Camera Obscura

Superoito express (28)

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Crazy for you | Best Coast | 7

Um resumo muito preciso desde primeiro disco do Best Coast pode ser encontrado numa antiga canção do Breeders: “Summer is ready when you are” (traduzindo: “o verão está pronto quando você está”). Então taí, minha gente bronzeada: um disco de praia, californiano, que nem sempre soa como uma tarde de sol. Bethany Cosentino, a vocalista, às vezes nem chega a sair de casa: “Estou esperando, esperando, esperando no telefone”, ela admite, em canções às vezes perdidamente sentimentais sobre “maconha, meu gato e preguiça”. Cool. Entende-se facilmente a popularidade repentina de uma banda que passa como a irmãzinha agoniada do She & Him. Fãs de Camera Obscura, vistam os biquinis.

É (e sejamos francos) um disquinho ordinário porém viciante, que embarca na onda do indie rock praiano sem olhar para trás. Não é isso tudo. Mas é um grude. Cosentino e o chapa Bobb Bruno entendem que o momento é de tirar a poeira dos velhos discos do papai e retocá-los com um verniz (moderadamente) noise. Sou mais Surfer Blood. Mas reconheço que a vocalista (algo de Liz Phair, algo do deboche da Courtney Love de Celebrity skin) tem o talento de, como quem não quer nada, roubar clichês e, com eles, criar frases curtas, quase slogans, que brilham feito pisca-pisca. Daí que não vai dar para esquecer este disco na manhã seguinte. Talvez nem quando o próximo verão chegar.

A sufi and a killer | Gonjasufi | 7.5

Tá lá no Wikipedia: Sumach Ecks, o Gonjasufi, é um “rapper, cantor, disc jockey e professor de ioga” que nasceu na Califórnia, vive em Las Vegas e grava pela Warp Records. É informação suficiente para um primeiro contato com as loucuras de A sufi and a killer, fácil-fácil um dos lançamentos inclassificáveis do ano. O disco, que parece ter saído da cabeça de um DJ com déficit de atenção, tem a estrutura quebradiça do hip-hop mais jazzy e experimental (um Flying Lotus menos abstrato), com algumas melodias de soul e reggae, orientalismos, psicodelia e um punhado de outras referências que nunca identificaremos. No meio da zoeira, faixas mais familiares (como o lamento She’s gone) chegam a dar choque. O alcance de Gonjasufi é impressionante — e trata-se de um aqueles artistas que parecem usar a música para comentar uma realidade confusa —, mas às vezes o que se ouve é apenas o som de peças que não se encaixam.

Street songs of love | Alejandro Escovedo | 7

No ano em que The-Dream se proclamou o “rei do amor”, vale comparar o disco mais recente do rapper a este Street songs of love, outro álbum (compulsivamente) sobre o amor. O coração de Escovedo, não sem razão (ele tem quase 60 anos), bate num compasso mais tranquilo e realista, mas sem uma sonoridade exatamente singular (e isso, goste ou não, The-Dream tem). Trata-se principalmente de uma viagem ao rock setentista, stoneano, empapado em suor e cevada, que me lembra o Nick Cave de Dig, Lazarus, dig e o Elvis Costello de When I was cruel. Muitíssimo apaixonado pelas guitarras, com uma banda de apoio muito forte (o The Sensitive Boys) e letras que esmiuçam o que há de tocante e patético nos romances. Mas, neste disco de rock (melhor título: The bed is getting crowded), minha favorita é uma balada mais para Keith Richards do que para Mick Jagger: Down in the bowery, de doer. Bruce Springsteen, homem do ano, faz uma ponta em Faith.

