Desencanto

Os discos da minha vida (42)

Postado em Atualizado em

Este é, senhoras e senhores, o quadragésimo segundo capítulo da saga dos 100 discos que fazem a tracklist da minha vida. Hoje, sem prólogo.

018 | Loveless | My Bloody Valentine | 1991 | download

Antes de ter cravado as garras na história do rock (e ele se transformou num disquinho influente, meus amigos), Loveless era apenas ruído rosa: durante toda a década de 90, um álbum que destoava de tudo o que ouvíamos na MTV e na rádio. Extremamente delicado e às vezes extremamente incômodo (e estamos falando numa obra de extremos), o testamento de Kevin Shields é um daqueles projetos destemidos em que um artista pop decide testar os limites das tecnologias de gravação (e em que, nesse processo exploratório, acaba declarando guerra à gravadora responsável por pagar pela festa). Mas isso tudo é história da música pop, certo? Para mim, o que fica de Loveless é a repetição infinita de Sometimes no porão do meu cérebro, indo e voltando como uma canção de ninar pré-histórica, transmitida por meus antepassados. A impressão é de que esta música sempre esteve aqui, entre nós. Ainda me espanto quando percebo que ela foi composta no período em que eu era um menino de 11 anos de idade. Top 3: Sometimes, Only shallow, To here knows when.   

017 | Grace | Jeff Buckley | 1994 | download

Lembro que eu já conhecia duas ou três músicas de Grace antes de comprar o CD. Jeff Buckley ainda não havia morrido, então estávamos livres da carga mitológica que passou a envolver este álbum. Comprei porque havia algo em Last goodbye que gelava meus nervos (a linha de baixo, acho que era isso), e convidei meu pai para a primeira audição. Ligamos o disco num volume alto talvez demais: foi engraçado notar como o estrondo da faixa título, logo após a introdução meio indiana, deixou o velho surpreso. “Uau”, ele disse (e parecia um menino diante de uma montanha-russa sofisticada), e ali eu consegui me identificar com meu pai como em poucas vezes. Nos anos seguintes, voltei a este disco muitas vezes, sempre com um destino diferente. A fase Lover, you should’ve come over foi a mais duradoura: era uma música romântica demais, que talvez tenha me estragado um pouco. Passei a procurar casos de amor que fizessem justiça à canção, mas eles não existiam. Coisa de adolescente. O disco, apesar disso, seguiu galante, the one and onlyTop 3: Last goodbye, Lover, you should’ve come over, Grace.

Após o pulo, confira os discos que já apareceram neste ranking.

Leia o resto deste post »

Rolling blackouts | The Go! Team

Postado em Atualizado em

Terminamos o namoro há mais de três meses e ainda não consigo olhar os casais de namorados — principalmente os mais adoráveis — sem me sentir mal.

De umas semanas para cá, no entanto, algo mudou em mim. Antes eu olhava os casais e pensava: “que terrível, eles são felizes e eu não”. Hoje penso: “que pena, não tem final feliz.”

É um sentimento ruim: desencanto. Não me orgulho dele.

Daí que, talvez inspirado no espírito natalino, criei para mim um programa de 12 passos para vencer a desilusão. O primeiro: ir ao shopping center mais movimentado da cidade e enfrentar os casais.

Aconteceu anteontem. Cheguei meia hora antes da sessão de cinema e fiquei sentado num banco assistindo à comédia romântica que as pessoas encenam nos shopping centers. Triste.

Os casais tão satisfeitos e alegres admirando as vitrines e roubando beijos e dividindo sorvete e abraçando pela cintura e cochichando no ouvido e aqueles sorrisos que dizem ao mundo “estou sonhando, estou flutuando, não quero mais nada, minha vida está completa”.

Não aguentei 10 minutos (mas vou tentar de novo).

Outro desafio é ouvir discos otimistas. Por coincidência, comecei a escutar o novo do Go! Team exatamente no dia em que fui ao shopping ver os casais. Logo nos primeiros acordes — um mashup alucinado de gritos de cheerleaders, trilha de filme barato, confete e serpentina — notei que não era para mim. Voltei à névoa (ou: ao novo do Destroyer).

No dia seguinte fiz uma outra tentativa. Não de voltar ao shopping, mas de ouvir Go! Team. Antes, percebi que a minha lista de melhores álbuns de 2010 está cheia de lançamentos depressivos, que me perturbam, me servem de espelho.

