Dan Deacon
Treats | Sleigh Bells
Como eu tentei explicar naquele post sobre o álbum mais recente do Rufus Wainwright, as capas de discos ainda querem, sim!, nos dizer algumas coisas. Há casos em que elas até nos ajudam a adentrar a floresta e encontrar o caminho para casa. São úteis, acredite. Eu compro CDs muito raramente, mas há capas que eu levaria para meu quarto numa boa.
Essa do Sleigh Bells, por exemplo. Na fotografia, um grupo de cheerleaders estranhamente out of time (a que época elas pertencem? Anos 70? 80?), com imensos pompons em verde e branco, formam uma pirâmide humana. Elas estão prontas para a fes-ta e parecem adoráveis. Mas olhe com atenção: os rostos das meninas são cobertos por camadas finíssimas de plástico, como se elas tivessem sido capturadas, engolidas e depois congeladas por vespas gigantes.
Brrr.
É uma imagem, num primeiro momento, familiar e pueril. E, num segundo, bizarra, sinistra. É a exata representação do estilo dupla-face (doce/amargo, ríspido/fofo, pop/hardcore) deste duo de Brooklyn, Nova York.
Continue com a fotografia por mais alguns minutos: o que se vê primeiro é inocente, depois perverso. O som da banda também é assim, enganador: parece descartável, mas não é. Parece infantilóide, mas não é. Parece uma besteira programada para durar cinco minutos e explodir em confete e serpentina, mas e daí? Parece hype de jornalista novidadeiro, mas qual é o problema com jornalistas novidadeiros quando eles têm razão?
Eu entendo hype da seguinte forma: várias pessoas se entusiasmam ao mesmo tempo por um mesmo disco e tentam desesperadamente convencer outras pessoas de que ouviram algo importante. A gravadora, que não é boba, compra o burburinho e tenta multiplicar a divulgação informal, para ganhar mais dinheiro e prestígio. A banda entra nos trending topics do Twitter, começa a aparecer em sites e blogs bacanas, devora o mundo e, em alguns casos, desaparece dois meses depois. A onda do hype me ajuda a descobrir discos bons e ruins. Não tenho medo dela, já que posso decidir por conta própria se o disco me interessa ou não. Um disco superpaparicado não é necessariamente um disco ruim.
E perdoe o didatismo, mas vivo me aborrecendo com pessoas que tentam simplificar a música pop a uma equação de termos, rótulos e palavrinhas mágicas que não significam coisa alguma.
Treats é, em síntese, um disco que se beneficiou de uma maré de elogios via web e, por isso, será tratado como uma novidade efêmera, típica de blogueiros ansiosos. É também um álbum com a grife de M.I.A., que o lançou pelo selo N.E.E.T. Recordings. Um brinquedinho para fashionistas de plantão, portanto. Certo?
Certo, se você julga um disco por esse tipo de aparência. “Vou ouvir com desconfiança, tem tanta gente curtindo…” Diante desse tipo de lógica, eu até prefiro julgá-los pelas capas.
E a capa de Treats me diz o seguinte: esta não é uma banda ingênua. A sonoridade, felizmente, confirma tudo isso e avança algumas casas. É um álbum pequeno, ruidoso e bombástico, que pisca em flashes coloridos, um artefato colorido que afirma violentamente um estilo. Claro: trata-se de um primeiro disco, talvez afoito demais para nos impressionar com piscadelas de olho. Mas muito atento, muito certo dos alvos que ele quer detonar.
Eu não me impressionaria se Treats tivesse sido produzido por Dan Deacon: quando os momentos mais agressivos chegam (e eles chegam rapidinho!), o impacto da distorção é ensurdecedor. Pop de terrorista. Mas há também um traço firme do “global pop” de M.I.A., principalmente por usar o hip-hop como matriz para a zoação sonora. E M.I.A., é óbvio, não os apadrinhou à toa: eles são pupilos, e delas Derek E. Miller e Alexis Krauss herdam uma atitude, uma forma descompromissada, impura e sacana de manipular a música pop.
Eu nem precisaria reforçar, mas taí: para quem adora esse tipo de jogo tolo (e sério), é uma delícia de disco.