Archive 2003-2006 | Department of Eagles | 7

Coletâneas de raridades funcionam mais ou menos como os aperitivos que você degusta entre uma refeição e outra: não enchem a barriga, mas aplacam a fome (dos fãs). É essa a regra. Este disco do Department of Eagles é a exceção. Pode ser consumido como o registro de uma fase do duo (as canções vêm de gravações abortadas, entre a estreia The cold nose e o frondoso In Ear Park) e como um álbum “novo”, com início, meio e fim. A estrutura do disco, todo pontuado por improvisações curtas (os sketches são como vírgulas num texto), é muito bem pensada, e dá ao repertório uma fluência que os outros trabalhos da banda não têm. A desvantagem (óbvia) é que as músicas de Daniel Rossen (Grizzly Bear) e Fred Nicolaus soam quase sempre como rascunhos, tentativas frustradas, peças largadas pela metade. Duas joias: Grand Army Plaza e Brightest minds.

Serotonin | Mystery Jets | 6.5

É o que se espera de um disco de rock britânico produzido por Chris Thomas (de Never mind the bollocks, do Sex Pistols, e Different class, do Pulp): um playground setentista, com brinquedinhos para entreter fãs de glam, punk, power pop e rock de arena. Divertimento levemente cínico, so british! Thomas, que é um sujeito muito lúcido, lima a gordura prog do quinteto como quem grita lá da mesa de gravação: foco, foco! O saldo de tanto foco é um disco talvez objetivo demais, que pode até surpreender os fãs do grupo (que talvez esperassem mais sisudez, mais ambição). Flash a hungry smile, por exemplo: uma homenagem muito alegre e digna a Brian Wilson, mas quantas outras não ouvimos por aí? Show me the light, outro bom momento, soa mais como um pedido de ajuda: uma banda competente, mas ainda perdidinha.

Superoito express (20)

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Volume 2 | She & Him | 6

O fã-clube de Zooey Deschanel que não me pendure praça pública, mas eu esperava encontrar, neste segundo disco do She & Him, a personagem que ela interpretou com tanta convicção em 500 dias com ela: Summer Finn, a musa imprevisível que atormenta os fãs românticos (e panacas) de indie rock. Mas (que vida!) meus desejos não foram realizados. Neste conto de fadas folky, ela ainda vive a mocinha indefesa, a heroína que caminha melancólica, inconsolável pelos campos ensolarados da Califórnia.

Tudo bem. Nem tudo é perfeito. E talvez a Zooey popstar se aproxime da Zooey real (o que seria uma pena, mas enfim). O problema é que essa (ops) personagem me parece cada vez mais monocórdica. Este Volume 2 é um disco do Camera Obscura, só que sem ironia ou finesse. Parece fácil fazer pop vintage, com aquela sonoridade quente de vitrola velha, mas o risco do diluir efeitos está sempre ali. Daí que o disco, comportadíssimo, só brilha quando o vinil de M. Ward ganha um outro colorido, uma doçura à Jon Brion. São duas músicas: In the sun e Don’t look back. Mas elas mostram que, sim, Zooey é capaz de virar o disco. Ao terceiro volume, então.

Dear God, I hate myself | Xiu Xiu | 7.5

Ao contrário do projeto de Zooey e M. Ward, o estilo de Jamie Stewart é um caso tão particular que parece projetado para provocar estranhamento. As canções, com mudanças abruptas de andamento e efeitos dissonantes, soam às vezes como arquivos corrompidos de MP3. Stewart vai picotando um punhado de referências (synthpop, lo-fi, indie, goth rock) até fazer com que o disco perca completamente o eixo, numa colagem doméstica, frágil, agoniada, que ressalta a franqueza do discurso. Como acontece com os álbuns do Why? e do Eels, este também cria um ambiente de intimidade quase sufocante. Pode soar simplesmente doentio. Mas, se não é tão forte quanto Fabulous muscles (2004), no mínimo serve para comprovar que Stewart ainda não encontra conforto nem no rock, nem em nada. É bonito, garanto. E recomendo que você tente pelo menos três vezes antes de desistir.

