Canadá

It’s all true | Junior Boys

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Por que mantemos relações tão promíscuas com os indefesos, bem intencionados, inocentes discos de música pop. Hem? Por quê?

Ok, ó leitor, vou poupá-lo desta. Refazendo a pergunta: por que eu, o pecador no confessionário, trato a música pop desta forma inconsequente, como se este blogueiro regredisse à condição de um rapazote ansioso, deslumbrado diante das novas meninas da classe?

É um comportamento obsessivo que às vezes me perturba um pouco. Se eu tratasse as pessoas do jeito como trato a música, teria que trocar de amigos a cada semana. Meu trabalho me entediaria nos primeiros 15 dias. Minhas namoradas não durariam dois meses (felizmente, não é o que acontece; e, pelo menos com isso, ninguém precisa ficar encucado).

Já me perguntei mil vezes, e lá vai a milésima primeira: no pop, por que o que é desconhecido, novo, me estimula mais do que os sons familiares, os velhos chapas, os bróderes mui confiáveis? Por que estou investigando bandas que apareceram anteontem quando eu deveria estar testando o disco mais recente do Neil Young? O que elas têm? Por que eu preciso conhecê-las? Por que elas me empolgam?

Não faço ideia, meu irmão. Não mesmo. Só sei que sou um novidadeiro compulsivo e nada pode me parar agora (talvez exista cura se, talvez, que eu me obrigar a ouvir Paul Simon e R.E.M. a cada Cults/Washed Out).

Veja: não é muito agradável ser assim (escrevo este post um pouco envergonhado, acredite), porque corro o risco de perder bons discos simplesmente por me desinteressar nas primeiras audições – mais ou menos como o garoto hiperativo que abre o berreiro quando descobre que já tem o brinquedo que acabou de ganhar no aniversário.

Em muitos casos, eu sei que estou cometendo injustiças terríveis com discos que simplesmente não me animam por soar confortáveis aos meus sentidos. Começo a ouvir o novo do Eddie Vedder e paro na terceira música – já sei o que vem em seguida. O do R.E.M. me parece simpático, mas não vou perder muitas noites com ele.

Ouço com atenção, é claro. Se pretendo escrever algo sobre, sou sério feito um beagle. Tomo distância para notar se ele me agrada ou não. Uso todos os critérios objetivos e sentimentais a que tenho direito, sim. Mas logo me afasto e parto pra outra. Nesse tipo de relacionamento, me porto como um cachorrão.

Mas é uma pena, porque, como eu dizia, há vezes em que deixo passar love stories extraordinárias. Discos que, em alguns casos, acabam me pegando no contrapé, em situações inesperadas. Que coisa louca, né? A menina que já cafajestinho beijou e abandonou volta à classe para, aí sim, o conquistar de vez.

Em frente ao quadro negro, cá está It’s all true, do Junior Boys. Amor à terceira (talvez quinta) vista. Um discaço, mas que me parecia absolutamente ordinário.

A culpa, reconheço, é minha. E aposto que outros resenhistas, que também sofrem desta síndrome do consumo acelerado de cápsulas de MP3, trataram de descartar este pitéu assim que notaram que ele, aff, não soava tão surpreendente assim. Parece, num primeiro encontro, apenas mais um disco do Junior Boys.

Mais que isso: parece um disco que não avança muito se comparado a tudo o que os canadenses gravaram. Zona de conforto, entende o que digo? O anterior, Begone dull care (2009), já deixava certo sinal de estagnação. Nossas lembranças do ótimo So this is goodbye (2006) ficavam mais distantes, borradas na memória feito paixonite de cinco anos atrás.

Minha avaliação, totalmente cruel, era de que Jeremy Greenspan e Matt Didemus perderam o sex appeal. Gravaram um poderoso de um break-up record e depois foram se desintegrando na paisagem da música pop, satisfeitos com a condição de indietronica e synthpop para festas chiques, consultórios de dentistas antenados, elevadores (finos) e lojas de grife.

It’s all true parece dar sequência lógica a esta trajetória (decadente, desinteressante). Mas não quando nos aproximamos dele com mais cuidado. Aí, o disco acaba se revelando tão pungente quanto os melhores da dupla.

Admito que ouvi o álbum pela primeira vez enquanto digitava um texto sobre qualquer coisa. Não me concentrei. Na segunda vez, eu estava devorando frango xadrez. Na terceira, lendo um livro bacana. Na quarta, jogando boliche (ok, mentira). Acontece que só descobri de verdade o safado quando o gravei num CD e comecei a ouvi-lo, em volume alto, enquanto dirigia ao trabalho. Foi ali que o flerte barbarizou.

