Camilo Castelo Branco

Drops | Mostra de São Paulo (7)

Postado em

'Mistérios de Lisboa', de Raúl Ruiz: obra-prima

!!! Mistérios de Lisboa | Raúl Ruiz | 5/5 | Esta adaptação gigantesca do romance de Camilo Castelo Branco (e vasta em todos os aspectos, a começar pela duração: 4h30) permite que nós, os espectadores, nos percamos num mundo de ficção que se desdobra cena a cena. Nesse ponto (e a comparação pode parecer inconsequente), ele me lembra a experiência de assistir a Inland Empire, de David Lynch: Ruiz conduz a narrativa com tanta autoridade, cria um sentido de encantamento tão intenso que, numa certa altura da viagem, não importa mais para onde ele está nos levando. Ainda assim, o filme me parece absolutamente rigoroso: não trai o romantismo de Castelo Branco (pelo contrário: ele o acentua, rejuvenesce, trata as reviravoltas e as coincidências folhetinescas com muito prazer) ou a estrutura labiríntica do livro: as tramas e personagens (dezenas deles) são como os tantos galhos de uma árvore cujo caule nunca ameaça tombar. É o monumento da Mostra: e daquelas sessões que não se esquece.

Um dia na vida | Eduardo Coutinho | 3/5 | No fim da sessão, Coutinho admitiu não saber ainda se este projeto deve ser classificado como uma obra acabada ou como uma pesquisa para um filme futuro. Lembrei de uma entrevista que fiz com ele, na época de Edifício Master: era época de Big Brother Brasil e ele comentou que gostaria muito de fazer um filme com os momentos do pay-per-view em que nada acontecia. Um dia na vida é algo próximo disso, ainda que muita coisa aconteça: uma “pilhagem” de imagens da tevê aberta, gravadas num período de 19 horas e editadas numa duração de 95 minutos. Coutinho diz que a colagem foi feita de uma forma quase automática (o filme não tem dono, é impessoal, ele diz), mas não posso (nem gostaria de) acreditar nisso: o que mais me interessa nesta provocação é o quanto do cineasta se revela na escolha desses trechos de programas. A febre da beleza feminina, a exploração da miséria humana, a grosseria kitsch dos folhetins e o mercado da religião são alguns dos temas que pipocam num zapping de bizarrices cotidianas que, infelizmente, não será exibido em lugar algum (e por uma questão de direitos autorais, nada mais). Coutinho seleciona cenas que, fora de contexto, nos perturbam por mostrar um país truculento e fútil, terrível de se ver. É uma comédia cruel – mas o tipo de argumento (resumindo: a tevê aberta é um lixo e um espelho do espectador) que não avança para além das velhas discussões sobre o tema. Talvez Coutinho tenha realmente um filme a ser criado a partir desta “pesquisa”: então, aí sim, veremos o que ele é.