Danger Mouse

Superoito express (26)

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How I got over | The Roots | 7

Note o paradoxo: How I got over está entre os discos menos caóticos que o Roots já gravou (e é conciso, o danado: um álbum de hip-hop e R&B cheio de participações especiais e com apenas 42 minutos de duração) – mas é também, e de longe, o mais ameno entre todos os que ouvi deles (e ouvi vários). Não sei se interpreto esse momento como uma resposta da banda à era Obama ou às transformações no mercado pop norte-americano (o rapper mais badalado do momento é o Drake, um sujeito romântico e doce). De qualquer forma, é um novo tempo.

E, não tenho dúvidas, é um disco que cumpre os próprios objetivos de uma forma muito precisa e com eficiência germânica: uma coleção de hits agradabilíssimos (Walk alone, Radio daze, Now or never, são tantos…)  que confirma o gosto da banda por andar “on the indie side”, com flertes a Monsters of Folk (Dear God 2.0, que tem ares de Fleetwood Mac), Dirty Projectors (A peace of light) e Joanna Newsom (Right on tem sample da moça), sem abandonar o mainstream (vide a ponta de John Legend e a produção polida, sob medida para as rádios). O discurso também continua comprometido com o social e levemente agoniado, ainda que positivo. O importante é que eles ainda fazem a coisa certa, e a faixa-título começa assim: “Nas ruas onde cresci, sempre me ensinaram a não estar nem aí. Esse tipo de pensamento não te leva a lugar algum. Alguém tem que se importar.” Sacou? Mesmo mansinhos, eles ainda se importam. 

Brothers | The Black Keys | 7

O sexto álbum do Black Keys é uma espécie de continuação de Attack and release (2008), também produzido por Danger Mouse, com o mesmo blues-rock compacto, comprimidíssimo (o maior impacto no menor espaço), que soa como se alguém tentasse encaixar o som do Led Zeppelin dentro de um dedal. Mas, ao mesmo tempo, Brothers estica esse estilo para que caiba numa tela grande. É uma questão de duração: em 15 faixas, a dupla se obriga a se exercitar mais. E, nesse esforço, a banda acaba beliscando o pop (as últimas faixas, baladonas bluesy, são até tocantes). Claro que nem tudo dá certo, e o duo ainda me incomoda muito quando faz o decalque fácil de uma certa estética de brechó à anos 70, sem nervos, sem sangue, diluída para desfiles de moda e peças publicitárias (e aí chegam muito perto de um Lenny Kravitz). Tropeços acontecem, mesmo quando (acredite) estamos falando do disco menos acidentado que eles gravaram.    

Love king | The-Dream | 7

Timing perfeito: o terceiro de Terius Youngdell Nash chega na cola de Thank me later, a estreia do Drake. Eles disputam o título de melhor álbum perdidamente amoroso de rap ‘n’ soul, e não vejo muitos outros concorrentes na pista (a menos que Kanye West decida manter o tom dramático de 808s and heartbreak, o que acho improvável). Por mim, dá empate. Drake me agrada um pouco mais, já que me parece tão convencido quanto vulnerável, cheio de dúvidas e traumas de infância e frescurinhas mil. The-Dream é só convencido, mas tem a vantagem de trabalhar duro para aninhar um estilo – enjoativo ou não (e, em muitos momentos, não tenho paciência para o excesso de mel com morangos e chantilly das faixas bônus), este som aveludado é só dele. Love vs. money (2009) era mais sortido, mas Love king soa como um álbum conceitual (!) muito ambicioso, sexy toda vida, às vezes cafajeste (ouça Sex intelligent) e meio monocórdico sobre… o amor, o amor e o amor, é claro (também sobre sexo com champanhe num pornô-chic dos anos 80, quando muito). Coloque na estante perfumada ao lado de Futuresex/Love sounds, do Justin Timberlake.     