Big echo | The Morning Benders | 7

O Morning Benders pode ser considerado uma espécie de primo do Local Natives, outra banda californiana que usa a massa bruta do indie rock americano (no caso, o folk barroco de um Grizzly Bear) para criar uma sonoridade generosa, próxima do pop. Mas, antes que os acusem de oportunismo, aviso que eles se apropriam desses novos chavões sem cinismo. Estão verdadeiramente dispostos a disputar um espaço entre os ídolos. Big echo é, por isso, um álbum muito esforçado. Sei que a palavra é terrível, mas taí um quarteto que faz tudo para agradar a um público muito específico. E consegue, mesmo sem personalidade. Eficiência e bom gosto, no caso. Califórnia é uma grande nação (como diz a música do She & Him) e é interessante acompanhar uma banda tentando encontrar um lugar nesse mundo.

Fang Island | Fang Island | 7

Mas claro: mais interessante do que acompanhar uma banda deslumbrada com as próprias referências é descobrir aquelas que tentam criar todo um vocabulário. O Fang Island, de Rhode Island, é dessas. Eu definiria o som deles como um monstrengo prematuro nascido de uma rapidinha entre o Van Halen (os solos de guitarra a mil por hora, a pompa hard rock) e o Animal Collective (os corinhos infantis, o espírito comunitário). Para o Wikipedia, eles cabem no rótulo “progressive rock”. Talvez seja isso, ainda que tudo acabe soando tão frenético quanto um disco de hardcore. Ainda não sei se amo essa bagunça (e, se é para quebrar tudo, Dan Deacon me parece muito mais radical), mas reconheço que não ouvi nada igual.

Life is sweet! Nice to meet you | Lightspeed Champion | 6

Para quem conhecia e gostava do projeto anterior de Devonté Hynes (a banda de dance-punk Test Icicles, praticamente um tigre), o Lightspeed Champion vai continuar provocando muita frustração. No segundo disco, o texano (criado na Inglaterra desde os dois anos de idade) continua a enquadrar o próprio som de acordo com algumas convenções pop quase caducas: brit pop, easy listening, new wave. Tudo o que ele quer, aparentemente, é mandar um abraço para Jarvis Cocker e Morrissey (e quantos outros não querem?). A boa ideia deste Life is sweet é o olhar positivo para temas que costumam ser cantados com fatalismo (Dead head blues, por exemplo, é uma faixa alegre sobre o fim de um relacionamento). O oposto de A vida é doce, do Lobão. Nas recaídas, no entanto, Hynes escreve obviedades como I don’t want to wake up alone, que só reforça os clichês associados ao tal “som da Inglaterra”. E aí as piores do Morrissey soam pelo menos mais divertidas.

Superoito express (6)

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Rock de mulherzona (e de mulherzinha, às vezes).

Actor | St. Vincent | 7.5 | É a hora e a vez de Annie Clark. Não é? Deveria. Depois da festa que se fez para Marry me (uma estreia promissora e tudo, mas que ainda soa irregular e enjoativa – pelo menos aqui em casa), até meu golden retriever estava se perguntando sobre a estratégia que ela usaria para não desaparecer completamente (e nunca ser encontrada). A boa notícia, então: Actor é um segundo álbum que, sem abandonar os traços mais firmes do disco anterior, encontra a clareza de intenções que Clark procurava. É um ciclo de sombrias canções de ninar, em que arranjos de cordas barrocos (à Van Dyke Parks, Jon Brion) convivem com riffs violentos de guitarra e uma eletrônica mecânica, dura (Marrow é o melhor exemplo desse contraste). Ainda lembra um pouco Fiona Apple e Björk, mas taí: as semelhanças não incomodam muito. Clark começa a pavimentar um caminho particular dentro da tradição do rock sinfônico elegante, com versos manchados por hematomas (“Pinte o buraco negro com mais preto”, ela ordena, em The strangers) e um desejo de provocar terremotos sentimentais que, apesar de aplacado depois da quinta ou sexta faixa, emociona mais que qualquer álbum do Polyphonic Spree, banda que ela costumava integrar. A resposta que eu, você e meu golden retriever queríamos está no título da décima faixa: Just the same but brand new. Exato. 

