Brooklyn
The Drums | The Drums
Fofofóbicos, tremei: The Drums não é uma banda para vocês.
Não é. Recomendo desistência por antecipação. Sei qual é a dos fofofóbicos, essa gente com aversão a fofuras e chamegos xaroposos e guti-gutis afins. Para eles, Belle and Sebastian, Camera Obscura, The Shins e Sufjan Stevens equivalem a ursinhos de pelúcia róseos e muito simpáticos e macios (simpáticos e macios demais, diriam). E Juno só seria um filme decente se banisse aquele nerd delicado, com hálito de suco de laranja. Irc.
Gente estranha. Não os entendo.
Quer dizer: tento entender. Tento porque convivo com eles. Tento porque sei o que eles detestam. E eu nem veria problema em apontar nomes, já que todos acreditam que meu blog é aprazível, delicadinho, emotivo e, por isso, abominável feito algodão-doce de morango.
Eu acho, sinceramente, que eles deveriam se tratar. O que seria do mundo sem os momentos de fofura, meus amigos? Eu nem quero saber.
Mas, como eu ia dizendo, tento entendê-los. E bandas como o The Drums me ajudam nessa luta. É uma banda muito fofa, aviso logo. Um doce. Fofíssima: dá vontade de pegar no colo. Ela é formada por quatro sujeitos que são ou extremamente cínicos ou perigosamente carentes. Nada de errado com carência. Todos nós, até os fofofóbicos, vivem dias, horas, segundos de carência. É claro: eles superam as agruras com três ou quatro abdominais ou barras de chocolate (meio-amargo). Nós, os tristes, descarregamos nossas pitangas na música pop.
E o curioso é que nós, os tolerantes a excesso de fofura, queremos sempre mais. Mais choro, mais desencanto, mais fragilidade, mais doçura, mais melancolia. Então não nos irrita o fato de que uma banda como o The Drums (e há tantas!) acabe soando como um encontro meio literal entre The Smiths e The Shins, com sintetizadores agradáveis que afagam a nossa nuca e um manto acolchoado de guitarras que nunca espeta nossas costas. Logo nos primeiros acordes, nos sentimos acolhidos, seguros.
Para quem congela só de ouvir a palavrinha “twee”, aviso: mantenha distância. The Drums soará simplesmente intratável. É uma daquelas bandas que aprenderam o bê-a-bá do “beach pop” (que vem lá dos anos 60, Beach Boys e congêneres) e o aplicam ao gosto de uma geração que traduz essas influências de uma forma estudada, meio blasé, autoirônica (mas sem se aproximar da autoparódia). Algo como os momentos mais delicados do Vampire Weekend e do Ra Ra Riot.
The Drums é assim: demonstra muito talento para usar aquele velho clichê californiano (versos tristes para melodias alegres) de uma forma que soa muito sincera. É um quarteto de Brooklyn, Nova York, e a procedência talvez explique por que eles às vezes deixam a impressão de participar de um grupo de estudos avançados sobre indie pop. E, se alguém tinha dúvidas sobre a origem da faixa mais grudenta do disco (Me and the Moon), está tudo lá: The Strokes via Phoenix.
Essa música, a mais animadinha (e a mais derivativa de todas), é desvio de rota num álbum até certo ponto monocórdico e (falsamente?) ingênuo. “Você é meu melhor amigo, então você morreu”, canta Jonathan Pierce na faixa de abertura, Best friend, que vai desfiando memórias da adolescência muito doloridas, embaladas em arranjo dance. Mais adiante, ele confessa que a vida vai ficando cada vez mais difícil. “Eu imaginava que ficaria mais fácil”, diz. E coisa e tal.
Lá nas últimas faixas, a banda acrescenta uns violões safados ao pão-de-ló sentimental. E aí entendo a birra dos fofofóbicos. Da mesma forma como nós, os sentimentais, reclamamos da dureza impassível de algumas bandas de heavy metal e de hard rock, eles também têm o direito de se irritar com os trejeitos frágeis dessa turma à flor da pele. Nos dois casos, existe uma fórmula em ação. Há truques e há golpes baixos. The Drums usa essa artilharia com eficiência (é um primeiro disco!), mas, admito, parece cuidadosamente adaptada para agradar a um público que sabe o que vai ouvir e, ainda assim, quer mais.
