Crueldade

Os discos da minha vida (5)

Postado em Atualizado em

Vamos a mais um capítulo do único, especial, napoleônico ranking dos 100 discos (isso, 100!) que atropelaram a minha vida. Não espere encontrar aqui um guia para os álbuns mais importantes de todos os tempos ou coisa que o valha. Não. Não é disso que estamos falando. Não é disso que estamos falando mesmo.

São dois por semana (vocês já sabem). E eles vêm com links para que você ouça os disquinhos e tente entender por que os danados puxaram o meu tapete.

Curiosamente (não fiz de propósito!), a dupla desta semana diz muito sobre o período em que vivo neste momento (como se você não soubesse…). No mais, são opostos que se atraem: uma descida ao purgatório; em seguida, um aviso reconfortante de que tudo vai passar. Carpe diem.

092 | The downward spiral | Nine Inch Nails | 1994 | download

Meus filmes de horror favoritos são aqueles que, sutilmente, acenam para o público com uma piscadela e nos avisam: ‘sabemos que isso é uma brincadeira diabólica, mas entenda que não estou levando muito a sério’. The downward spiral não é esse tipo de filme de horror. É o contrário: ele não desfaz a marra, não pisca, e por isso deixa a desconfiança de que o narrador pode ter sido contaminado pela angústia do monstro. Trent Reznor narra com tanta convicção o calvário de um homem autodestrutivo (da crise à tentativa de suicídio) que nos mancha de sangue. Que nos converte em cúmplices. Que nos mergulha no caldeirão. Alguns outros tentaram (White Zombie? Pantera?), mas é do Nine Inch Nails o disco mais cruel que já ouvi.

091 | All things must pass | George Harrison | 1970 | download CD1 CD2

Uma grande banda anuncia a separação e, no mesmo ano, um dos integrantes lança um álbum solo, triplo, que acaba por se impor como uma obra-prima. Quais são as chances? All things must pass tem um quê indulgente (no terceiro disco, uma jam que deve ser interpretada como um grito de alforria), mas não é nada que reduza o espanto provocado por este portfólio de Harrison. Enquanto Lennon foi à terapia (e produziu um dos discos mais tocantes de todos os tempos, aguarde-o neste ranking) e McCartney rendeu-se a pequenos prazeres, coube a Harrison defender a vocação dos Beatles para o pop monumental. Quando ouvi pela primeira vez, a sensação foi de alívio: o sonho não acabou.