Acho que porque, no carro, todas aquelas canções já estavam incubadas no meu ouvido, prontas para desabrochar. E, quando a primavera chegou, o que ouvi foi um CD que pede gentilmente para que iniciemos um caso fixo, sério, monogâmico (se bem que aí seria pedir demais). Estaremos juntos na manhã seguinte.

Hoje, gosto tanto do disco que fico um pouco constrangido com meus comentários levianos sobre ele. It’s all true tem apenas nove faixas, mas eu não descartaria nenhuma. Os versos também me parecem viciantes (e sábios). É como se a banda acompanhasse o narrador, agora cético e gélido, de So this is goodbye em aventuras amorosas que quase sempre não dão muito certo. Me pego torcendo por ele.

Se os arranjos eletrônicos sugerem frieza quase metálica, as letras se revelam ora afetuosas, ora bem humoradas. “Me encare por um pouco mais de tempo, como os competidores fazem”, pede o narrador de Playtime (uma das canções mais estranhamente sexies do ano). Em Itchy fingers, o clima é de terror sentimental: “Eu preferiria te soterrar com um papel dobrado, só para ver você morrar”, e o tom impassível da interpretação tem algo de psicótico.

E, na desiludida A truly happy ending, aparece o desabafo que resume este capítulo: “Nunca vi, nunca estive num final feliz verdadeiro. Chego muito perto, mas ele sempre desmorona.” É tudo verdade?

A história de bastidores é um tanto óbvia (e monótona, vá): envolve uma viagem de dois meses à China que “revigorou” Greenspan. Ok, dá um bom material para a imprensa. O importante é que esse entusiasmo recém-adquirido, ainda que não represente rupturas para a banda, comprime o estilo do Junior Boys a um ponto em que sobrevivem apenas os elementos mais característicos de uma sonoridade agora em constante tensão, com sintetizadores que nos espetam sem cessar. Não à toa, as duas faixas do desfecho (ep e os nove intensos minutos de Banana ripple, arquiteturas impressionantes de vidro e aço) são as inesquecíveis: desta vez, não há como relaxar os músculos.

É chato falar em maturidade (discos “maduros” podem soar um tanto aborrecidos, como se não houvesse o que experimentar além de um lento aperfeiçoamento do template), mas o Junior Boys parece ter finalmente entendido o temperamento da banda. E aqui, como em nenhum outro disco que gravaram, eles criam canções que parecem inofensivas e artificiais até o momento em que violentamente cravam os dentes.

Não é tão agradável quanto parece (apesar de dançante, galante, e nunca enfadonho). Pode ser interpretado como uma espécie de So this is goodbye, parte 2. Se bem que, perto desses versos amargos, os daquele álbum parecem até um tanto juvenis. A primeira despedida, eles nos ensinam, é brutal. Mas a segunda… Quem tem a coragem de escrever discos sobre isso?

Na vigésima audição, It’s all true amedronta. Mas vou dar um belo de um desconto se você não chegar até lá, não sentir nada disso, parar na terceira tentativa e partir pra outra. Acontece. Na música pop, sei o que acontecem com os meninos que só pensam em ir atrás de um rabo de saia. E quem sou eu para passar lição de moral?

Quarto disco do Junior Boys. Nove faixas, com produção da própria banda. Lançamento Domino Records. 8/10

Public strain | Women

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Moro perto de uma livraria enorme. Uma megastore, dessas que vendem discos, bonecos de plástico, revistas, sanduíches de salmão, jornais, DVDs, cartões de boas festas, milkshakes e, antes que eu me esqueça, livros.

A loja é uma das principais atrações (talvez a principal) do shopping que abriram aqui na região. Nos fins de semana, está quase sempre lotada. As filas dão voltas entre as bancadas de madeira. É uma imagem que me agrada: muita gente comprando muitos livros. Sempre me pergunto se eles, esses livros, são lidos. Infelizmente, aposto que não.

Se todos os compradores de livros lessem os livros que compram, as pessoas seriam mais interessantes.

E não quero dar uma de sabichão: eu mesmo fico arquitetando pilhas e mais pilhas de calhamaços nos cantos da sala, na mesa de centro, no deck da tevê. Tenho livros que escoram a minha cama e que caem na minha testa enquanto durmo. E são obras às vezes abandonadas no primeiro capítulo, lidas na pressa, devoradas pela metade ou simplesmente pobres almas ainda intactas, virgens.