Daí que voltei ao Go! Team num momento mais apropriado (um dia de sol) e consegui me simpatizar com este disquinho otimista, que mira o pop com a lente da euforia. Ian Parton, o compositor da banda, não consegue esconder o prazer que sente em relação à música, às próprias referências (homenageadas explicitamente), ao turbilhão sonoro que cria. Está tão satisfeito, tão empolgado com tudo isso que o disco possivelmente não entrará em nenhuma lista de melhores de 2011 (elas são feitas por sujeitos como eu, em eterna agonia, insatisfeitos e exigentes demais).

Ouvir o disco é como assistir a um casal se beijando, na praça central do shopping, num domingo à tarde. Um tipo banal de idílio.

Não é um disco pop da Robyn, por exemplo, que nos espezinha mesmo nos trechos mais agradáveis. É um disco pop da fase mais recente do Belle & Sebastian, que nos conforta e nos faz cócegas.

E um disco muito sortido e até um pouco adulto, já que, desta vez, o objetivo de Parton é criar canções mais redondinhas, que não nos soterre violentamente. Tem participações de Satomi Matsuzaki (do Deerhoof, na lindeza doce que é Secretary song) e de Bethany Constantino (do Best Coast, na minha favorita do disco, Buy nothing day). Não soa coeso, mas era essa a ideia.

Cada faixa é um brinquedo no playground: Ready to go steady, por exemplo, é a guloseima vintage que poderia estar num disco do Camera Obscura; Yosemite theme soa como trilha de desenho animado japonês; a faixa-título, Rolling blackouts, é dream-pop interpretado por fãs de Sonic Youth. O que não muda no disco inteiro é a sensação de que ele foi gravado numa semana em que tudo deu certo.

O problema (e aí entra o ouvinte exigente demais) é que esse clima desencanado, rasteiro, justifica certa preguiça de se esforçar. O sexteto acena para os ídolos sem encontrar um lugar no mundo para si própria. No primeiro disco, Thunder, lightning, strike (2004), o Go! Team parecia uma daquelas bandas que já nascem com um estilo arrematado. Agora ela passa a soar derivativa (talvez abalada pela reação desanimada ao disco anterior, Proof of youth, de 2007) e, por isso, deixa uma impressão menos forte.

Mas é um disco que, como os outros que eles lançaram, combina perfeitamente com os nossos dias felizes e periga nos machucar nos nossos momentos mais desiludidos. O Go! Team ainda é uma banda de rock que pisca incessantemente, como um letreiro luminoso de vinte metros de altura. Às vezes cansa.

Não é para qualquer um. Não é para todas as horas. Depois de um dia inteiro me engordurando de Go! Team, voltei ao disco do Destroyer e senti um pouco de alívio. Talvez o problema esteja em mim.

Terceiro disco do The Go! Team. 13 faixas, com produção de Gareth Parton. Lançamento Memphis Industries. 6/10

Helicopter | Deerhunter

Postado em

Bradford Cox nos encara enquanto o mundo explode (num monitor de tevê). Lindo clipe, este. Esfumaçado e desencantado como as melhores canções do Deerhunter. E esta, Helicopter, é uma das grandes.

Phrazes for the young | Julian Casablancas

Postado em Atualizado em

Se depender das listas de melhores discos da década que foram publicadas até agora, deveríamos chegar à seguinte conclusão: por acidente ou mágica, o Strokes concebeu um dos maiores álbuns dos últimos dez anos (a estreia, Is this it, de 2001) e, logo em seguida, provou ser uma banda de rock menos interessante do que imaginávamos. Em resumo: eles nos desapontaram. E, sem fôlego ou talento (ou ambos), acabaram pisoteados por contemporâneos como White Stripes e Yeah Yeah Yeahs.

É exatamente este o problema das listas de melhores: elas simplificam tudo.

A história, obviamente, não aconteceu dessa forma – ainda que possamos, e com razão, entender a saga dos Strokes como uma canção que começou em tom maior e, depois do primeiro refrão explosivo, acabou se desenrolando com alguma melancolia. Mas quem se prende ao impacto de Is this it perde uma parte dramática dessa trama: a partir do segundo álbum, os nova-iorquinos ressaltaram o tom confessional, dolorido, de um estilo que, até então, escondia essa carga de amargura e desespero sob camadas de (brilhantes) artifícios. A armadura cedeu.