Recovery | Eminem | 5

Demora apenas duas faixas. E lá vai: “Os críticos nunca têm nada legal para dizer, cara. Você quer saber o que eu penso sobre os críticos? Os críticos nunca perguntam como foi o meu dia.” Recovery é bem isto: um disco totalmente na defensiva. Curiosamente, o próprio Eminem parece admitir essa má fase – caso contrário, o nome do disco não seria Recovery, e sim algo imponente do tipo Staying on top ou Still king. Daí que, se o álbum anterior (Relapse, 2009) era uma tentativa bem picareta de reprisar o que deu certo antes (o humor cartunesco, a persona violenta, o clima de fita de horror, as paródias pop, etc), o novo tenta algo como The blueprint 3, do Jay-Z: um disco de rap comercial by-the-numbers, eficiente, 1×0 sem show de bola, com participações especiais de gente famosa (Pink, Lil Wayne, Rihanna) e samplers que já ouvimos de algum lugar (tem até What is love, do Haddaway!). Se a meta de Eminem era sair com um disco mediano de rap, que qualquer outro rapper mais ou menos talentoso poderia ter gravado, conseguiu. E pelo menos sobre um aspecto os críticos vão ter que concordar: é menos vergonhoso do que os dois anteriores.

Mark Linkous, R.I.P.

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Todos os discos gravados por Mark Linkous soam um pouco como cartas de suicídio – até os falsamente otimistas, como o excelente It’a a wonderful life (2001). Mas, ainda assim, recebi a notícia da morte do compositor – o homem-Sparklehorse – como uma surpresa terrível. Ela chega no momento em que finalmente ficaram acertadas as negociações para o lançamento do projeto Dark Night of the Soul (com Danger Mouse), atravancado pela EMI.

Como nas canções de Elliott Smith, o desespero de Linkous nunca pareceu encenado. Pelo contrário: deixava no ouvinte uma sensação dolorida de impotência. Diante das caixas de som, éramos testemunhas, confidentes – mas não havia como ajudá-lo. Daí a dificuldade que é ouvir um disco como Good morning spider (1998), tristíssimo, ou até o próprio Dark night of the soul, todo narrado em tons de cinza, sussurrado. 

Nos álbuns mais recentes, Linkous usou da ironia para camuflar o sofrimento: It’s a wonderful life e Dreamt for light years in the belly of a mountain (2006) amenizam a tragédia com alguma tinta de fantasia. Mas, desde o início (meados de 1995), ele não conseguiu (ou não quis) esconder essa tal “escuridão da alma”. Era o que esperávamos dele, aliás. Mas existe algo de heroico na coragem dos que aceitam sofrer em público?

Não faço ideia.  

Aos mais fortes, recomendo Good morning spider, um dos meus discos preferidos dos anos 90. Mas aviso: é uma paulada.

Superoito express (17)

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Hidden | These New Puritans | 8

O segundo disco do These New Puritans é a trilha sonora não-oficial (e ok, não-intencional) para De olhos bem fechados, de Stanley Kubrick. Talvez inspirados pela jornada de Tom Cruise na noite escura, o quarteto inglês escreveu um ciclo de canções que oscila entre o delirante (juro que não entendi a letra de Hologram, que lembra um Thom Yorke depois da terceira dose de Red Bull) e o operístico (We want war é um espetáculo em 3D com início, meio, fim e pelo menos duas variações de humor).

Vivemos numa época que exige muito de bandas de “art rock” — o conceito parece ter se diluído em todo canto (o disco novo da Shakira, por exemplo: tem gente dizendo que é um bocadinho arty). O TNP banca o desafio sem medo de engasgar com o próprio veneno. Daí que Hidden soa, nos momentos mais bizarros, como uma colaboração insana entre System of a Down, TV on the Radio, M.I.A. e Why. Seria só virtuosismo e falta de noção, não fosse o feixe de melancolia que amolece todas essas loucas melodias.

