Confiança

Os filmes da minha vida (1)

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A ideia de criar uma lista com os 100 filmes da minha vida pode parecer uma grande bobagem. E, pensando bem, é mesmo.

Refleti bastante, ó meus amigos, antes de sair por esta estrada perdida. Bastante. Mas cheguei à seguinte conclusão: se eu não começasse esta jornada, envelheceria para sempre frustrado. E não estou sendo dramático em relação a tudo isso, acreditem.

O objetivo aqui é, acima de tudo, não repetir os erros que cometi na neverending saga dos 100 Discos da Minha Vida. O maior deles: em alguns momentos, olhando agora no retrovisor, percebo que aquela lista ficou um pouquinho impessoal, como se eu quisesse listar os discos que admiro – e não muito aqueles que acabaram marcando a minha vida, talvez por motivos que escaparam do meu controle.

Pois bem: nesta lista de filmes, o critério definitivamente não é o de um ranking de melhores, de mais influentes, de mais mágicos ou perfeitos (ou algo do gênero). O que vocês vão encontrar é uma listinha muito particular, uma espécie de diário-a-lápis que conta histórias sobre a minha relação com o cinema.

Em muitos casos, nem lembro muito sobre o conteúdo dos filmes. Por isso, este guia será totalmente inútil a quem procura indicações para alugar DVDs ou programar opções na tevê por assinatura. Tentarei escrever textos também rasteiros, inúteis, como que flashes de lembranças. Não vão servir para muita coisa, garanto.

Minto. Talvez eles sirvam para que vocês entendam um pouco mais sobre a pessoa que escreve neste blog. Estes filmes, de uma forma ou de outra, me entregam. O blogueiro está nu. Eles foram afinando meu olhar, mesmo sem o meu consentimento.

Ao contrário da lista de discos, esta aqui não tem links para downloads. Infelizmente. Se vocês quiserem se aventurar nesses filmezinhos, terão que ir à luta por conta própria (mas sei que os cinco leitores deste blog são todos grandinhos e, portanto, tudo vai dar certo).

A lista segue numa ordem que não é linear. Começa na minha infância, com o primeiro filme que vi no cinema, e termina na minha adolescência. Tem filmes que vi este ano e alguns que vi em 1991, 1995. Filmes em película, em DVD, em VHS. Filmes medíocres e obras-primas. Filmes que não consigo rever (porque desatam memórias difíceis) e filmes que revi vinte vezes. Filmes que me ensinaram e que me deseducaram, filmes cujo impacto ainda não sei explicar.

Tal como o ranking dos discos, este aqui vai irritar profundamente àqueles que lutam contra o “umbiguismo” na escrita sobre obras de arte. A esses supostos leitores, peço paciência: estes pequenos textos tratam apenas dos encontros entre um sujeito irrelevante (eu) e imagens que talvez vivam centenas, milhares de anos.

Uma grande bobagem, portanto (que vou tentar atualizar às segundas-feiras, toda semana; stay tuned).

100 | Os Trapalhões no Auto da Compadecida | Roberto Farias | 1987

O primeiro filme que vi no cinema estremeceu a minha rua. Eu, oito anos de idade, estava tão perplexo quanto os vizinhos, os meus primos, os meus amigos. “Vi com meus próprios olhos: o Didi morre“, eles diziam. E aquela ideia me dava arrepios. Porque os filmes dos Trapalhões, que eu via em VHS e na tevê, eram espetáculos de circo: comédias que deveriam nos alienar da ideia de morte. Daí que a sessão de O Auto da Compadecida, com Renato Aragão no papel de João Grilo, contaminou o cinema (e era um cinemão, desses que não existem mais) com um ar de desemparo. Lembro bem. Era como se alguém tivesse lançado fogo na lona, maltratado os bichos, assediado a bailarina. O fim do filme resolve essa impressão de desencanto (Didi vive!), mas, quando penso naquela sessão, tudo o que aparece nas memórias é a derrota do herói. A morte. E o cinema, para mim, começou estranhamente assim: como um espaço de melancolia, um templo de verdades difíceis, de descobertas às vezes desagradáveis.

099 | Confiança | Trust | Hal Hartley | 1990

É um dos filmes da minha pré-adolescência, e tenho quase certeza de que o encontrei na hora certa. Lembro muito pouco sobre ele, mas o que lembro me parece imaturo, um tanto pueril. Não sei se, numa revisão, ele ainda me diria alguma coisa. De qualquer forma, na época era um dos filmes que eu mais admirava, e eu até achava que o compreendia totalmente. Eu queria ser um daqueles personagens, vagando vagabundamente por Long Island, conversando sobre Sentimentos Densos de um jeito descompromissado, como quem discute o capítulo da novela. Uma ceninha ficou: aquela em que Adrienne Shelly de repente despenca do muro, só para ver se o Martin Donovan vai impedir que ela caia. Ele impede: e aquilo ali me tocava, quando eu tinha 11 anos de idade e não sabia quase nada sobre cinema independente americano, Hal Hartley, juventude, amizade e confiança.