As pessoas compram livros que não leem. Compram pensando que, no futuro, talvez consigam lê-los. Compram por comprar. Compram pela capa. Compram para matarem a fome de comprar. Não sei. O que interessa (e chegaremos logo ao disco do Women, prometo) é que esse tipo de amor estranho, interrompido, tão instantâneo quanto passageiro, não consumado, era raro na nossa relação com os discos. Sublinho: era

Quando compramos um CD, quase sempre o ouvimos na íntegra, mesmo que sem muita cuidado. Ouvimos quando estamos dirigindo, ouvimos na festa ou enquanto penduramos roupas no varal. Lembro que, antes da internet, eu comprava um CD e ficava horas, dias, destrinchando o conteúdo da bolachinha prateada. Era uma análise quase microscópica, quase obsessiva. Como se eu decidisse ler A metamorfose, do Kafka, 20 vezes numa tarde. 

Acredito que, hoje, essa história toda mudou. Os discos se tornaram tão virtuais (e literalmente virtuais, como diz o dicionário: existem apenas em potência) quanto os livros. Talvez ainda mais, já que pescamos na web (essa megastore) dezenas, centenas, todos, absolutamente todos os que queremos ouvir, e às vezes os abandonamos pela metade, ou sequer nos damos o trabalho. Há casos em que nos esquecemos deles. Há casos em que escolhemos um disco a esmo e apostamos nele, meio que ao acaso. Confiamos na sorte.

Não sei se é assim que acontece com você. Mas é o que acontece comigo. Em 2010, ouvi 78 discos. Mas nem imagino em quantos esbarrei sem dar muita importância. Tenho certeza de que, em 1994, ouvi cerca de 10% dessa quantidade de discos, mas prestei muito mais atenção a cada um deles.

E isso é bom ou ruim? Melhoramos ou pioramos? Não sei. Só sei que a tecnologia alterou a nossa relação com a música (e principalmente na nossa, ouvintes compulsivos) e esse desejo de urgência – queremos ser conquistados pela capa, pelos primeiros parágrafos, no máximo pelo primeiro capítulo – também deve ter modificado a forma como se cria música pop. Se alguém decidir escrever uma dissertação sobre o tema, eu gostaria de lê-la.

E o Women é um bom pretexto para essa conversa toda porque me parece uma cria e um ruído desse ambiente pós-web. O primeiro disco, de 2008, tinha apenas 29 minutos. E a sonoridade dos quarto canadenses, abrasiva, parecia compactada ao máximo, zipada em minicanções (ou miniprovocações, minitorrentes noise) de um, dois minutos de duração. É um disco que provoca impacto.

Lembro de ter lido algumas discussões em meios literários sobre como as narrativas curtas, em miniatura, espelham a vida alucinada que levamos nas cidades. A estreia do quarteto era um bom argumento a favor dessa ideia.

Não foi, no entanto, um disco que me interessou a longo prazo. Ouvi algumas vezes e guardei. Depois esqueci dele. Por isso comecei ouvindo pelas beiradas este novo álbum da banda, que só vai ser lançado em setembro. Tropecei nele três ou quatro vezes, enquanto ia digerindo outros discos no meu iPod. E sempre que isso acontecia, sempre que eu tropeçava nele, era como se eu tivesse batido o dedão do pé num pedregulho. O Women pode ser ainda uma banda imatura, mas sabe nos impressionar com um som cortante, que nos arranha.

Então nem preciso alertar: Public strain é um disco “difícil”, que amplia as narrativas curtas da estreia da banda e fica oscilando entre as guitarras agudíssimas e dissonantes de um Sonic Youth (fase Murray Street, Sonic nurse) e algumas paisagens sonoras que lembram drone, ambient e outras pirações que irritam muita gente. E é um álbum que parece agonizar. As guitarras se desencontram a todo momento, soam como se desafinadas, estridentes, e criam uma atmosfera rarefeita de desespero. Um deserto vermelho.

O som áspero nos pega de imediato. Mas este é um disco que se beneficia do ouvinte mais atento, aquele que compra o livro e vai corajosamente até o fim.

Public strain (tenso já no título) só começa a soar minimamente palatável lá pela quarta audição, quando começamos a notar a lava de melodia que corre abaixo das camadas de pedra. É aí que se descobre, por exemplo, o dedilhado quase doce de Locust Valley (que tem até refrão, procure lá), o mantra metálico de Heat distraction, o torpor tristíssimo de Venice lockjaw, a linha de baixo quase soul de Narrow with the hall (bem de perto, lembra My girl ou não lembra?), etc.