There is love in you | Four Tet | 7.5

Desde o inesquecível Rounds (2003), Kieran Hebden me decepcionava por compor dentro dos limites de uma zona de segurança que, para ele, parecia cada vez mais confortável. O novo do Four Tet mostra um geniozinho novamente irrequieto, ainda que se movimentando em direção a uma eletrônica mais previsível. É o álbum menos irregular que ele já gravou, sim, mas também o menos aventureiro. Dito isso, Hebden reencontra o equilíbrio entre dance music, sensibilidade ambient (Brian Eno adoraria tudo isso), um senso de melodia próximo do pop e barulhinhos quase sempre sublimes. Os melhores momentos do disco são também alguns dos maiores do ano: a fantasmagórica Angel echoes, a sensual Love cry, a hipnótica Sing. Diante dessa trinca, nem dá para reclamar muito.

Broken Bells | Broken Bells | 6

Devo admitir que sujeitos hiperativos e agoniados como Brian Burton — o seu, o nosso Danger Mouse — me incomodam um pouco. É que, apesar dos esforços para despertar simpatia, eles simplesmente não conseguem se concentrar. Daí que, pouco depois de trocar pílulas coloridas com o Sparklehorse no disco Dark night of the soul, cá está o moço novamente entre nós, à frente de mais um projeto interessante porém prematuro. No caso desta parceria com James Mercer (The Shins), o bolo também sai do forno meio solado: as canções, que não fogem da fórmula do Shins, ganham uma maquiagem apressada do produtor e DJ. Poucas respiram, como o single The high road (Beck cuspido e escarrado) e a maresia psicodélica de Sailing to nowhere, cujo título resume o disco.

Scratch my back | Peter Gabriel | 3

Se a ideia era criar uma longa, lenta marcha fúnebre para a música pop, Peter Gabriel conseguiu: difícil ouvir este disco até o fim sem ficar com a impressão de que o sujeito está matando alguma coisa. Produzido por Bob Ezrin (The wall), esta coleção aleatória de covers bate em duas teclas: ora soa como muzak superproduzido (com arranjos apoteóticos de cordas), ora como um pocket show movido a piano e voz. Os novos arranjos são enigmáticos: só pode ser irônica a forma como Gabriel infla uma canção do Magnetic Fields e ameniza todo o drama que existe nas confissões de Bon Iver ou em Heroes, de David Bowie, que abre o disco. A interpretação é sempre triste, cabisbaixa, como quem pede desculpas pelo golpe baixo. Mas taí: na próxima ida ao dentista, talvez você ouça uma música do Arcade Fire.

50 discos para uma década (parte final)

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Em Brasília, são 22h. Vamos terminar esta novela?

Primeiro, devo lembrar (até para os que chegarem depois) de mais uma fornada de discos que ficaram de fora da lista. Infelizmente, não tem lugar para todo mundo entre os meus 50 favoritos da década. Mas vejam a situação com otimismo: se muita coisa boa foi limada da lista, isso significa que vivemos uma década (musicalmente, pelo menos) muito inspirada e devemos ficar felizes com isso. Certo?

E, também para a posteridade: os vencedores foram anunciados ao vivo, com o apoio de uma conexão precária e ao som do greatest hits do Blur.

São eles (em ordem alfabética): Boy in da corner, Dizzee Rascal, For Emma, forever ago, Bon Iver, From a basement on the hill, Elliott Smith (hors-concours), The Futureheads, The Futureheads, Good news for people who love bad news, Modest Mouse, Heartbreaker, Ryan Adams, The hour of bewilderbeast, Badly Drawn Boy, In search of…, N.E.R.D., Jim, Jamie Lidell, Microcastle, Deerhunter, Myths of the near future, Klaxons, Parachutes, Coldplay, The runners four, Deerhoof, Since I left you, The Avalanches (heresia ter ficado de fora!), The Carter III, Lil Wayne, Vampire Weekend, Vampire Weekend, XTRMNTR, Primal Scream.

E prometo não demorar muito entre um post e outro (sabe como é: tem muito texto, isto deu um trabalhão e eu gostaria de verdade que vocês lessem pelo menos a primeira frase de cada um dos comentários, por favor).

