Densidade

Sir Lucious left foot: the son of Chico Dusty | Big Boi

Postado em Atualizado em

Há mais ou menos 10 anos, o OutKast era praticamente o reino de André 3000. Ele era o rapper de criatividade incansável, o showman hiperativo e destemido, o entertainer que parecia ocultar uma quantidade infinita de ideias alucinadas. O hitmaker. O mágico de circo.

É claro, sim, havia Antwan Patton, o Big Boi. Mas ele não parecia se incomodar muito com a pecha (injusta, veremos a seguir) de vice.

O ápice comercial da dupla (o single Hey ya!, em 2003) se converteu numa medalha dourada para André 3000. Com justiça, aliás: o hit estava no “disco solo” do moço, The love below – que, junto com Speakerboxxx, formava o quinto álbum do OutKast.

Lembro muito bem de quando aquele disco duplo (uma joia) foi lançado. Em um primeiro momento, a impressão era de que todos estavam enfeitiçados por The love below, a face mais sortida (fortemente influenciada por Prince, mas também por eletrônica, soul music e até space rock).

Mas, com o passar do tempo, começou a aparecer uma onda favorável a Speakerboxxx, um projeto menos feérico, um “álbum de hip-hop” quase típico. Há quem diga que é um disco mais sólido, duradouro, que vai nos conquistando mesmo quando a poeira baixa.

Eu, honestamente, não tenho um favorito. Eles se completam, como costumam dizer.

Acredito que mora aí, nesse contraste, a principal diferença entre André 3000 e Big Boi (e a razão da crise do OutKast): enquanto André procura o impacto imediato e o susto (daí o crossover com o pop e o rock), Big Boi prefere a criação lenta e firme a partir de elementos do hip-hop, do funk e da soul music. São dois humores.

O primeiro disco solo de Big Boi, Sir Lucious left foot, tem uma estrutura muito parecida à de Speakerboxxx: concentra uma quantidade generosa de faixas muito sólidas, redondas e às vezes densas – que, por isso, crescem com repetidas audições. É como se, ao contrário de André 3000, ele preferissa guardar as próprias ideias por anos a fio, até que elas finalmente se transformassem em singles completos – com início, meio, fim – de hip-hop.

Antes mesmo do lançamento, o álbum já rendeu cinco singles – e aposto que, para a alegria da Def Jam Records/Universal (que o tirou da Jive Records/Sony) renderia muito mais. Big Boi é o sujeito que só grava o que, para ele, precisa ser gravado.

Pode parecer uma tolice falar em concisão quando o assunto é um disco de 15 faixas e 55 minutos de duração, mas o álbum soa até econômico: cada faixa investiga uma ótima ideia (um som, um sampler, um efeito), a começar pelos climas de fita policial dos anos 70 de Feel me, pelo arranjo jazzy de Turns me on e pelo tempero oriental de Tangerine. Isso tudo dentro de um modelo que, para o gênero, beira o convencional (com um elenco numeroso de participações especiais e produtores).

A quem está surpreso com o altíssimo nível do disco, portanto, recomendo voltar a Speakerboxxx. É que, francamente, não há muitas novidades. Big Boi sempre foi assim: um sujeito que não se impressiona com passes de mágica (e é até curioso que ele tenha descoberto Janelle Monáe, que soa muito mais como uma discípula de André 3000). Para Patton, o desafio é alterar sutilmente estruturas que soam familiares, criar as rimas exatas e, ao mesmo tempo, singulares. É uma invenção serena, quase secreta.

Nisso, este disco solo não falha. Há algo de extraterrestre em faixas como You ain’t no DJ, toda construída com ruídos quebradiços (e produzida por André 3000, veja aí). E não me canso de voltar à excelente Shine blockas, que vai virando um drum ‘n’ bass cheio de foreios psicodélicos. Como André, Big Boi sabe se divertir.

Mas também sabe (e isso é importante) criar álbuns de hip-hop com a gravidade, a densidade sonora dos grandes discos do gênero. E aí falo de um The blueprint, do Jay-Z, ou de um It takes a nation of millions to hold us back, do Public Enemy, de um Illmatic, do Nas. Big Boi ainda não ameaça os “clássicos”, talvez por não marcar os versos com um discurso tão poderoso e particular quanto a base musical (mas, ainda assim, “sharp as broken glass”).

Big Boi não tem pressa para atingir a linha de chegada. Ele quer correr bonito. E Sir Lucious left foot, junto com Speakerboxxx, prova que, se preferir, ele não precisa mais se submeter a provas de revezamento.

PS: E taí um exemplo de como o som de Big Boi nos contagia lentamente – na quinta ou sexta audição, um pouco depois de ter escrito este texto, descobri que não há uma única música neste disco que me desagrada. E há pelo menos quatro que são extraordinárias. Nada disso é uma questão de matemática, mas desconfio que estará entre os meus preferidos do ano.