Numa pastilha (de uva): é previsível, sim. Mas os bons sentimentos me parecem verdadeiros. Ou muito bem encenados. E acredito que é por conta desse elemento secreto, misterioso, que esta banda consegue se destacar em meio a tantas outras. Não tem nada a ver com marketing, ó descrente. A fofura, em alguns momentos, nos comove, nos levanta um espelho. E aí é como se, de um jeito meio torto, acertasse nossos nervos.
Como explicar esse efeito a alguém que nunca se apaixonou terrivelmente por algo impossível, por uma fantasia? E como explicar tudo isso a alguém que nunca encontrou conforto nas melodias chorosas das love songs? Não dá.
A estreia do The Drums não é nada extraordinária. E nada medíocre. Não é o céu nem o inferno. É um purgatório em azul-bebê, digamos, com cheiro de lavanda, etc. Por isso, pode soar irritante ou apaixonante. Eu escreveria um longo texto negativo sobre este disco e provavelmente vocês concordariam comigo. Mas este não sou eu. Meu coração tem 12 anos de idade. E (perdão, fofofóbicos) ele bateu feliz com o que ouviu.
Primeiro disco do The Drums. 12 faixas, com produção de Jonathan Pierce. Lançamento Moshi Moshi e Island Records. 7/10
Heaven is whenever | The Hold Steady
Não compro CDs há mais ou menos um ano, mas calhou de acontecer: quinta-feira à noite, bati o olho na prateleira e a bolachinha colorida olhou de volta. Flerte falal: fui esfaqueado em 60 pilas, mas voltei para casa feliz da vida, eu e minha cópia zerada, tinindo, reluzente de Boys and girls in America, do Hold Steady.
Era um daqueles discos que eu precisava ter. Precisava. Nada tenho contra a diluição de melodias em arquivos vagabundos de MP3, mas há casos em que sinto a necessidade de adquirir uma prova material, um rastro visível, um souvenir dos meus discos do coração. Há dois dias, descobri que Boys and girls in America está entre eles. Meu peito foi lá e disse: “compre o maldito CD importado!”
Até agora, ele só me trouxe alegrias. No carro, desembrulhei o bichinho e aumentei o volume do som. Os vidros trincaram com os primeiros acordes de Stuck between stations, um clássico. E o corinho de Chips ahoy! acabou se mostrando menos estridente do que eu lembrava. Solucei discretamente no início de First night, que passa pelo disco feito uma brisa de desencanto, de meninice mal resolvida. É tudo muito tocante, como um grande episódio de Anos incríveis.
A nova audição trouxe duas revelações: eu, acostumado os bits bichados de arquivos leves, nunca havia reparado em como Craig Finn soa gentil neste disco (como quem diz: “por favor, senhoras e senhores, peço alguns minutinhos para que vocês ouçam minha modesta obra-prima”). E, mesmo durante meu longo e intenso namoro com o álbum, eu não havia notado o quão elegante (até rebuscado) é o tecido dessas melodias. A banda vai à guerra com o batalhão todo: piano, cordas, sopros, distorções punk e vocais femininos, canções de amor e hinos de bebedeiras, narrativas cruzadas (sobre tipos adolescentes, perdidos e desidratados) e nerdices literárias (“Às vezes penso que Sal Paradise estava certo”, admite Craig). É um disquinho imenso.
Eu teria que ouvir Stay positive novamente (e vejam isto: também comprei o CD!), mas tenho quase certeza de que Boys and girls in America é o ápice indiscutível do grupo. Stay positive é mais dark e desesperado (mais John Cassavetes, menos Gus van Sant), mas não chega perto. Separation Sunday é lindamente imaturo, e só. Talvez eles saibam disso tudo. E talvez, por saber disso, eles avisem, a cada novo lançamento, que estão prestes para nos surpreender. A verdade, no entanto, é que eles nunca nos surpreendem.
Obras-primas às vezes são um fardo, um carma, e o Hold Steady terá que se contentar com o fato de que ficarão à sombra de 2006. É triste, mas taí. O que nos leva a Heaven in whenever, o quinto disco dos nova-iorquinos.