Derek e Alexis reciclam debochadamente o que passa como poluição sonora: as músicas soam versões estouradas para aqueles grudes apelativos que os americanos gostam de ouvir nos intervalos de jogos de basquete. Nada de minimal: é maximal. As guitarras de hard rock farofa (Andrew W.K., cadê você?) tensionam as melodias até quase estourá-las, enquanto Alexis canta delicadamente, como quem não percebe o furacão chegando. A dupla repete esse formato em todas as faixas do disco, variando os gêneros e os chavões que reciclam. No final, o que temos é um álbum meta, um disco entulhado de pop. Um disco que se espreme dentro da panela de pressão.
É energia concentrada. Na última faixa, as guitarras e os sintetizadores primeiro nos atropelam, depois recolhem lentamente o corpo. Montanha-russa, moedor de carne, arrastão, hype: chame do que quiser. Pode ser uma moda passageira (e é sério mesmo que eles entraram entre os 50 mais da Billboard?), mas que pode ser encarado como um comentário em megafone sobre o aqui-agora, sobre o tempo presente, sobre a tonelada disforme de dejeitos pop que lotam nossos HDs.
Um disquinho grandalhão. Mas ouça atentamente. Repare a capa. E depois não diga que não avisei.
Primeiro disco do Sleigh Bells. 11 faixas, com produção de Derek Miller. Lançamento de Mom +Pop e N.E.E.T. Recordings. 8/10
PS: A mixtape de maio vai chegar um pouco mais cedo, amanhã (quarta-feira) à noite. Às 23h, ok? Todo mundo aqui? Por caridade? Adianto que ela é bem melhor do que a season finale de Lost. Coisa épica. Aguarde.
Superoito express (20)
Volume 2 | She & Him | 6
O fã-clube de Zooey Deschanel que não me pendure praça pública, mas eu esperava encontrar, neste segundo disco do She & Him, a personagem que ela interpretou com tanta convicção em 500 dias com ela: Summer Finn, a musa imprevisível que atormenta os fãs românticos (e panacas) de indie rock. Mas (que vida!) meus desejos não foram realizados. Neste conto de fadas folky, ela ainda vive a mocinha indefesa, a heroína que caminha melancólica, inconsolável pelos campos ensolarados da Califórnia.
Tudo bem. Nem tudo é perfeito. E talvez a Zooey popstar se aproxime da Zooey real (o que seria uma pena, mas enfim). O problema é que essa (ops) personagem me parece cada vez mais monocórdica. Este Volume 2 é um disco do Camera Obscura, só que sem ironia ou finesse. Parece fácil fazer pop vintage, com aquela sonoridade quente de vitrola velha, mas o risco do diluir efeitos está sempre ali. Daí que o disco, comportadíssimo, só brilha quando o vinil de M. Ward ganha um outro colorido, uma doçura à Jon Brion. São duas músicas: In the sun e Don’t look back. Mas elas mostram que, sim, Zooey é capaz de virar o disco. Ao terceiro volume, então.
Dear God, I hate myself | Xiu Xiu | 7.5
Ao contrário do projeto de Zooey e M. Ward, o estilo de Jamie Stewart é um caso tão particular que parece projetado para provocar estranhamento. As canções, com mudanças abruptas de andamento e efeitos dissonantes, soam às vezes como arquivos corrompidos de MP3. Stewart vai picotando um punhado de referências (synthpop, lo-fi, indie, goth rock) até fazer com que o disco perca completamente o eixo, numa colagem doméstica, frágil, agoniada, que ressalta a franqueza do discurso. Como acontece com os álbuns do Why? e do Eels, este também cria um ambiente de intimidade quase sufocante. Pode soar simplesmente doentio. Mas, se não é tão forte quanto Fabulous muscles (2004), no mínimo serve para comprovar que Stewart ainda não encontra conforto nem no rock, nem em nada. É bonito, garanto. E recomendo que você tente pelo menos três vezes antes de desistir.