Total life forever | Foals

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Foals. Não acredito que seja uma banda extraordinária. Nem inventiva. Nem especialmente sedutora. Não é (em definitivo) daquelas que nos tiram para dançar e não nos abandonam. Mas – antes que você procure outra – preciso avisá-lo: a partir de agora, devemos confiar nela. Relacionamento sério, sabe como é?

O grande disco do Foals não é Total life forever. O grande disco do Foals virá em três anos. Programe-se aí. 

Enquanto 2013 não chega, este quinteto de Oxford flexiona os músculos como uma seleção séria em véspera de campeonato mundial. Cada disco (=cada amistoso) exercita os talentos de jogadores que ainda não estão totalmente satisfeitos com o time que têm. O desconforto permite alterações táticas surpreendentes que resultam em partidas muito bonitas – como é o caso deste disco, o segundo deles.

(E, por hoje, prometo não voltar às comparações futebolísticas. Patetice tem limite)

Numa época em que as bandas de rock correm para definir uma identidade (dois discos, no máximo), o Foals soa como uma exceção curiosíssima. Eles parecem preocupados unicamente em apurar uma lógica interna que não diz respeito a mais ninguém. E seguem apurando – eles sabem que ainda não chegaram lá.

É uma banda que rejeita, por exemplo, a se adequar a certos modismos do indie rock. A estreia, Antidotes, estava pronto para ser vendida como um álbum de ‘math rock’ (na linha do Battles) com os floreios do produtor Dave Sitek, do TV on the Radio. Mas o Foals tratou de engavetar o disco produzido por Sitek, foi ao trabalho por conta própria e criou canções que talvez parecessem melodiosas demais a quem curte as abstrações do tal do pós-rock.

Desta vez, esperava-se que eles seguissem desmontando o funk-rock. Eis que decidem tomar uma curva perigosa e (sem largar o volante funk) gravar um disco ainda mais assobiável, com inspiração prog-pop e atmosfera de épico “à inglesa”. Mais para Elbow e The Verve, (muito) menos para The Rapture.

Uma mudança que nos obriga a rever tudo o que pensávamos sobre o Foals. Mas quantas outras bandas permitem essa revisão?

“O futuro não é o que parecia ser”, eles cantam (e como Yannis Philippakis está cantando!). Parece até que falam sobre o próprio Foals.

E o que dizer desse título? Penso em Total life forever e só consigo imaginar o Richard Ashcroft mordendo um travesseiro (de raiva).

A sonoridade mais massuda, aparentemente, pegou até própria banda de surpresa. Durante as gravações, eles declararam que o disco estava saindo “muito menos funk” do que tinham planejado e que soava como “o sonho de uma águia morrendo”. O que não é uma imagem adequada para remeter a um disco que se exibe como um pavão muitíssimo vivo – cheio de si.

Há, sim, algo de onírico em faixas como Black gold e After glow. Mas o que se nota é o som de uma banda realista, que acredita no engenho, no trabalho suado. Cada uma das músicas parece ter sido retocada exageradamente – são miniépicos dentro do épico. Talvez por isso o disco pareça – nas primeiras audições – um tanto embotado, pesadão. 

Não é para ser amado de uma vez só. Cada uma das canções vai aquecendo as turbinas do avião até o ponto de explosão – ainda que o disco só decole mesmo na faixa seis, a incendiária This orient. Estamos falando de um álbum que prefere o ambiente à ação, e que acredita na nossa capacidade de desconfiar das primeiras impressões.

É, como se diz (em ingrês), a grower.

E o interesse cresce quanto mais notamos o grau de detalhismo das faixas, que engrandece alguns elementos até óbvios (o disco todo parece feito de sobras do Radiohead, do Muse, da DFA Records). Black gold talvez seja o grande exemplo dessa capacidade do Foals de usar os detalhes, os ornamentos, para criar canções armadas como que em dobraduras, profundas. No caso, é uma linha de guitarra que, lá na metade da música, rompe a estrutura funkeada e nos transporta a uma dimensão mais doce.

Não é um disco que vai tirar o planeta de órbita. Mas Total life forever é o álbum que coloca o Foals (em definitivo?) na galáxia de bandas que importam.

Segundo disco do Foals. 11 faixas, com produção de Luke Smith. Lançamento Transgressive Records. 7.5/10