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10. Smile – Brian Wilson (2004)

A história ainda parece inacreditável: quase 40 anos depois, Brian Wilson finalmente concluiu uma das grandes obras fantasmagóricas da música pop. Só por isso – esse esforço obsessivo, heroico – Smile já seria um monumento. Mas não fica nisso. Os fãs dos Beach Boys já conheciam as músicas que estão no disco, mas não faziam ideia de um detalhe fundamental: juntas, as peças do quebra-cabeças finalmente se encaixam numa sinfonia pop que, além de soar deslumbrante do início ao fim, esclarece as ambições do projeto e (ainda que tardiamente) leva adiante as loucuras de Pet sounds. Curiosamente, em tempo de Flaming Lips, Animal Collective e Fiery Furnaces, as experiências de Wilson soaram novas. De novo.

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9. Discovery – Daft Punk (2001)

“O disco tem muito a ver com a nossa infância e com as memórias que temos daquela época. É sobre nossa relação pessoal com aquele período. É menos um tributo a uma era musical (de 1975 a 1985) e mais a forma que encontramos de focalizar o tempo em que tínhamos menos de 10 anos de idade. Quando você é criança, você não julga ou analisa música. Você gosta porque gosta. Você não quer saber se é cool ou não é. Este disco encara a música de uma forma brincalhona, divertida e colorida. É sobre a ideia de olhar para algo com a mente aberta, sem fazer muitas perguntas. É sobre a relação verdadeira, simples e profunda que temos com a música”, Thomas Bangalter (e só tenho duas coisas a acrescentar: é o grande momento do Daft Punk e um modelo para quase tudo o que foi feito em electropop na década).

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8. Merriweather Post Pavilion – Animal Collective (2009)

Uma lista séria sobre a década deve conter pelo menos dois álbuns do Animal Collective, uma banda que gravou o primeiro disco exatamente em 2000 e chegou madura a 2009. Além de Merriweather Post Pavilion, que é a obra-prima deles, eu escolheria Feels, o auge da psicodelia folk que eles experimentavam desde o início da carreira (e que deu no também genial Sung tongs). Em Strawberry jam, outra cria excelente, a sonoridade pesou num tom áspero, mecânico e quase sempre perturbador. Difícil escolher um só. Mas Merriweather, dois passos a frente dos outros, consegue sintetizar tudo o que eles fizeram e apontar para o futuro. Um disco que brinca com uma eletrônica feérica, eufórica, e explora o lado mais emotivo dos versos, que, mesmo quando voltam-se às memórias de infância, não deixam de enfrentar as incertezas do mundo. Uma banda em progresso, crescida, segura de si mesma – e ainda sim, ainda estamos assustados.

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7. Funeral – Arcade Fire (2004)

Visto de longe, o primeiro disco do Arcade Fire não parece muito complicado: conhecemos muitos álbuns sobre a morte. Além do mais, os canadenses não foram os primeiros a fazer indie com escopo e vocação para estádios. Ainda assim, Funeral ainda soa como um disco peculiar, inimitável (e não foram poucos os que tentaram imitá-lo). Poucas obras confessionais têm um conceito tão bem definido – e todas as cinco primeiras faixas soam como a trilha de um filme – e um desejo tão intenso de criar melodias inesquecíveis, perfeitas (e aí vale citar Pixies, U2, pop francês, space rock americano e o diabo a quatro). Uma marcha fúnebre que celebra a vida – eis a bela contradição deste belo disco, uma surpresa que a banda não conseguiu superar (no segundo eles seguiriam um caminho mais dark e épico).

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6. Yankee hotel foxtrot – Wilco (2002)

