Carlos Reygadas

Luz silenciosa

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Stellet licht, 2007. De Carlos Reygadas. Com Cornelio Wall, Maria Pankratz e Miriam Toews. 137min. **

Pela primeira vez na vida, quase aplaudi o pôr-do-sol.

Quase. Depois do deslumbramento veio a dúvida. E já que blogs são bons lares para a dúvida, lá vai: a mim, Luz silenciosa parece tão fascinante quanto inócuo. E quase numa mesma medida.

O que fazer? Esperar uns três meses para tentar formar alguma opinião sobre o filme? Mas aí tenho medo de lembrar apenas do pôr-do-sol que abre e fecha a narrativa – e esquecer todo o resto.

No calor do momento, então. Não me vejo no batalhão dos acusam esse cinema de se satisfazer com um decalque esnobe de Bresson, Dreyer e Tarkóvski. Mas me incomodo com os trechos (e são muitos) em que o filme se transforma num portfólio insípido de um cineasta-cinéfilo, em uma galeria de longos planos-seqüência que rodopiam no vácuo – e aí acaba lembrando o pior de Bruno Dumont.

Com dois ou três argumentos, é fácil desancar Carlos Reygadas sem muito esforço. Mas há um grande filme dentro deste filme, e ele não passa como qualquer bobagem. O diretor se aproxima de um grupo de personagens (uma comunidade de migrantes que, ao norte do México, habita um universo paralelo, arcaico, quase impossível) de uma forma que, goste ou não dele, é profundamente generosa. Não se trata apenas de registrar o cotidiano daquelas pessoas, mas de transportar o ritmo daquelas vidas para a narrativa, para o tempo do filme.

Vez ou outra, o exibicionismo de Reygadas nos afasta daquele mundo – e faz do filme um brutamontes com arroubos de lirismo. Mas, quando estamos dentro do universo, mergulhados num ambiente que sempre nos parecerá estranho, a experiência do filme não gira em falso. A câmera explora cada espaço com um olhar demorado, quase receoso, mais ou menos como fazemos quando adentramos um território que ainda não nos parece familiar. Viagem insólita, o filme exige a nossa disposição para o contato com o desconhecido.

E com milagres. Pelo menos quando a vaidade de Reygadas dá espaço para que eles nos tirem o ar.