Preste atenção sobretudo a Room on fire, de 2003, o segundo disco: é ali que o Strokes descobre em Julian Casablancas um band leader disposto a comparilhar angústia. O álbum abre com os versos “I wanna be forgotten, and I don’t want to be reminded” (“Eu quero ser esquecido, e não quero ser lembrado”), de What ever happened, e fecha com uma faixa intitulada I can’t win (Eu não posso vencer). Algo andava errado com Julian, mas estávamos todos entretidos demais para notar.

O disco seguinte, First impressions of Earth (2006), que soava como um esforço conjunto, amenizou a turbulência emocional do vocalista. Mas a crise criativa se fez mais audível que nunca num disco disforme, excessivamente longo, que lutou contra os limites da própria banda e perdeu a briga. Não é de se admirar que Julian tenha ficado em silêncio nos três anos seguintes, enquanto o guitarrista Albert Hammond Jr gravava dois trabalhos que, no máximo, provavam que era ele o autor de muitos dos riffs econômicos e afiados da banda. Mas e a alma do Strokes? A força vital que fazia da banda uma máquina dançante e agoniada? Rodrigo Amarante que me perdoe, mas não a encontramos em nenhum lugar.

É assim que finalmente chegamos a Phrazes for the young, um exercício de tentativa-e-erro que, apesar de todos os deslizes, mostra didaticamente a importância de Julian para o Strokes. Lembro que, no primeiro álbum da banda, muitos tratavam o vocalista como um garoto-propaganda, um poser bem-nascido que cumpria preguiçosamente o papel de frontman. Nada mais equivocado. No primeiro disco solo, ele não apenas demonstra um tipo raro de inquietação criativa (e acaba atirando para todos os lados, sem dó) como comprova que, sem ele, o Strokes seria uma banda estilosa, cool e divertidíssima, mas sem coração.

O disco abre, talvez para nos convencer disso, com uma faixa que parece dar sequência à fúria autodepreciativa de Room on fire: Out of the blue começa com o verso “Somewhere along the way, my hopefulness turned to sadness” (“Em algum ponto do caminho, minha esperança se transformou em tristeza”), o que soa, no mínimo, sintomático. A canção desce gloriosamente a ladeira com um misto de orgulho ferido, empáfia e franqueza. “É isso o que acontece com a maior parte das pessoas no mundo”, ele conta. Um príncipe caído. No final do disco, Julian diz sentir-se um turista em qualquer lugar onde vá. Não sei o que vocês pensam sobre isso, mas eu entendo. E é triste.

Acredito que poucos tenham se preocupado com as letras das canções gravadas pelos Strokes, daí a dificuldade de entender que elas carregavam um subtexto sombrio – eram, quando não se metiam em caminhos impressionistas, retratos de um certo desencanto com a idade adulta. O disco de Julian explicita essa sensação. “Estou a caminho de algum lugar. À esquerda e à direita no escuro”, admite, em Left and right in the dark.

Não é desta vez, no entanto, que Julian gravou um Blood on the tracks. A sonoridade que acompanha as letras é quase sempre luminosa, decalcada descaradamente de pop rock oitentista (o início de 11th dimension, por exemplo, lembra Van Halen) e com frufrus musicais que lembram luzes pisca-pisca, chamando repetidamente a nossa atenção para os efeitos especiais. Musicalmente, Julian parece ter desenhado o álbum como um antídoto aos discos do Strokes: as faixas são longas e rebuscadas, o tom é de experimentação (o miolo do disco é country rock desajeitado, talvez cortesia de Mike Mogis, do Bright Eyes, que colaborou na produção) e há até algumas bizarrices eletrônicas que lembram o Thom Yorke de The eraser (River of brakelights é o parente mais próximo), com loops repetitivos no lugar dos acordes de guitarra.

No fim da aventura (que, para o meu gosto, soa mais vibrante que o terceiro disco do Strokes), ficamos com um perfil contraditório de Julian: quando lemos os versos, encontramos a ressaca de um ídolo; se paramos de prestar atenção neles, ouvimos um disco tão hiperativo quanto o mais recente do The Killers. É isso e não é. A ambiguidade e a coragem de Julian fazem deste um álbum para colocarmos naquela prateleira quase vazia dos projetos solo que não se contentam com qualquer rascunho. É um disco completo, inteiro.

Podemos confiar em Julian. E, pelo menos aqui, ele nos deixa com a impressão de que o melhor está por vir.

Primeiro álbum solo de Julian Casablancas. 8 faixas, com produção de Jason Lader. Rough Trade/RCA. 7.5/10