Até o fim dos anos 1990, o Wilco era uma banda de country rock insatisfeita com a camisa-de-força do gênero. Em Summerteeth, eles brincaram com a psicodelia sessentista, mas o resultado ainda soava polido, como se faltasse coragem para dar o grande salto. Ele viria com Yankee hotel foxtrot, um disco de certa forma maldito, já que rejeitado pela gravadora (dizem até que os executivos ouviram e acharam uma porcaria), e que mostra uma banda em transe. Foi lançado só depois de ter virado objeto de culto na internet, e ainda soa como uma espécie de milagre. Cada vez mais interessado no art rock dos anos 1970 (um estilo, nos discos seguintes, seria lentamente diluído em soft rock), Jeff Tweedy aproveitou-se da produção de Jim O’Rourke para criar uma obra instável, tortuosa, imprevisível e desiludida – um instantâneo da América do início do século. Ainda parece frustrante que a banda tenha optado por, depois disso, seguir um caminho confortável (ainda que o seguinte, A ghost is born, seja todo espinhoso e também belíssimo). Houve um momento, no entanto, em que eles encontraram a sintonia perfeita com o tempo em que vivem.

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5. The grey album – Danger Mouse (2004)

Por que não? Essa perguntinha meio banal deve ter motivado o DJ Brian Burton (Danger Mouse) a cometer a heresia mais brilhante da década: arrombar o cofre dos Beatles, pilhar o tesouro mais sagrado da música pop e combinar os clássicos do Álbum Branco com os hits do Black album, recém-lançado por Jay-Z. Dois discos separados por algumas décadas, mas que, um menos explicitamente que o outro, sugerem uma mesma atmosfera de despedida. A mutação genética não é perfeita (e há faixas truncadas, tortas), mas tem um valor histórico que ainda não conseguimos medir. O disco que esfregou a era da internet na fuça das gravadoras? Um ato de vandalismo artístico? Uma amostra de que nada mais é sagrado? Sinal dos tempos (e apenas isso)? Quem não se importa com esse tipo de análise ainda leva de brinde algumas das canções mais divertidas de todos os tempos. É aquela coisa: proibido é mais gostoso, né não?

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4. White blood cells – The White Stripes (2001)

O White Stripes é a melhor gag da década: um homem e uma mulher que se vestem de vermelho e branco e soam como se uma banda de garage rock tivesse resolvido fazer versões toscas para o repertório do Led Zeppelin. A fórmula de Jack e Meg White ilustrou perfeitamente uma época que elegeu o minimalismo ruidoso como sabor da estação e contraponto aos excessos do rock do final dos anos 1990 (de certa forma, essa foi a nossa interpretação para o punk dos 70 e o grunge dos 90). E, para nosso espanto, White blood cells trazia algo além de contenção e explosão: revelava uma banda de rock com tutano e ambição – e capaz de citar Cidadão Kane em meio a um esporro pós-punk (cinco pontos só por isso!). Os dois discos seguintes são tão bons e relevantes quanto, mas esta aqui é a cápsula que contém todos os segredos e manias do casal 2000. E nem preciso comentar Fell in love with a girl. Preciso?

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3. Stankonia – Outkast (2000)

Olhe para a década: os grandes discos de hip hop lançados nos últimos 10 anos são os musicalmente irrequietos, que forçam os limites do gênero e saem furiosamente para a aventura. Jay-Z, Kanye West , à frente deles, o Outkast. Depois de ter implodido dentro de um maravilhoso e louco álbum duplo (Speakerboxxx/The love below), o duo acabou perdendo parte do poder de influência que tinha no início da década. Mas não custa lembrar: até 2003, eles ditaram quase todas as regras, até dominar o pop por completo (com o hit Hey ya!) e deixar a cena sorrateiramente.

Há quem prefira os primeiros álbuns, também alienígenas, mas Stankonia hoje soa como o auge criativo de Big Boi e André 3000 — numa comparação ridícula, é o Sgt. Pepper’s deles (e, naquela época, não conseguimos antever o Álbum Branco). E um período de colheita generosa, com 24 faixas, 74 minutos e clássicos absolutos como Mrs. Jackson e B.O.B. Já estavam claras as diferenças entre André (o soulman insano) e Big Boi (o mano apegado a boas tradições) — mas, ali, elas se uniam numa química imbatível. Um daqueles discos imensos que nos deixam muito pequenos.