Nova-iorquinos, ahn? Você já parou para pensar nisso? Pode soar impressionante, mas o Hold Steady é do Brooklyn, a cidade do The National. A distância entre as duas bandas é de algumas centenas de quilômetros. Os discos do National apontam para uma Nova York feérica, de asfalto e neon. Os do Hold Steady miram lembranças de cidades interioranas, em sépia. Finn cresceu em Minnesota, e essa informação explica tudo sobre a mise-en-scene do grupo: os personagens geralmente não têm o que fazer nem para onde ir. Se entediam, e por isso inventam de tocar em bandas de rock.
A sonoridade do quinteto, por uma questão de coerência, deve muito à aura pop associada ao Meio-Oeste norte-americano: ecos de country rock, guitarras secas e diretas, poesia com algum traço folk (eles narram histórias, desenvolvem dramas, cantam A América). A banda se alimenta de nostalgia caipira e, portanto, fracassam sempre que tentam “urbanizar” esse som. Há alguns meses, eles anunciaram um disco mais “cinematográfico”, sortido, com “um quê de Jon Brion” (e foram eles que disseram, não tenho nada a ver com isso). E agora descobrimos que, surpresa!, tudo o que temos é mais um disco do Hold Steady.
O que está longe de ser uma descoberta ruim. A paisagem da banda continua sob o sol, um doce caseiro. A faixa de abertura, The sweet part of the city, é um American graffiti de baixíssimo orçamento: tédio, amores platônicos e outros demônios. O andamento da canção parece menos apressado do que de costume, mas é alarme falso. Da segunda música em diante, o Hold Steady usa o molde que conhecemos. Em alguns casos, as melodias são tão fortes que poderiam ter entrado em Boys and girls in America. Mas fica a sensação de que faltam foco e propósito ao disco.
Sobre o que é esse filme mesmo? Sinceramente, ainda não sei. Na segunda faixa, Soft in the center, Finn adota a faceta de adulto (um personagem que ele já havia interpretado em Stay positive) e manda um conselho de gentleman aos aspirantes a Don Juan. “Você não vai ter todas as garotas. Você vai ter aquela que você amar mais”, avisa. Depois, insiste: “Eu sei o que acontece com você. Isso aconteceu comigo também.” É nessas horas dá vontade de largar o disco, tomar um avião e bater um papo com o sujeito.
A terceira música é o que esperamos do Hold Steady: um par de losers fazendo bobagens. “Sim, eu vou voltar e te encontrar. Mas não vai ser como nas comédias românticas. No fim da história, ninguém vai aprender lição alguma”, canta, e dá a piscadela geek que esperamos de um fã de cultura pop.
Até aí, nenhum susto. E algum constrangimento (Rock problems, por exemplo, é uma DR tolinha). As coisas ficam sérias na balada We can get together, que explora o tom sombrio de Stay positive com um tom mais afetuoso, triste. Uma letra sobre saudade. “O paraíso era sempre que nos encontrávamos, ligávamos o som e ouvíamos os seus discos”, ele lembra. E aí não há o que fazer: sabemos que a estratégia é muito apelativa (toda banda de rock tem uma canção do gênero), mas nos emocionamos mesmo assim.
No restante do longa-metragem, Finn dá algumas tacadas seguras: cria versos que podem ser usados como hinos, já que interpretam com muita honestidade um turbilhão de símbolos e clichês do rock (e agora nem vale mais falar em Bruce Springsteen: o Hold Steady recicla o próprio repertório). “Os meninos estão todos distraídos, ninguém vence em shows violentos”, ele diz, em Barely breathing (em clima de cabaré sujo e power pop decadente). “Somos bons garotos, mas não conseguimos ser bons todas as noites”, brinca, em Our whole lives (que começa igualzinho a Stuck between stations). A slight discomfort termina metralhado pela bateria. “Não temos medo, temos alguma fé. Vamos ficar bem. Vamos sobreviver à noite”, promete Craig. Desce pano.
Epílogo: o Hold Steady continua a olhar para o passado (um passado inventado, aposto) com um misto de nojo e carinho, desprezo e paixão. Esquizo-nostalgia. Sei o que é isso. Ouço Boys and girls in America e sinto saudades. Não sei de que. Enquanto isso, temos Heaven in whenever. Um disco que não se deixa sufocar pelo passado da banda. Um disco adulto. E, de certa forma, adorável. Como um episódio esquecível de Anos incríveis.
Quinto disco do Hold Steady. 10 faixas, com produção de Dean Baltulonis e Tad Kubler. Lançamento Vagrant/Rough Trade. 7/10