Big echo | The Morning Benders | 7
O Morning Benders pode ser considerado uma espécie de primo do Local Natives, outra banda californiana que usa a massa bruta do indie rock americano (no caso, o folk barroco de um Grizzly Bear) para criar uma sonoridade generosa, próxima do pop. Mas, antes que os acusem de oportunismo, aviso que eles se apropriam desses novos chavões sem cinismo. Estão verdadeiramente dispostos a disputar um espaço entre os ídolos. Big echo é, por isso, um álbum muito esforçado. Sei que a palavra é terrível, mas taí um quarteto que faz tudo para agradar a um público muito específico. E consegue, mesmo sem personalidade. Eficiência e bom gosto, no caso. Califórnia é uma grande nação (como diz a música do She & Him) e é interessante acompanhar uma banda tentando encontrar um lugar nesse mundo.
Fang Island | Fang Island | 7
Mas claro: mais interessante do que acompanhar uma banda deslumbrada com as próprias referências é descobrir aquelas que tentam criar todo um vocabulário. O Fang Island, de Rhode Island, é dessas. Eu definiria o som deles como um monstrengo prematuro nascido de uma rapidinha entre o Van Halen (os solos de guitarra a mil por hora, a pompa hard rock) e o Animal Collective (os corinhos infantis, o espírito comunitário). Para o Wikipedia, eles cabem no rótulo “progressive rock”. Talvez seja isso, ainda que tudo acabe soando tão frenético quanto um disco de hardcore. Ainda não sei se amo essa bagunça (e, se é para quebrar tudo, Dan Deacon me parece muito mais radical), mas reconheço que não ouvi nada igual.
Life is sweet! Nice to meet you | Lightspeed Champion | 6
Para quem conhecia e gostava do projeto anterior de Devonté Hynes (a banda de dance-punk Test Icicles, praticamente um tigre), o Lightspeed Champion vai continuar provocando muita frustração. No segundo disco, o texano (criado na Inglaterra desde os dois anos de idade) continua a enquadrar o próprio som de acordo com algumas convenções pop quase caducas: brit pop, easy listening, new wave. Tudo o que ele quer, aparentemente, é mandar um abraço para Jarvis Cocker e Morrissey (e quantos outros não querem?). A boa ideia deste Life is sweet é o olhar positivo para temas que costumam ser cantados com fatalismo (Dead head blues, por exemplo, é uma faixa alegre sobre o fim de um relacionamento). O oposto de A vida é doce, do Lobão. Nas recaídas, no entanto, Hynes escreve obviedades como I don’t want to wake up alone, que só reforça os clichês associados ao tal “som da Inglaterra”. E aí as piores do Morrissey soam pelo menos mais divertidas.
Paddling ghost | Dan Deacon
Uma graça este novo clipe do Dan Deacon: bichinhos fofos numa bad trip. Dirigido por Natalie Van Der Dungen. E é para ouvir no volume máximo, ok?
Bromst | Dan Deacon
Quinze minutos do novo álbum de Dan Deacon e a sensação é dolorida: você acordou com 40 graus de febre, uma enxaqueca que parece perfurar as pupilas, pontadas no peito, dormência na coluna. No espelho do banheiro, descobre novos fios de cabelo branco enquanto repara que a cortina do banheiro não gruda mais na parede e o último tubo de pasta de dente foi adotado como lar pelas formigas. A chuva da madrugada ensopou a sala de estar e o pacote de pão guardado na geladeira, bem, o que você queria?, está mofado. O relógio encontra-se atrasado em trinta minutos. E isso significa o seguinte: você perdeu o compromisso do dia e não há como recuperá-lo. Começamos mal. Terrivelmente mal. E a tendência, meu amigo, é que as coisas piorem.
Mas aí vem uma voz miúda, ingênua de tão otimista, e te conforta. “Calma, tudo vai dar certo.” Você, estúpido, não acredita nela.
Bromst é um ótimo disco: inventivo, inquieto, cheio de tentáculos, um polvo elétrico. Aviso, porém, que a experiência não é mais tranquilas. Agora mesmo, decidi ouvi-lo em volume altíssimo, no som do carro, no longo caminho que separa a casa da minha mãe do meu apartamento. Tive que tomar dois comprimidos de Tylenol. Não é moleza. Não é exatamente agradável. Entendo perfeitamente aqueles que, na primeira overdose de ruídos, jogam a toalha e vão fazer algo mais saudável da vida.
O mesmo vale para o show do sujeito. É pegar ou largar. Os primeiros minutos são tão agressivos e caóticos, tão what-the-fuck, tão “mas que porra barulhenta é essa?”, que funcionam perfeitamente como um mecanismo de triagem de público. Os que ficam estão preparados para o que der e vier. Serão recompensados com uma performance verdadeiramente espontânea, vibrante, única (top 5 do Tim Festival do ano passado).
