Brian Eno

Os discos da minha vida (36)

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Os 100 discos da minha vida, edição especial. Edição comemorativa. Ou algo assim.

Minto, minto. Todas as edições deste ranking são especiais. São porque elas mexem aqui na minha essência, no meu eu interior, nas profundezas das minhas sensações, no lado esquerdo do peito. Você sabe como é, meu irmão. Admito que tenho um pouco de medo de escrever sobre esses disquinhos. Medo de ter um ataque cardíaco e desabar aqui no chão gelado do apartamento.

Sério! Ok. Não tão sério.

É que (repetindo toda a ladainha que vocês curtem à beça) este é um ranking estritamente pessoal, com os discos que abalaram a minha vida, portanto não espere encontrar indicações lúcidas sobre as obras fonográficas mais influentes, importantes, ambiciosas (deus!) da música pop. Não. É só uma listinha modesta, criada com um tanto de orgulho e outro de desleixo, mui sentimental, honesta, digna e que (ainda) está na flor da idade.

Ninguém quer saber dela, mas ela não tá nem aí. Se é que vocês me entendem.

Novidade! A partir desta edição, você pode clicar num linkzinho ali embaixo e conferir o restante do ranking. Pra refrescar a memória. Recordar é viver.

No mais, os dois discos de hoje não são apenas obrigatórios. São incontornáveis. Históricos. Fundamentais. São diamantes. São coisinhas tão bonitinhas do pai. São créme de la créme. E tudo o que mora acima desses elogios todos.

030 | Nashville skyline | Bob Dylan | 1969 | download

Em 1969, este não era o disco que o mundo queria de Bob Dylan. Ele, o auteur folk que trocou violões por guitarras, deveria estar matutando algo mais complexo: era uma época em que o rock era a arte moderna que todos os garotos sabidos da classe queriam experimentar. Mas nosso herói resolveu sacar não o álbum que esperavam dele, mas aquele que queria gravar. Que parecia, em tese, uma bolachinha singela: uma coleção curta de country rock sobre os momentos felizes na vida de um sujeito que (por um momento) encontrou na vida doméstica uma espécie de idílio. Nashville skyline se entrega já na capa: Dylan sorri como nunca antes, segura o chapéu num gesto elegante, encara a câmera sob o sol de um dia quente. Pois é nesse álbum tão banal, tão pouco inventivo, que o homem o conforto, a plenitude, a paz de espírito e o amor. É tão bonito que machuca (já que nós, pobres ouvintes melancólicos, estamos sempre à procura desses momentos totalmente felizes). E, se vocês buscam um motivo prático para colocar este disco pequeno entre os seus favoritos, Dylan canta como se estivesse descobrindo a própria voz. Uma interpretação serena, despreocupada, sublime – de um jeito que não existe em nenhum outro álbum do homem. Top 3: Tonight I’ll be staying here with you, Lay lady lay, Girl from the North Country

029 | Low | David Bowie | 1977 | download

Quando descobri a discografia de Bowie (aos 15, 16 anos), decidi seguir o itinerário sem grandes estripulias: em ordem cronológica, álbum a álbum. Parecia que eu havia embarcado num foguete que se afastava lentamente do solo. Desde o começo da carreira, o compositor se cercou de símbolos de ficção científica, talvez por não encontrar outra forma de definir uma sonoridade ao mesmo tempo mutante e imprevisível, lost in space, flutuando em gravidade zero. Quando cheguei a Low, bateu em mim a desconfiança de que não havia mais para onde ir: a nave chegou ao ponto mais extremo da viagem. Era como se nosso comandante tivesse decidido abandonar todas as convenções mundanas que ainda apareciam nas jornadas anteriores para se escorar num estilo ainda virgem, ainda em gestação. Work in progress. Expedição inacabada. Nos discos posteriores, o encontro com o produtor Brian Eno ganharia um formato mais preciso, mais palpável. Mas foi em Low que Bowie dividiu com o público o prazer da descoberta de um planeta exótico, de um som novo. Ele gravaria ainda meia dúzia de belos discos: nenhum tão insólito quanto este. Top 3: Sound and vision, Speed of life, Warszawa.

Após o clique, confira os discos que já apareceram neste ranking.

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Congratulations | MGMT

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Você já foi o primeiro da classe? Eu já. E garanto: não é tão divertido quanto parece.

Foi assim: aos 14, eu era um aluno muito tímido e, por isso, discreto – daqueles meninos invisíveis que fazem o possível para não tirar notas inferiores ou superiores a 7. Sempre 7. Naquela época, minha meta era desaparecer na lista de chamada. Eu vivia para não ser notado: preferia as roupas em tons neutros, podava meu cabelo com máquina 3 e lia revistinhas do Batman. Meus amigos me tratavam como um chapa razoavelmente bacana, já que eu era igual a eles. E as garotas, como que por tradição, me confundiam com as pilastras do colégio. Mais tarde descobri que todos – meninos e meninas, sem exceção – éramos simplesmente desinteressantes. Uns comuns.

