdobram em várias seções (olha o prog rock aí, gente) e criam um ambiente que, nos melhores trechos, soa como uma fantasia infantil dirigida por Tim Burton. Já nos mais fofos e adocicados….

Live at Olympia, Dublin | R.E.M. | 6

Desde 2007, o R.E.M. lançou dois discos ao vivo. Devemos interpretar como sintoma de crise na indústria de discos ou na carreira da banda? Ou nos dois departamentos? De qualquer forma, a premissa é boa: o álbum duplo registra a série de cinco espetáculos que o trio apresentou em Dublin entre junho e julho de 2007. “Isto não é um show”, avisa Michael Stipe logo no comecinho do álbum. A ideia é quebrar o protocolo: clima informal, bate papo com fãs, versões nuas e cruas para canções que a banda gravou nos anos 80… Um “work in progress” que desaguaria no álbum Accelerate, de 2008. Exaustivo, nada aventureiro, mas os fãs mais aflitos vão entender.