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2. Is this it – The Strokes (2001)

Lembro a primeira vez em que ouvi um single do Strokes (acho que The modern age): apaguei o arquivo de MP3 e fui procurar outro. A qualidade de som parecia terrível. Depois, envergonhado comigo mesmo, notei que o jogo era aquele: a atmosfera ruidosa das gravações (que pareciam saído de uma fita demo largada num estúdio abandonado de Nova York por volta de 1967) contava tanto, talvez mais, que as melodias e as letras. De qualquer forma, todos os elementos se complementavam. Sabemos tudo sobre o hype criado em torno deles — e provocado por uma imprensa inglesa que ainda era poderosa nesse ramo —, mas (ao contrário de queridinhos como The Vines e Kings of Leon) eles sobreviveram heroicamente a tudo.

Hoje, fica claro por que: Julian Casablancas honra a tradição dos grandes band leaders, sempre prontos a se rasgar de angústia diante do público (e o disco posterior, o ótimo Room on fire, aprofunda o tom desesperado e pessoal das composições) e Albert Hammond Jr entende tudo sobre o poder hipnótico de um riff palatável (o projeto solo do sujeito não nos deixa mentir). Uma banda simplesmente real. E oportunista, no bom sentido. Nenhum outro grupo soube aproveitar com tanta gana o revival do rock de garagem e do pós-punk: endividados tanto com o Velvet Underground quanto com o Ramones, eles restauraram Nova York como um fervilhante laboratório de rock. Taí, então: um dos poucos discos da década que merecem entrar numa lista não tão longa de grandes álbuns de todos os tempos.

radiohead

1. Kid A – Radiohead (2000)

Não importa se você ouviu ou não ouviu Kid A (ou se você prefere Hail to the thief – ninguém é perfeito): nenhuma discussão sobre o rock do início do século se sustenta sem alguma referência a este disco. É grande assim. Produzido num período de transição para a indústria musical, foi um dos primeiros a se integrar intensamente à onda da troca de arquivos via internet (na lista de melhores discos de 2000, a revista Spin deu o primeiro lugar apropriadamente para o hard drive dos computadores dos leitores, e em segundo ficou Kid A) — e, para muitos fãs, o “último suspiro” da era do álbum. De qualquer uma das formas, é um triunfo do timing. O disco certo para um mundo errado.

Se Ok computer se deixa afinar por tradições do rock — o progressivo, o pós-punk, o goth rock dos anos 80 —, Kid A derruba os dogmas e barras de segurança em busca de uma sonoridade nova, radicalmente atual (e, com o excelente In rainbows, a banda novamente confrontou ideias dadas como intocáveis). Com o esforço de se reinventar, o Radiohead renasceu como um projeto de eletrônica e jazz-rock capaz de compor canções fragmentadas, tortas, que transportam para o processo de composição toda a confusão que Thom Yorke sempre imprimiu às letras de canções. Antes, ele comentava a paranoia urbana, a opressão tecnológica. Com Kid A, converteu todas essas angústias em pura música. Dos sintetizadores sufocantes de Everyting in its right place à metralhadora eletrônica de Idioteque, tudo é agonia. E o mundo (da música, pelo menos) acordaria perturbado desse pesadelo.

Dark night of the soul | Danger Mouse e Sparklehorse

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darknightPosso ser simples e direto? Dark night of the soul é uma instalação coletiva de arte contemporânea. Audiovisual. Pós-moderna. E de bolso.

E é também (antes que eu esqueça), um projeto de música pop. Daqueles que David Bowie e o Flaming Lips adorariam ter gravado nos anos 90. E que será, inevitavelmente, acusado de tentar abraçar o mundo com as pernas. Em resumo: um álbum “de arte”.

Danger Mouse e o Sparklehorse escreveram os versos e melodias, que são interpretados por uma dezena de convidados. Inspirado nas canções, o cineasta David Lynch criou um livro de fotografias de 100 páginas. Atravancado por uma disputa judicial com a EMI, o CD talvez não chegue às lojas. Por enquanto, é distribuído gratuitamente via internet. O livro de Lynch vem com um CD-R em branco, a ser preenchido pelo leitor.