Mas, naquela época, eu ainda era um rapazinho muito inocente. Tão ingênuo que, num surto de vaidade e fôlego olímpico, resolvi gabaritar uma prova de português. Não que eu precisasse dos pontos no boletim (eu era um estudante nota 7!), mas, na falta de algo melhor a fazer, resolvi me desafiar. Estudei duas horas por dia e, um touro!, tirei 10. O único 10 da classe. Os meus amigos começaram a me evitar na hora do recreio. Quando tirei meu segundo 10, comecei a receber sorrisos orgulhosos da professora. As garotas passaram a me encarar como uma geladeira vazia. No mês seguinte, milagrosamente, eu era o representante da turma numa maratona de gramática.

Aceitei. Eu mal sabia que, meu amigo!, aquela seria uma das experiências mais desagradáveis da minha vida. Passei três horas trancado numa sala gelada, preenchendo lacunas em textos de revistas semanais e respondendo questões enigmáticas que faziam minha cuca ferver. Saí da sala desencantado, insatisfeito com aquela sina solitária. Para meu alívio, fiquei em último lugar na competição. Salvei minha pele. Após cinco ou seis valentes notas 7, recuperei meu lugar entre os medíocres.

Às vezes acho que estou lá até hoje.

Mas chega de devaneios. Fim do flashback. E o que essas lembranças tão tolinhas têm a ver com o disco novo do MGMT?, você me pergunta. Eu respondo: é que eu entendo o que acontece com o MGMT. Sei muito bem que um hit pode representar uma espécie de condenação.

Meus hits (as notas 10 em português) me colocaram numa desconfortável posição de destaque diante dos meus colegas invejosos (mas muito queridos). Transformaram o Tiaguinho Sem Qualidades num cidadão de primeira classe (e tudo o que eu queria era me espreguiçar nas poltronas econômicas!). Os hits do MGMT fizeram estragos mais profundos: converteram Ben Goldwasser e Andrew VanWyngarden em astros pop. Lá no topo da classe. Gabaritaram o teste das rádios. Hoje sabemos que não era bem esse o objetivo deles.

Mas não é mesmo extraordinário ser um astro pop? Fama, moçoilas afoitas, programas bizarríssimos de auditório, clipes com CGI, trilha sonora de comédia retardada, contratos extravagantes, mansões em Miami Beach, champanhe e cerejas. Quem não quer? Mas e se você nunca tivesse desejado sinceramente nada disso?

Não conheço Ben e Andrew (e eles me parecem uns sujeitos bem convencidos), mas a história de Congratulations é essa aí: depois de acertar com três hits grandahões (Time to pretend, Kids e Electric feel), eles resolveram se dedicar ao que importa (a eles): reatar com os antigos amigos da turma do indie rock. Para os fãs, pode parecer uma reviravolta frustrante: aquela bandinha tão simpática, que se deleitava com o algodão-doce radiofônico, decidiu gravar um disco sem singles, sem gosto de milkshake de Ovomaltine, uma trava-língua psicodélico sem um único candidato a chacoalhar o assoalho e sangrar a pista de dança.

Sim, é um mistério. A Sony que se cuide. Enfezado, o MGMT penaliza os fãs que se deixaram enfeitiçar pelos três hits (e só por eles). Aposto que são muitos. Se você ignorar essas três faixas, o disco anterior deles (Oracular spectacular, de 2007, superestimado toda vida) soará até parecido com este novo: uma homenagem singela, mas carinhosa, ao rebanho sagrado do rock lisérgico, de Love a David Bowie, de Roxy Music a Syd Barrett.

Congratulations é a continuação desse álbum “paralelo”, adquirido por um milhão de pessoas, mas incompreendido por quase todas elas. Nos shows, sempre muito confusos, a dupla sofreu com comentários de que só os hits faziam a diferença (sorte a nossa: eram três!). Daí o salto corajoso: Ben e Andrew podiam simplesmente bolar mais um LP irregular porém acessível (e ninguém reclamaria disso: álbuns são tão démodé!). Mas preferiram gravar um disco que finalmente honra as influências setentistas do grupo – um disquinho coeso e esperto que quase mereceria ser chamado de “conceitual”.

Nada de efeitos rasteiros, portanto. Preocupado em criar uma obra respeitável (taí uma ambição saudável e difícil), o MGMT compôs um disco menos para os fãs e mais para os ídolos. Repare que duas músicas são homenagens: uma a Dan Treacy, da inglesa Television Personalities, e outra a Brian Eno (o Eno sapeca do Roxy Music, e não aquele que zanza por aí produzindo o Coldplay). As outras, ainda que não explicitamente, são declarações de amor: a de abertura, It’s working, é o mais próximo que eles chegaram de sintonizar as vibrações de Arthur Lee. E Siberian breaks, com 12 minutos, se desdobra infinitamente num épico esquizo com um quê de Frank Zappa. Parece até a trilha para o funeral da new rave.