My maudlin career | Camera Obscura | 6.5 | Espero que sua inteligência me perdoe, caro leitor. Mas minha relação com este quarto álbum do Camera Obscura é abalada por um conflito (muito mais típico do que você imagina) entre instinto e razão. Lá na sexta faixa, me peguei num daqueles momentos de iluminação pseudofilosófica: quando é mesmo que devemos descartar um disco por não preencher nossos requisitos racionais, por frustrar nosso caro padrão de qualidade, por não cumprir as exigências da fria lista de exigências de seres obcecados por música pop?  Racionalmente falando, My maudlin career é uma negação. Os escoceses repetem pela quarta (!) vez uma fórmula mofada de pop rock retrô, com acenos e beijinhos para os grupos vocais femininos dos anos 60 e o remake de um universo paralelo de romantismo e fofura onde até o Belle and Sebastian parou de tirar férias. Mas o instinto pede a palavra por uns minutos e… por favor! São poucas as bandas que defendem um refrão twee com tanta franqueza, e os fãs de Juno certamente tratarão este disco como uma intensa trilha sonora para páginas borradas de diários escritos a canetinha colorida, lembranças melancólicas da pré-adolescência e saudade melosa daquela ingenuidade antiga que foi embora num transatlântico branco e nunca mandou uma carta sequer. “Eu sou exatamente como você”, canta Tracyanne Campbell. Eu??? Eu não, violão. Racionalmente falando, claro.

Still night, still light | Au Revoir Simone | 6 | As nova-iorquinas do Au Revoir Simone podem não ter tirado a sorte de uma Annie Clark, mas o álbum que segue o bem-recebido The bird of music também flagra uma banda pronta a reconhecer fragilidades e ressaltar pontos fortes. Ufa. Elas passaram a entender, por exemplo, que os remixes dançantes sempre soaram mais relevantes que o shoegazing embaçado que entorpece o disco anterior, sonolento (agora posso assumir sem culpas: escutei duas, três vezes no máximo). Quase todas as novas faixas são remixes pré-fabricados, com longas introduções de eletrônica e versos que se repetem em ladainhas sofridas de mulheres à beira de ataque cardíaco. “Estou mudando. Espero que você venha comigo. Não sou forte sem você”, admitem em Shadows, que cabe num desfecho de Grey’s anatomy. Prefiro a chanson The last one, tão delicada que quase caiu do meu iPod e quebrou. Still night, certo. 

(a)spera | Mirah | 5 | A decepção da semana. Foi mal, Pitchfork. Sorry, cinturão indie (e vocês ainda não me convenceram de que o novo do Yeah Yeah Yeahs é uma maravilha deslumbrante por soar como os anos 80; procurem um argumento mais confiável, ok?). Tentei me perder na floresta mágica de Mirah Yom Tov Zeitlyn, mas tudo o que encontrei foi uma confraria de elfos serelepes e migalhas de pão deixadas por Joanna Newsom e Björk (aliás, se Björk começar a cobrar direitos autorais das clones, salvará a Islândia da falência econômica). Também há lugares-comuns no indie rock bem-intencionado, minha gente. Por que não? (a)spera (e note o título modorrento) começa como uma ode à sensibilidade de Nick Drake, com versos místicos e eletrônica sutil. Em Generosity, Mirah avisa que está cansada de tanto desprezo, o amor às vezes é um porre e por isso não gastará mais energia. Um coro de machos reclama: “Queremos mais. Nós queremos mais”. O desejo é, infelizmente, uma ordem: Education tenta uma teoria acadêmica para relacionamentos amorosos, The forest tem guitarras abafadas à Nick Cave, While we have the sun cria pânico nos que temem as consequências do aquecimento global e The river se estica em insuportáveis sete minutos de folk transcendental. O ápice do transe, pelo menos para o público brasileiro, é Country of the future. Repare o título. E se eu disser que Mirah tenta um sambinha bem fajuto inspirada pela atmosfera gostosa do carnival? Armadilha pra turista.