Primeiro disco solo de Big Boi. 15 faixas, com produção de L.A. Reid, Organized Noise e outros. Lançamento Def Jam Records/Universal. 8/10. 8.5/10

Mines | Menomena

Postado em

Entendo por que tanta gente se espelha em bandas como o Grizzly Bear, o TV on the Radio. Eles, os nova-iorquinos, correram atrás de uma marca, de um lugar no mundo, e encontraram tudo isso.

Também compreendo que muitos tenham o enorme desejo de gravar discos como Veckatimest e Dear science. Álbuns coesos, duros, determinados, densos – a cristalização de um estilo! – mas também fascinantes, misteriosos.

Mas a vontade de ser uma banda como o Grizzly Bear ou o TV on the Radio e de gravar discões como Veckatimest e Dear science, é claro, muitas vezes é apenas uma vontade: concretizar essa ambição é que são elas.

Pois bem: Mines, o disco mais ambicioso do Menomena, mostra que não é fácil desenvolver uma trajetória particular, inimitável, dentro do indie rock. Não é fácil ser o novo Grizzly Bear, muito menos o novo TV on the Radio.

O Menomena, um trio de Portland, Oregon, está no quarto disco e, até agora, não pareciam muito interessados em definir uma identidade sonora. O anterior, Friend and foe (2007), era um tiroteio de promessas. Uma sacola de cacos de vidro. E um ótimo disco, com faixas fortíssimas como Evil bee e Wet and rusting. Ainda hoje, gosto muito dele.

Era complicado definir o som da banda e, por isso, muitos diziam que eles criavam arranjos “angulosos” (o que é verdade), com um emaranhado instrumental imprevisível (um quebra-cabeças de loops) que acenava para o math-rock de um Battles, por exemplo, mas com uma tendência a melodias sentimentais, doces. Era mais ou menos isso.

Essa definição também pode ser aplicada a Mines, mas trata-se de um disco menos brincalhão e arejado que o anterior. Naquele, cada música parecia ter sido gravada num dia diferente. Neste, as 11 faixas soam como se tivessem saído de um mesmo ensaio e, três minutos depois, lacradas a vácuo.

Antes, havia lacunas no quebra-cabeças. Essas lacunas soavam misteriosas. Algumas faixas não soavam exatamente como canções, mas como esboços de canções. Desta vez, o Menomena resolveu usar as peças do puzzle para formar canções bem acabadas, às vezes redondinhas.

Mines é um disco bitolado numa “ideia-fixa”: as canções soam mais melodiosas (e menos aventureiras), sutis, mais detalhistas e, alguns momentos, sisudas, cabisbaixas, como capítulos de uma história triste. Em vez da caixinha de surpresas, um bloco maciço daquilo que eles entendem por maturidade.

Se fosse possível catalogar toda a história da música pop em dois tipos de álbuns – os juvenis e os adultos -, Mines seria um álbum adulto. Friend and foe, um juvenil (mas não se preocupe: essa catalogação maluca é uma bobagem).

É uma bela reviravolta na carreira da banda, que será defendida por muita gente (procure na web: há fãs tratando o disco como um dos melhores do ano), mas a questão é: eles conseguem bancar o salto?

Fato: o Menomena aprendeu a usar uma aquarela de timbres, loops e efeitos (e tem de tudo: guitarras, sintetizadores, sopros dissonantes, piano de casa do espanto, coros fantasmagóricos, percussão, palminhas, etc) para compor uma imagem harmoniosa. Perto disso, Friend and foe era Jackson Pollock.

Há canções aqui, como Dirty cartoons e Tithe, que poderiam ser confundidas com baladas do Coldplay e do Snow Patrol. E do Elbow. São quase convencionais. E, ainda assim, soam belas, cuidadosas, corretas.

Meu problema com o disco está nessa última palavrinha: ele soa corretinho. E, para uma banda de rock que parecia solta no mundo, tateando possibilidades, essa tendência ao comodismo me parece meio assustadora. Era só isso que eles queriam? E, nessa perspectiva, como fica o disco anterior?

Ainda assim, Mines não parece errado: existe um lugar nas rádios para o Menomena, eles soam sinceros e verdadeiramente desiludidos com alguma coisa (as letras, escritas na primeira pessoa, lidam com inseguranças e responsabilidades da idade adulta, temas com que podemos nos identificar, e há um tom surrealista, um clima de paranoia urbana que deixa tudo mais complexo). Junto do Morning Benders, do Dodos e de alguns outros, eles entendem que é possível arredondar referências de rock psicodélico sem tomar o rumo de elevadores e consultórios de dentistas. E isso é bom.

Não estamos falando de um disco aguado como o terceiro do Band of Horses.

Mines é um álbum coeso, para ser montado e desmontado lentamente? Sim. Indica a possibilidade de algum sucesso comercial? Talvez (eu não duvidaria). A certidão de nascimento de um estilo? Ainda não.

De qualquer forma, fico imaginando o que teria acontecido ao Menomena se eles tivessem mergulhado no caos colorido de Friend and foe e descido mais fundo naquele laguinho. As bandas de rock não devem ser o que queremos delas. Elas são o que são. Mas fico aqui imaginando.

Quarto disco do Menomena. 11 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Barsuk Records. 7/10