Escalar esse arranha-céu sem o escudo dos hits é o desafio imposto pela banda. Com versos sobre a ressaca do sucesso, Congratulations até pode ser considerado a estreia deles no mundo dos álbuns. Como se, no encarte, eles reconhecessem que tomaram o caminho equivocado e, por isso, merecem uma segunda chance. Acontece que, nessa versão mais vulnerável, o MGMT revela fragilidades que já existiam no disco anterior: acima de tudo, a forma superficial como eles tratam referências que, nas mãos de um Beta Band (ou até de um The Coral), rendem experiências menos genéricas.

O importante é que Congratulations promete ao MGMT alguma longevidade. A partir de agora, podemos levá-los um pouco a sério. Talvez, no fim das contas, Ben e Andrew tenham mais admiração pelo Flaming Lips do que pelo Empire of the Sun. Não estão apressados para chegar ao fim desse arco-íris fluorescente. E, enquanto batem perna, estão dispostos a deixar pelo caminho álbuns sinceros, imperfeitos, álbuns quase à moda antiga, como este aqui. Um típico (e valente) nota 7.

Segundo disco do MGMT. Nove faixas, com produção de Pete Kember e do MGMT. Lançamento Sony/Columbia. 7/10

PS: Para quem acompanha este blog (vocês são poucos, mas são vips), informo que vou postar a mixtape de março às 21h de quarta-feira. Estão avisados: não quero ninguém reclamando quando os arquivos evaporarem, ok?

Superoito express (17)

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Hidden | These New Puritans | 8

O segundo disco do These New Puritans é a trilha sonora não-oficial (e ok, não-intencional) para De olhos bem fechados, de Stanley Kubrick. Talvez inspirados pela jornada de Tom Cruise na noite escura, o quarteto inglês escreveu um ciclo de canções que oscila entre o delirante (juro que não entendi a letra de Hologram, que lembra um Thom Yorke depois da terceira dose de Red Bull) e o operístico (We want war é um espetáculo em 3D com início, meio, fim e pelo menos duas variações de humor).

Vivemos numa época que exige muito de bandas de “art rock” — o conceito parece ter se diluído em todo canto (o disco novo da Shakira, por exemplo: tem gente dizendo que é um bocadinho arty). O TNP banca o desafio sem medo de engasgar com o próprio veneno. Daí que Hidden soa, nos momentos mais bizarros, como uma colaboração insana entre System of a Down, TV on the Radio, M.I.A. e Why. Seria só virtuosismo e falta de noção, não fosse o feixe de melancolia que amolece todas essas loucas melodias.

There is love in you | Four Tet | 7.5

Desde o inesquecível Rounds (2003), Kieran Hebden me decepcionava por compor dentro dos limites de uma zona de segurança que, para ele, parecia cada vez mais confortável. O novo do Four Tet mostra um geniozinho novamente irrequieto, ainda que se movimentando em direção a uma eletrônica mais previsível. É o álbum menos irregular que ele já gravou, sim, mas também o menos aventureiro. Dito isso, Hebden reencontra o equilíbrio entre dance music, sensibilidade ambient (Brian Eno adoraria tudo isso), um senso de melodia próximo do pop e barulhinhos quase sempre sublimes. Os melhores momentos do disco são também alguns dos maiores do ano: a fantasmagórica Angel echoes, a sensual Love cry, a hipnótica Sing. Diante dessa trinca, nem dá para reclamar muito.

Broken Bells | Broken Bells | 6

Devo admitir que sujeitos hiperativos e agoniados como Brian Burton — o seu, o nosso Danger Mouse — me incomodam um pouco. É que, apesar dos esforços para despertar simpatia, eles simplesmente não conseguem se concentrar. Daí que, pouco depois de trocar pílulas coloridas com o Sparklehorse no disco Dark night of the soul, cá está o moço novamente entre nós, à frente de mais um projeto interessante porém prematuro. No caso desta parceria com James Mercer (The Shins), o bolo também sai do forno meio solado: as canções, que não fogem da fórmula do Shins, ganham uma maquiagem apressada do produtor e DJ. Poucas respiram, como o single The high road (Beck cuspido e escarrado) e a maresia psicodélica de Sailing to nowhere, cujo título resume o disco.

Scratch my back | Peter Gabriel | 3

Se a ideia era criar uma longa, lenta marcha fúnebre para a música pop, Peter Gabriel conseguiu: difícil ouvir este disco até o fim sem ficar com a impressão de que o sujeito está matando alguma coisa. Produzido por Bob Ezrin (The wall), esta coleção aleatória de covers bate em duas teclas: ora soa como muzak superproduzido (com arranjos apoteóticos de cordas), ora como um pocket show movido a piano e voz. Os novos arranjos são enigmáticos: só pode ser irônica a forma como Gabriel infla uma canção do Magnetic Fields e ameniza todo o drama que existe nas confissões de Bon Iver ou em Heroes, de David Bowie, que abre o disco. A interpretação é sempre triste, cabisbaixa, como quem pede desculpas pelo golpe baixo. Mas taí: na próxima ida ao dentista, talvez você ouça uma música do Arcade Fire.