É uma obra que, ainda que não tão radicalmente quanto o disco quádruplo do Flaming Lips (aos que não lembram, Zaireeka só fazia total sentido quando ouvíamos os quatro CDs simultaneamente), será assimilada aos pedaços. Eu, por exemplo, ouvi todas músicas, mas não vi o livro de fotos. Olhei algumas imagens no site oficial. Desfocadas, esverdeadas e perturbadoras, elas me lembram os trechos mais abstratos de A estrada perdida. Para Lynch, aparentemente, este é um álbum de horror.

O título indica um tipo mais introspectivo de colapso. Por acaso, descobri no Wikipedia que a expressão “dark night of the soul”, inventada por um padre do século 16, é uma metáfora para períodos de profunda melancolia e solidão. Quando penso nesses sentimentos, lembro de discos como Pink moon, do Nick Drake, e Closer, do Joy Division. São noites escuríssimas.

Mas não é o caso. Repito: este aqui é, acima de tudo, um álbum pop. 

Para Mark Linkous, o homem chamado Sparklehorse, o conceito soa familiar. Os mais belos discos gravados por ele — Good morning spider (1998) e It’s a wonderful life (2001) — são exatamente isso: jornadas na noite da alma. Principalmente no início da carreira, o americano fez do rock um confessionário cruel: escreveu versos de isolamento e melancolia. Ardidos de febre.

Brian Burton, o Danger Mouse, também não é o sujeito mais otimista do mundo. O segundo álbum do Gnarls Barkley, The odd couple, é pop maníaco-depressivo: melodias saltitantes para pensamentos autodepreciativos. Por isso mesmo, quando Burton produziu Linkous no disco Dreamt for light years in the belly of a mountain (2006, do Sparklehorse), o encontro pareceu menos estranho do que esperávamos. 

Dark night of the soul é e não é uma continuação daquela. Todas as músicas combinariam com a interpretação agoniada de Linkous e carregam temas já explorados pelo Sparklehorse, mas também deixam a impressão de que foram escritas especialmente para os cantores e cantoras que as interpretam. O maior mistério do álbum está aí: como uma coletânea pode soar tão coesa?

Noto que a grande jogada de Danger Mouse é usar as marcas dos convidados como ornamentos para um núcleo sonoro que mantém-se imutável no decorrer do disco. Talvez seja por isso que, lá pela quinta ou sexta audição, tudo comece a soar um tanto unidimensional, apesar da variedade de vozes (quase todas tristes). Mas há ideias interessantes: chamar Jason Lytle, do Grandaddy, provoca quase um efeito cômico, já que seu jeito de cantar é parecidíssimo com o de Linkous. A participação do Flaming Lips também deixa essa impressão de homenagem enviesada.

Há diálogos mais sutis. Just war, com Gruff Rhys, caberia perfeitamente num álbum do Super Furry Animals — é de um colorido psicodélico marcante. Little girl, com Julian Casablancas, também surpreende: a faixa explicita o lado desiludido que do cantor que está implícito no repertório do Strokes. E James Mercer leva as fórmulas do Shins a Marte com Insane lullaby, a minha favorita do projeto.

Outras contribuições parecem perdidas no breu: a faceta mais garageira do disco, com Iggy Pop e Frank Black, é dispensável (Danger Mouse e Linkous simplesmente não se sentem à vontade nesse ambiente). E as vozes femininas de Nina Persson e Suzanne Vega não carregam o desespero que o restante do álbum sugere. Passam em brancas nuvens.

Isto é: Não é estamos diante de um Império dos sonhos (e não foi dessa vez que Danger Mouse, superficial que só ele, escreveu o álbum de soul music sombria que ele tanto tenta fazer). Mas é um disco que, pelo menos, oferece um trilha sonora até muito digna para aquela frase de F. Scott Frizgerald: “na verdadeira noite escura da alma, é sempre três da manhã”. No caso, uma madrugada fria. Numa fantasmagórica galeria de arte.

Projeto de Danger Mouse, Sparklehorse e David Lynch. 13 faixas, com produção de Danger Mouse e Sparklehorse. 7/10