Fui deixando este disco aparecer de vez em quando e, hoje, ele é papel de parede para os meus dias de apreensão, de desconforto. São muitos esses momentos, daí a necessidade que sinto de retornar ao primeiro parágrafo deste caderno de rasuras e ouvir tudo novamente, repetidamente, como se essas canções quebradiças soubessem tudo o que estou vivendo.

Eu as recomendo, portanto. Com cautela, porém. Caso você as abandone pela metade ou as rejeite por antecipação, eu entenderei. Mas vá lá: guarde-as para um outro dia. Há livros no meu quarto, livros que não li, que provavelmente me pregariam bons sustos, que provavelmente me entenderiam.  São feras que dormem, à espera do ataque. 

Segundo disco do Women. 11 faixas, com produção de Chad VanGaalen. Lançamento Jagjaguwar Records. 8/10

Thank me later | Drake

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Você conhece Drake? Então está na hora.

Até porque, nos próximos meses, será impossível não reconhecê-lo por aí. Nas rádios. Na MTV. Nas trilhas de cinema. O rapaz tem bons amigos (Lil Wayne, Jay-Z, Kanye West, Timbaland, The-Dream, T.I., Alicia Keys), vem no embalo do marketing da Universal Music e está prestes a lançar um disco de estreia que, se tudo der certo, o transformará num astro do R&B.

Está escrito.

O plano, aparentemente, é fazer de Drake um novo Usher, um novo The-Dream, um novo sexymothafucker (e é provável que isso aconteça). Mas, é claro, não é por isso que você precisa conhecê-lo.

Dou três motivos:

1. Na mixtape So far gone, lançada no ano passado, a terceira música é uma balada robótica, na linha do Kanye West de 808s and heartbreak, chamada Successful, que virou single e rodou até no VH1. A faixa seguinte é uma versão para Let’s call it off, de Peter, Bjorn and John. Isto é: o sujeito não ouve qualquer coisa.

2. O refrão de Successful (muito simplezinho, até: “tudo o que quero ser é bem-sucedido”) não vem embalado no tom fanfarrão típico dos novos-ricos da black music, mas, surpreendentemente, existe nele uma certa melancolia, como se o intérprete da canção soubesse que o sucesso é doce e amargo.

3. Drake é um ator de 23 anos, ex-astro teen de seriado de tevê. E canadense.

Se nenhum desses argumentos parece suficientemente forte para que você dê uma chance ao moço, então não há nada a ser feito. Provavelmente, o álbum não vai colar. Não é sua praia. Vá por mim. Não perca o seu tempo.

Para começo de conversa, o disco soa conservador: não rejeita um modelo muito típico de R&B, pelo contrário. É quase um disco-de-gênero, songs for the lovers com alguma marra hip-hop. Nada que Kanye West, The-Dream ou Jay-Z não tenham feito. E Thank me later pode até ser ouvido dessa forma: como um álbum pop muito eficiente, coleção de hits, tudo nos devidos lugares, arquive entre Justin Timberlake e Rihanna.

O instigante na história, no entanto, é como Drake pega esse formato industrial e, sutilmente, se apropria dele. Sutilmente. O tom desiludido como o vocalista – que se chama Aubrey Graham – interpretou Successful é a colcha sonora do disco. Um fantasma que está sempre lá.

Há artistas que só se decepcionam com o sucesso lá pelo quarto álbum de estúdio. Pois a primeira música de Thank me later, Fireworks, abre com versos como “o dinheiro mudou tudo” e “meus 15 minutos de fama começaram há uma hora”. Novamente, Drake soa dúbio, na contramão das estrofes: a letra celebra a boa fase, o “sonho”, mas não existe alegria alguma na interpretação. A melodia é mecânica, cheia de lacunas e ecos.

Estranho.

Felizmente, todos os produtores – e são muitos! – parecem entender esse perfil introspectivo do cantor, que vai flutuando sobre névoa de teclados e efeitos metálicos. Nas primeiras faixas (as melhores do disco), não há festa: Drake narra dramas familiares (a separação dos pais, aos cinco anos), decepções amorosas e transformações da idade adulta. O sucesso não cura nada disso, e ele sabe disso. “Do que tenho medo? Isso deveria ser meu sonho. Mas todas as pessoas olham para mim e dizem a mesma merda: ‘você prometeu que nunca mudaria'”, ele desabafa, em The resistance.