No palco (ou melhor: junto ao público, já que Deacon não é de formalidades), o DJ/compositor/provocador de Nova York chuta a fronteira que separa os artistas da plateia. Entenda como uma espécie de cartão de visitas: Deacon se apresenta, na lata, como “um de nós”. É um fã/consumidor/produtor de música adaptado ao ritmo frenético de uma geração que recorta, cola, dobra e recicla, não necessariamente nessa ordem. E que adora aparecer.
Nos discos, Deacon é o anfitrião de uma festa nonstop, mas que nunca existiria de verdade (você imagina passar uma noite inteira ouvindo o noise-furadeira do rapaz? Eu não). O álbum anterior, Spiderman of the rings, foi cultuado por pouca gente até porque, aposto, não foram muitos os que se aventuraram a abraçar um objeto tão pontiagudo. Que machuca. Que arranha os pobrezinhos dos nossos ouvidos sensíveis. Eis a ironia da coisa: Deacon assimila radicalmente a velocidade do nosso mundo; mas, para assimilarmos o som de Deacon, precisamos de algum tempo.
Paciência.
É que Deacon não está aí para padrões, fórmulas de gênero – não dá nem para afirmar que ele mescla isso com aquilo. É um som, em grande parte, aleatório, descontrolado, improvável. Spiderman of the rings parecia uma trilha de videogame e, ao mesmo tempo, uma demo de hardcore. Impossível classificar (é mais fácil, por exemplo, tentar apontar referências de uma banda barulhenta como Crystal Antlers, que pelo menos segue uma lógica interna, leia ali embaixo). Em Bromst, ele tenta um tom mais melodioso e algumas estruturas mais convencionais de canção (o que rende faixas até comoventes como a abertura Build voice), mas ainda não segura as rédeas da música. É a beleza do disco.
Que soa naturalmente atual. Quando Deacon arrisca uma atmosfera psicodélica à Animal Collective (como em Snookered), não temos o direito de imaginar o músico ao redor de uma fogueira, acompanhado dos amigos doidões. Nossa imagem de Deacon é e sempre será a do geek gorducho mixando arquivos de mp3 num quarto bagunçado. Daria para escrever alguns parágrafos sobre a forma como ele nos faz repensar o conceito (tolo) de autenticidade que associamos a certas bandas de rock. Sobre simulacro, pós-modernidade, etc. Mas não gastarei meu tempo: Bromst é um álbum que nos tortura até o momento em tentamos entender um método muito particular de mastigação de elementos do rock e do pop. Leva algumas semanas, mas é um esforço que compensa.
A dor de cabeça não passa, mas fica até parecendo que o estranho futuro do indie rock é este, o sol raiou, nos cegou e finalmente chegamos lá. Só uma impressão. Que passa. Mas que disco.
Álbum de Dan Deacon. 11 faixas, com produção de Dan Deacon. Carpark Records. 8.5/10
BÔNUS TRACKS
Tentacles | Crystal Antlers | 7.5 | Como clímax para o EP lançado em 2008, a estreia do sexteto californiano é um balde de gelo: os fãs certamente não esperavam (ou aprovariam) um álbum de esqueleto tão melodioso e acessível (exposto em faixas como Andrew). Na maior parte do tempo, soa como um You & me, do Walkmen, gravado na garagem de um fusca. Quanto mais tempo se investe no disco, porém, mais essa primeira impressão se mostra simplesmente preconceituosa. Não há nada errado quando uma banda tão virulenta tenta se apropriar de convenções do rock para colocá-las numa outra perspectiva – eu vejo como um esforço dos mais interessantes (e era o que me agradava nos primeiros álbuns do White Stripes). Jonny Bell vai rasgando os refrãos como quem enfrenta uma sessão de karaokê às duas da manhã. Mas quem rouba a cena é Victor Rodriguez, no órgão (a faixa de encerramento, com um quê de prog rock, vai do ambient à psicodelia). A lisergia do The Doors encontra a inconsequência noise do No Age – e tente imaginar por alguns segundos o quanto isso não é exatamente previsível.