A soul music de pesadelo atinge a catarse logo na quarta música, que se chama (olha aí) Over. Nesse ponto, Drake beira a esquizofrenia. “Conheço muitas pessoas que eu não conhecia há um ano. O que aconteceu? Fizemos de tudo ontem à noite, mas não lembro de nada. O que estou fazendo? O que estou fazendo?”, ele pergunta. Em seguida, porém, muda o discurso: “Eu estou me divertindo, estou vivendo a vida, e vou continuar assim até o fim.”

O hit é narrado com uma atmosfera dramática, tensa, que os produtores Boi-1da e Al Khaliq pressionam ao limite. O videoclipe mostra Drake fuzilado por canhões de luz, sozinho em um quarto de hotel.

Já ali, na quarta faixa, dá para concluir que Drake tem o “algo mais” que falta a muitos aspirantes ao trono do R&B: o intérprete paira acima dos produtores, das canções, de tudo. O álbum soa coeso, quase uniforme, porque é um retrato do cantor (ou talvez do personagem que o ator criou para si).

Na segunda metade, esse clima asfixiante das primeiras músicas vai se dissipando, ora em faixas mais animadinhas como Find your love (produzida por Kanye West), ora quando o “padrinho” Lil Wayne entra em cena, em Miss me. Mas até aí o show é de Drake. Em Miss me, o que fica na memória não é o falatório nonsense de Wayne, mas o apelo infantil, carente do vocalista. “Você vai sentir minha falta quando eu for embora?”, ele pergunta.

Superprodução programada para cumprir expectativas de uma indústria, Thank me later equivale a uma fita de fantasia dirigida por Sam Raimi: sob os efeitos especiais, há um coração que bate.  

Primeiro disco de Drake. 14 faixas, com produção de Lil Wayne, Birdman, 40, Al Khaliq, Boi-1da, Crada, Francis and the Lights, Jeff Bhasker, Kanye West, No I.D., Omen, Swizz Beatz, Timbaland e Tone Mason. Lançamento Universal Music. 7.5/10

Crash years | The New Pornographers

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O novo clipe do intrépido New Pornographers mostra o seguinte: um olhar panorâmico da cidade pode fazer com que nossas vidinhas pareçam muito mais poéticas do que elas na verdade são. Garanto que aqueles guarda-chuvas hipnóticos existem. Mas é claro: nas nossas vidinhas, não costumamos encontrar sujeitos azuis caminhando com cachorros azuis. A direção é de Sammy Rawal.

Together | The New Pornographers

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Sempre que começo a escrever um texto para este blog, me sinto um pouco estúpido. Encaro a tela do computador e pergunto a ela, às vezes em voz alta: por quê? Quando chego ao último parágrafo, a questão continua beliscando meu calcanhar.

É que nada disso parece fazer muito sentido. Este blog. Os meus textos. As opiniões. Os argumentos contraditórios. O tempo que parcelo em toneladas de frases, sujeitos e predicados, verbos e, acima deles, os infelizes adjetivos. Por quê? Para quem?

Aprendi numa aula de economia que existe um custo para todas as nossas escolhas. É uma regrinha muito simples: o custo de abandonar um emprego, por exemplo, é voltar a viver no sótão de casa, sem dinheiro para almoçar em restaurante bacana. Quando tento aplicar essa lei ao funcionamento deste blog, fico louco. Filosoficamente falando, qual é o preço que eu pago por manter esta quitinete?

Talvez seja caríssimo.

Ontem à noite, fuçando nas gavetas de casa, encontrei uma revista de música e cinema que produzi aos 11 anos de idade. São 10 páginas de papel A4, digitadas em máquina de escrever e coloridas com giz de cera. Lembro que passei duas tardes editando aquelas resenhas. Ao fim do batente, o único leitor da publicação (eu) ficou muito satisfeito com o resultado.

Notei a semelhança: falo muito sobre adolescência, mas meus blogs são os vestígios dessa etapa da minha vida, o finalzinho da infância, quando eu escrevia (e criava músicas, programas de rádio, videoclipes em VHS, filmes imaginários) para ninguém. Era (e é) uma espécie de autismo criativo: eu, trancado dentro do meu cérebro, murmurando verdades.

Soa deprimente, eu sei. Mas, desde pequeno, não consigo domesticar essa vontade muito selvagem de escrever sobre o que vejo e sinto, os filmes e os discos e tudo o que existe entre eles. O mais curioso é que, quando criança, eu não era um menino solitário, sem amigos. Todos no bairro me conheciam. Eu era o presidente dos clubinhos — eu confeccionava as malditas carteirinhas! Com a minha Caloi azul, o meninão aqui liderava a equipe de bicicross. Mas, ainda assim, escrever me parecia um refúgio, uma ilha deserta.

Daí que, quando ouvi o disco novo do New Pornographers (uma das poucas bandas de rock que me levam de volta à infância, e não à adolescência), pensei: a hora é esta; vou parar com o blog e sanar a doença.

Parecia um plano razoável, mas não daria certo. Eu continuaria a rabiscar cadernos pautados e folhas de pão. Na minha lápide vocês encontrarão a frase: Tiago Superoito, que escreveu para as paredes.

E é impressionante como este disquinho novo do New Pornographers, Together, catalisou essas minhas preocupações e me ajudou a entendê-las. Por quê? É que fico com a impressão de que esta banda existiria de qualquer forma — com ou sem fã-clubes, críticas positivas, afagos de gravadores e status de “supergrupo indie”. Os álbuns dos canadenses, nos melhores momentos, soam como um jogo despreocupado entre amigos. Um divertimento. Uma tarde perdida, largada sob a brisa quente do power pop.

É como se cada um dos integrantes da banda se livrassem da realidade (as carreiras solo, todas muito respeitáveis) para curtir prazeres de infância: um refrão gorduroso, uma melodia excessivamente calórica, um riff safado, um ar de traquinagem. Canções para o churrasco de domingo. Só queremos nos divertir, é o que dizem discos como Mass romantic (2000) e Twin cinema (2005).

E isso é minha infância. Isso é este blog. Escrever por escrever. Escrever apenas por prazer.

É verdade que com o tempo, o New Pornographers deixou um pouco essa (saudável) pose de projeto descontraído para se afirmar como uma banda de verdade. Não colou. Challengers (2007) é um disco adorável, mas soa como uma colagem excessivamente cuidadosa (e mais “adulta”) de canções coletadas das carreiras solo dos principais integrantes: AC Newman, Neko Case e Dan Bejar. Dá para transformar hobby em trabalho? Acredito que sim, mas sentimos saudades daquela banda que não parecia banda, e sim uma farra, uma happy hour.

Together, já no título, tenta recuperar essa antiga sensação. Esforço consciente. Talvez por conta da receptividade morna de Challengers. Talvez por que a própria banda sentiu falta de um pouco de espontaneidade. Mas, por qualquer ângulo, é um disco que ocupa um espaço intermediário entre a minha infância e os meus vinte e poucos anos. A curtição alegre e as responsabilidades maçantes. Eu fico alegre quando vejo meu reflexo em The crash years (uma torrente de hormônios), mas um pouco tenso com a arquitetura calculadinha de If you can’t see my mirrors, que, com referências descoladas a Velvet Underground, resulta bem menos cool do que parece.

(E, tomando alguma distância do meu umbigo, note que este é um disco mais de Neko Case, que vem de um ótimo álbum solo e canta as melhores faixas, e menos de Bejar, que soa como se estivesse turbinando lados B do Destroyer. Já Newman, nosso chapa supercomum, quase não se destaca)

Se as primeiras gravações do grupo soavam como os amigos de meninice, que você conheceu aos 11 anos de idade (e seus rins tremem de emoção quando você lembra disso tudo, confesse), os mais recentes às vezes se assemelham aos reencontros com antigas turmas de colégio, quando tentamos simular as brincadeiras do passado e esquecer das obrigações. Tentamos, mas raramente conseguimos.

Nas boas canções (e são muitas, como Moves, Your hands, Up in the dark e We end up together), eles conseguem reprisar a mágica. O entusiasmo é real e os convidados especiais (do Beirut, St. Vincent, Okkervil River) entram na dança. A banda ainda me faz acreditar que eles vão continuar escrevendo e tocando canções como essas por muito tempo, mesmo quando a gravadora chutá-la e o último fã abandonar a arquibancada.

Acabou que, após dezenas de audições, este disco me convenceu a continuar com o blog e com os textos e com os argumentos e com os parágrafos inúteis que me perturbam e alegram. Para que serve o New Pornographers? Acho que para nada. Qual a relevância deles? Acho que nenhuma. Mas estou certo de que eu seria um pouco mais infeliz se esta banda (e este blog) não existissem.

Quinto disco do New Pornographers. 12 faixas, com produção da própria banda. Lançamento Matador Records. 7/10